Texto: Lc 2.22-52
Pr. José Vidigal Queirós
Introdução
No estudo
anterior abordamos o tema relacionado ao contexto cultural e religioso em que
Jesus teve sua formação humana: a Galileia. Por ter sido judeu, foi criado
segundo os rigorosos padrões da Lei de Moisés. A sinagoga foi o lugar onde
aprendeu as Escrituras, demonstrando interesse pelas coisas sagradas desde sua
adolescência. Ao atingir a maturidade, ele já tinha adquirido consciência
própria de sua identidade, de sua vocação e dos princípios que deveria adotar
em seu estilo de vida. A respeito destes princípios é que o presente estudo se
propõe a tratar. Jesus definiu seu estilo de vida com base nos seguintes
princípios.
A primeira
referência bíblica a respeito da consciência que Jesus tinha de sua filiação a
Deus está registrada no Evangelho de Lucas. Já nos primórdios de sua
adolescência (12 anos), ele se dedicava ao estudo das Escrituras – “Três dias depois, o acharam no templo,
assentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os” (Lc 2.46). Ao ser repreendido pelos pais que o
procuraram durante três dias por ter desaparecido de sua companhia, ele
replicou: “Por que me procuráveis? Não
sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai?” (Lc 2.49).
A consciência
de que era filho de Deus o levou certamente a compreender o grau de
responsabilidade que seus pais terrenos tinham para com ele. Portanto, ele se
submeteu à disciplina, sendo “submisso”
a eles (Lc 2.51). Seu progresso moral
e espiritual tornou-se tão notório que Lucas o descreveu, declarando que “crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça,
diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52).
Atingindo a
maturidade, Jesus tornou-se o “varão perfeito”
e padrão para todos os filhos de Deus (Ef 4.13). A integridade de caráter que
Jesus atingiu foi tal que ele chegou a desafiar seus oponentes a fazer-lhe qualquer
denúncia de pecado: “Quem dentre vós me
convence de pecado?” (Jo 8.46). O autor de Hebreus afirma que ele alcançou
a plenitude da perfeição (moral e espiritual), quando “nos dias da sua carne, [...] por causa de sua piedade, embora sendo
Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido
aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe
obedecem” (Hb 5.7-9). O sofrimento pelo qual passou, durante toda a sua
vida, foi o recurso pedagógico divino para modelar o seu caráter, levando-o à
perfeição espiritual e moral. Portanto, Jesus definiu seu padrão de conduta
moral e espiritual com base na sua consciência de que era o Filho de Deus.
O apóstolo
Paulo descreve as condições em que Jesus esteve submetido aos limites de sua
natureza humana, ao afirmar que ele “subsistindo
em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si
mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de
homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se
obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.6-8).
Jesus estava
ciente de que só havia uma possibilidade de executar os desígnios de Deus: uma
rigorosa obediência ao Pai. Em todas as situações de sua vida e ministério, ele
dependeu do Espírito Santo que lhe deu o poder de executar sua missão no mundo.
Foi por isso que “Deus ungiu a Jesus de
Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o
bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (At
10.38).
Durante o
período de sua encarnação, a natureza humana de Jesus não lhe permitiu que,
mesmo sendo divino, exercesse alguns dos atributos que possuía antes de sua
encarnação. Em primeiro lugar, em nenhum momento de sua vida terrena, ele pôde
estar simultaneamente em dois ou mais lugares geográficos, ao mesmo tempo,
porque estava confinado ao corpo físico. Desta forma, não pode exercer o
atributo da onipresença.
Em segundo
lugar, ao confessar aos seus discípulos que não sabia o dia em que ocorrerá o
juízo final - “Mas a respeito daquele dia
e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai” (Mt
24.36) – ele admitiu sua limitação de conhecimento; e, portanto, não pôde
manifestar o atributo da onisciência.
Finalmente, tendo
consciência de que o poder para expulsar demônios vinha do Espírito Santo com o
qual havia sido ungido – “Se, porém, eu
expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus
sobre vós” (Mt 12.28) – não pôde exercer o atributo da onipotência. A maior prova de suas limitações está no fato de que
Jesus dependeu da oração para se comunicar com o Pai e ouvir a sua voz. Assim
sendo, seu estilo de vida foi marcado pela obediência total a Deus Pai. Por
reconhecer que era humano e limitado, submeteu sua vida ao Pai Celeste para
superar os seus limites.
Jesus deu
início ao exercício de seu papel como o Messias, testificando de sua vocação
divina na sinagoga de Nazaré ao ler uma profecia de Isaías e declarar que esta
teve cumprimento naquela ocasião (Lc 4.14-21). Firmado nesta passagem bíblica
(Is 61.1-2), Jesus definiu as áreas de atuação de seu ministério terreno para os
três anos que dispunha até à sua morte: (a) proclamação das boas novas do
evangelho; (b) libertação espiritual dos cativos e oprimidos pelo diabo; (c)
inauguração da era do perdão – “dia
aceitável do Senhor”.
Ainda com base
nesta mesma profecia de Isaías, Jesus definiu três estratégias para o
cumprimento de sua missão, às quais dedicou toda a sua vida. Mateus as
descreveu da seguinte forma: “E percorria
Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o
evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades” (Mt
9.35). As estratégias adotadas por Jesus foram as seguintes: (a) evangelização – “pregando o evangelho do reino”; (b) discipulado – “ensinando nas
sinagogas”; (c) serviço – “curando toda sorte de doenças e enfermidades”.
Tendo consciência de que era o Messias, ele admitiu que seu tempo de vida
deveria ser utilizado de forma eficaz. Por esta razão, ele dedicou toda a sua
vida na aplicação destas três estratégias de ação missionária.
4. A consciência
de que ele era o Salvador definiu o propósito de sua vida
Os evangelhos registram 31 declarações de Jesus em seus discursos, onde ele se referiu ao Pai como “aquele que me enviou”. Em sua oração a favor dos seus discípulos, dando por encerrada sua missão no mundo, Jesus fez a seguinte declaração a Deus: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (Jo 17.18). O mundo foi o destino ao qual o Pai enviou o Filho. O propósito deste envio foi descrito por João como sendo a salvação – “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (Jo 3.16-17).
Jesus teve
consciência disso e viveu em função disso. A característica principal de sua
vida foi o seu ser para a morte. O
propósito de dar a sua vida em resgate dos pecadores foi explicitamente
declarado por ele mesmo nos seguintes termos: “... como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para
servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.28; Mc 10.45).
Desde o início
do seu ministério, ele já estava ciente de que a “cruz” seria seu destino e foi
por esta razão que exigiu dos seus discípulos a renúncia a si mesmos e a
predisposição ao sacrifício como requisitos para que se tornassem seus
seguidores fiéis – “tome a sua cruz e
siga-me” (Mt 16.24; Mc 8.34).
Na véspera de
sua morte, firmou a “nova e eterna aliança”, em que ratificou o compromisso de
dar a sua vida em resgate dos pecadores – “A
seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo:
Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança,
derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mt 26.27-28). Foi
sua consciência de que era o salvador que fez ele definir seu propósito de
vida: resgatar o mundo do poder do pecado e da maldição da morte.
Conclusão
Por toda a sua
vida, Jesus abriu mão de viver para si mesmo. Nada ele fez para proveito
próprio. Sua vida foi orientada por quatro princípios que ele mesmo definiu. A
consciência de que era o Filho de Deus definiu seu padrão de conduta moral e
espiritual. A consciência de que era humano fez que ele aceitasse os seus
limites. A consciência de que era o Messias definiu as estratégias de sua
missão. Finalmente, a consciência de que era o salvador definiu o propósito de
sua vida.
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