23 de maio de 2014

ADMINISTRAÇÃO ECLESIÁSTICA - CAPÍTULO II



 
Pr. José Vidigal Queirós
 
 
 
 
 
 



 

Introdução
A administração de uma comunidade cristã local requer uma compreensão do significado de administrar. Em consenso geral, admite-se que administração é o processo de planejar, organizar, liderar e controlar o trabalho dos membros de uma organização, e de usar todos os recursos disponíveis desta organização para alcançar os objetivos definidos.
Administração envolve planejamento, organização, direção e controle, sendo na igreja para a ação de dirigir o bom andamento dos propósitos estabelecidos. O pastor, como gestor eclesiástico, tem que acompanhar os objetivos propostos pela igreja etransformá-los em ação através de planejamento, organização, direção e controle detodos os esforços realizados em todas as áreas e em todos os níveis, a fim de garantir o alcance dos objetivos da missão para a qual a igreja foi designada por Deus.

1.       Compreendendo o significado de organização eclesiástica
Organizar é a forma de coordenar todos os recursos da igreja, quer sejam humanos, financeiros ou materiais, alocando-os da melhor forma segundo o planejamento estabelecido. Organizar, literalmente, significa dispor de forma ordenada. Portanto, podemos dizer que uma igreja é/está devidamente organizada quando há uma estrutura que estabeleça ordem, níveis de autoridade e uma coordenação metódica das atividades planejadas.
A igreja, no seu aspecto formal, constitui-se tanto num organismo (concepção teológica) como também numa organização(concepção técnico-administrativa). Como organização, tem uma finalidade e precisa de uma estrutura que viabilize o exercício de sua missão. Organização eclesiástica tem sua fundamentação bíblica na concepção metafórica de “Corpo de Cristo” (1Co 12.28).Ela tem como finalidade sugerir o estabelecimento de uma estrutura que torne possível a execução de um determinado plano estratégico de trabalho.
ORGANIZAÇÃO, diz Carvalho, “é a atividade por excelência do processo administrativo de qualquer empreendimento, inclusive da igreja. Podemos, então, caracterizar a organização eclesiástica como sendo um conjunto de relações na comunidade, relações essas baseadas, primeiramente, no vínculo de ordem espiritual, moral e ético” (1Co 12.12-31).[1]

1.1.    A organização da igreja face ao conceito de trabalho
Conforme o Dicionário Aurélio, etimologicamente, TRABALHO deriva do latim vulgar tripaliare (derivado de tripalium = instrumento de tortura). O Dicionário Houaiss acrescenta o termo tripális que significa “sustentado por três estacas ou mourões”.
Para os gregos antigos, “o trabalho era uma atividade produtiva material, indigna da condição humana”.Platão (428-347 a.C.), filósofo grego, ensinava que “os escravos não possuíam alma – nem essência humana – razão porque pertenciam a uma categoria fronteiriça entre os animais e os cidadãos livres”.O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), ensinava que “o ócio é a condição fundamental da filosofia”.[2]
As Escrituras, em Gênesis 2.15, registram que as duas primeiras profissões designadas por Deus ao homem foram a de “agricultor” e a de “mordomo”.  A Bíblia depõe que o trabalho dignifica o homem – “Ora, uma só coisa é o que planta e o que rega; e cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho. Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus” (1Co 3.8-9).Jesus disse: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”(Jo 5.17). Corroborando com Jesus, o apóstolo Paulo advertiu:“... se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10).

1.2.    A distribuição do trabalho na igreja
A organização eclesiástica é necessária porque o trabalho numa igreja é demasiado para o dirigente controlar sozinho. Antes de tudo, o líder precisa levantar questões que lhe tragam respostas a respeito de suas atividades básicas e complementares, com quem vai colaborar, quais são os canais de distribuição de tarefas disponíveis, quais os relacionamentos entre os membros da comunidade e entre os vários grupos de trabalho.
“A organização eclesiástica”, declara Carvalho,“pode ser encarada como uma distribuição racional de tarefas, relacionadas entre si, e que tem por pressuposto a constituição de equipes de trabalho harmônicas e fundamentadas no espírito de servir com amor...”. [3] A igreja é um “corpo” e todos são participantes de uma unidade íntima que os compromete no trabalho de Deus. Por essa razão, a igreja diferencia-se das demais sociedades jurídicas, políticas, econômicas e sociais.

1.3.    Regras de funcionamento da organização eclesiástica
As seguintes normas regem a organização eclesiástica:
a)       A organização eclesiástica deve adaptar-se aos objetivos centrais da igreja.
b)       A organização da comunidade cristã não pode ser encarada como uma regra definitiva. Importa que seja revista e adaptada periodicamente às novas condições da vida eclesial.
c)       A organização deve existir em cada igreja numa escala equilibrada. Deve-se evitar tanto o excesso de organização como sua falta traduzida em desordem administrativa e isolamento.
d)       A organização eclesiástica deve conter uma certa dose de improvisação e de imaginação, de liberdade e de iniciativa.
e)       A organização da comunidade não substitui o cérebro da liderança na igreja, mas deve facilitar suas intervenções.
f)        A organização eclesiástica não deve ser um fim em si mesma; ela foi ordenada por Deus para colaborar com os homens, não para fazer-lhes concorrência.

2.       Princípios que regem a administração eclesiástica
2.1.    O princípio da descentralização administrativa
A gestão compartilhada da comunidade cristã necessita evitar o acúmulo de tarefas que a impeçam de agir com dinamismo e versatilidade. Como um sistema vivo e em constante evolução, a igreja precisa estar capacitada para responder aos desafios do ambiente para o qual deve estar voltada.
A descentralização ocorre por meio de um eficiente sistema de delegação. O enfoque descentralizador, segundo Carvalho, “se resume, essencialmente, na divisão de grandes unidades de trabalho em unidades menores, administráveis, de modo que seja possível atribuir a cada um a tarefa adequada”.[4]
A constituição de unidades autossuficientes, administradas de forma mais racional, respondendo de imediato às reações do ambiente, transforma o dirigente cristão participativo em verdadeiro “presidente” de uma pequena unidade eclesiástica.A descentralização administrativa deve ocorrer em comunidades maiores, onde há múltiplas tarefas e compromissos interna e externamente.A descentralização administrativa numa igreja de porte grande (por exemplo, acima de mil membros, para os padrões de igrejas evangélicas brasileiras) pode ser assim representada:Unidades Menores + Estrutura Ágil + Respostas aos Desafios = METAS ATINGIDAS.

2.2.    Princípio da mudança organizacional
Por ser tanto um organismo como também uma organização, a igreja passa por mudanças, uma vez que o seu contexto histórico e cultural evolui e sofre mutações, em virtude das rápidas transformações que ocorrem em todas áreas do conhecimento e das relações humanas. Diante disso, uma questão é suscitada: Por que é difícil mudar?
Respondendo a esta questão, Carvalho declara:“Via de regra, a organização resiste às mudanças estruturais que possam mexer com o seu status quo, modificando posições, acabando com privilégios e eliminando tradições ultrapassadas [...]. O passado de uma organização pode ser um entrave para a sua agilização, hoje”. [5]
As razões pelas quais as organizações resistem a mudanças são várias:
a)       As organizações são “sobredeterminadas”. Isso significa que há múltiplos mecanismos para assegurar a estabilidade. A seleção de pessoal, o treinamento e o sistema de recompensas destinam-se a conduzir à estabilidade.
b)       As organizações cometem o erro de presumir um determinismo local, ou de acreditar que a mudança em um único ponto não causará impactos na amplitude da organização.
c)       Existe inércia individual e grupal. A força do hábito é muito difícil de superar.
d)       A mudança organizacional pode ameaçar mudar grupos ocupacionais dentro das organizações. Algumas especialidades podem prever que não mais serão necessárias quando certas mudanças forem implantadas.
e)       A mudança organizacional pode ameaçar o sistema de poder estabelecido.
f)        A mudança organizacional pode ameaçar aqueles que se beneficiaram da alocação anual de recompensas e recursos.

A mudança organizacional só começa “quando os funcionários da organização [...] sentem a necessidade de mudar. De pouco adianta um programa de aprendizagem organizacional bem estruturado e melhor apresentado se, ao mesmo tempo, não existir uma consciência de liderança individual voltada para aceitar as alterações substanciais necessárias para uma nova mentalidade de pensar e de agir”. [6]
Mudanças estruturais na organização eclesiástica devem incorporar os seguintes procedimentos:
a)    Elevada complexidade nos processos de treinamento e atualização dos membros da igreja.
b) Elevada descentralização administrativa em matéria de tomada de decisões, principalmente em comunidades de grande porte.
c)   Pouca formalização nos procedimentos administrativos eclesiásticos.
d)  Diminuição das diferenças salariais e recompensas.
e)   Alta ênfasena qualidade de serviços prestados.
f)    Alto índice de motivação para o trabalho na igreja.
g)  Elevado nível de interação entre a organização eclesiástica e o ambiente.
h)   Elevado nível para aprendizado contínuo.

2.3.    Princípio da coordenação
“O objetivo central da coordenação consiste em harmonizar as atividades de todas as unidades da igreja, tendo em vista a obtenção de resultados na consecução dos objetivos da comunidade cristã...” (CARVALHO, 2004, p. 46.). Assim sendo, a coordenação constitui-se na disposição de esforços de forma contínua e ordenada, de modo que seja obtida a unificação da ação gerencial na comunidade. Ela está alicerçada em dois princípios fundamentais da atividade gerencial moderna:
a)       Especialização intensiva e multiforme das atividades eclesiásticas;
b)       Necessidade de aglutinação de esforços dessas mesmas atividades.

2.4.    Princípio da direção participativa
Direção participativa é direção compartilhada; constitui-se num processo exercido sobre determinada área de trabalho eclesiástico, com o objetivo de obter de seus membros a cooperação espontânea necessária para atingir as metas propostas pelo plano. Neste modelo, o dirigente atua como um orientador (educador) e controlador das atividades de seus colaboradores. Ele é mais um instrutor do que realizador de tarefas. Suas principais atribuições, neste caso, serão:
a)       Correta e inteligente utilização de recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;
b)       Direção efetiva de equipes de trabalho na igreja – integradas e motivadas;
c)       Consecução dos objetivos da unidade previamente determinados.

3.       Autoridade e responsabilidade na igreja
Em Mt 8.9, encontramos uma declaração de um centurião romano à pessoa de Jesus que pode ser usada como base para o conceito de autoridade:“Pois também eu sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens e digo a este: vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem; e ao meu servo: faze isto, e ele o faz”.[7]O centurião era comandante de uma centúria (cem soldados). Ele era dotado de autoridade hierárquica, sendo obedecido formalmente por seus soldados. Era o responsável pela disciplina da centúria perante o general comandante da legião (6.000 soldados) à qual estava lotado. Ele possuia o poder de comandar e sua responsabilidade constituia-se no dever de fazer uso da autoridade que lhe fora outorgada para garantir a obediência dos seus soldados.
O conceito de autoridade origina-se na instituição hierárquica do exército romano. Isto é o que se chama de princípio da autoridade formal. Desta forma, autoridade é definida como o poder legal ou legítimo, ou o direito de comandar.A ausência da autoridade formal pode gerar nas instituições a indisciplina e o caos.

3.1.    Autoridade e Responsabilidade: Qual a diferença?
Na linguagem administrativa, autoridade e responsabilidade estão aliadas. No caso do centurião (Mt 8.9), ele estava investido de autoridade para comandar, mas tal autoridade lhe fora delegada por um general perante o qual estava obrigado a prestar contas de sua incumbência: manter a disciplina e definir estratégia de combate de sua centúria. Desta forma, responsabilidade consiste na prestação de contas do subordinado ao seu superior hierárquico. A autoridade do centurião só haveira de ser plena à medida que fosse responsável por seus subordinados perante o general da legião à qual pertencia.

3.2.    A aceitação da autoridade
A autoridade só é reconhecida quando o subordinado acata as ordens e instruções de seu gerente.Citando Chester I. Bernard, Carvalho declara que “a autoridade é o caráter de uma comunicação (ordem), numa organização formal, em virtude da qual ela é aceita por um membro da organização para dirigir a sua ação...”.[8] Pensando assim, ele reconhece que a autoridade apresenta dois aspectos: um subjetivo, pessoal, que é a aceitação de uma comunicação como tendo autoridade; e outro objetivo, que o caráter dessa comunicação, em virtude do qual ela é aceita.A autoridade estabelece uma relação interpessoal através da qual “um subordinado aceita uma decisão tomada por outro indivíduo, o superior, permitindo que essa decisão afete diretamente o seu comportamento”. (TANNENBAUM, apud CARVALHO, 2004, p. 67).

3.3.    A autoridade na igreja
A autoridade é o recurso que o líder eclesiástico precisa para cumprir suas responsabilidades. De um modo geral, o pastor da igreja detém dois tipos de autoridade: a que lhe é conferida pelo Espírito Santo (autoridade espiritual, cf Rm 12.7-8; Ef 4.11-12; 1Tm 3.1-7), e a autoridade administrativa, incluindo-se aí a liderança participativa no âmbito da igreja (1Tm 3.4-5; 5.1-16).
Em virtude da ênfase que os seminários, na formação de pastores, dão à autoridade espiritual (vocação, dom de Deus), pouco tempo os pastores dedicam à administração eclesiástica, delegando-a aos membros profissionalmente especializados. Mas, ainda que tais membros sejam peritos nesta tarefa, compete ao pastor a incumbência do planejamento, organização, controle e coordenação das funções administrativas eclesiásticas. Ele é o responsável por delegar parte de suas responsabilidades (financeiras, administrativas, educacionais, etc.) para outros membros qualificados. Entretanto, a responsabilidade total pelo funcionamento da igreja é do pastor.
Como delegar autoridade e responsabilidade? Seguindo o exemplo de Moisés, quando foi orientado pelo seu sogro Jetro, o caminho mais adequado não é outro, senão, uma seleção de auxiliares com base em critérios rigorosos previamente determinados. A falta de delegação de autoridade e responsabilidade pode trazer, em consequência disso, fracassos indesejados. Para ilustrar, vejamos:
Numa certa igreja, muito longe daqui, havia quatro pessoas: Todomundo, Alguém, Qualquer Um e Ninguém. Um importante trabalho precisava ser feito e Todomundo tinha certeza de que Alguém o faria. Qualquer Um poderia tê-lo feito, mas Ninguém o fez. Alguém zangou-se por que era um trabalho de Todomundo. Todomundo pensou que Qualquer Um poderia fazê-lo, mas Ninguém imaginou que Todomundo deixaria de fazê-lo. Ao final das contas, Todomundo culpou Alguém quando Ninguém fez o que Qualquer Um poderia ter feito.[9]





[1] CARVALHO, Antônio Vieira de. Planejando e administrando as atividades da igreja. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 37.
[2] CARVALHO, op. Cit. p. 38.
[3] CARVALHO, Antônio Vieira de. Ibidem, p. 39.
[4] CARVALHO, Antônio Vieira de. Ibidem, p. 41.
[5] CARVALHO, Antônio Vieira de. Ibidem, p. 42.
[6] CARVALHO, Antônio Vieira de. Op. cit. p. 44.
[7] Sociedade Bíblica do Brasil. (1999; 2005). Bíblia de Estudo Almeida - Revista e Atualizada (Mt 8:9). Sociedade Bíblica do Brasil.
[8] CARVALHO, Antônio Vieira de. Op. Cit. p. 67.
[9] CARVALHO, Antônio Vieira de. Op. Cit. p. 75.

ADMINISTRAÇÃO ECLESIÁSTICA - CAPÍTULO I

Administração na Igreja - Os desafios de hoje!



ADMINISTRAÇÃO ECLESIÁSTICA

Pr. José Vidigal Queirós





CAPÍTULO I

A FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DA ADMINISTRAÇÃO
(Myron Rush, Administração: uma abordagem bíblica. Editora Betânia, 2005)


Introdução
A necessidade de organizar e tornar eficaz o funcionamento de uma igreja exige a capacitação de pastores na área de gestão eclesiástica. Uma vez que os pastores e líderes eclesiásticos são formados em instituições evangélicas designadas para a educação teológica, estes carecem de preparo para administrar ou liderar a igreja com todos os seus departamentos, organizações missionárias e grupos específicos de ministérios especiais. O preparo de gestores de igrejas exige, portanto, a construção de uma visão bíblico-teológica da administração que norteie o processo de formação de gestores eclesiásticos.

1.       O modelo de Jesus
Administrar, segundo a concepção da maioria dos professores universitários e consultores administrativos, consiste na tarefa de “realizar o trabalho por meio de outros”. [1] Tal conceito é essencialmente empresarial e deriva do capitalismo, onde pessoas são vistas como instrumentos de produção de riquezas. Esta concepção produz uma relação de dominação que fere e viola os valores cristãos, conforme o exemplo abaixo.
“Aproximou-se dele, então, a mãe dos filhos de Zebedeu, com seus filhos, ajoelhando-se e fazendo-lhe um pedido. Perguntou-lhe Jesus: Que queres? Ela lhe respondeu: Concede que estes meus dois filhos se sentem, um à tua direita e outro à tua esquerda, no teu reino. Jesus, porém, replicou: Não sabeis o que pedis; podeis beber o cálice que eu estou para beber? Responderam-lhe: Podemos. Então lhes disse: O meu cálice certamente haveis de beber; mas o sentar-se à minha direita e à minha esquerda, não me pertence concedê-lo; mas isso é para aqueles para quem está preparado por meu Pai. E ouvindo isso os dez, indignaram-se contra os dois irmãos. Jesus, pois, chamou-os para junto de si e lhes disse: Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles. Não será assim entre vós; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo; assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20.20-28).
O modelo de Jesus contradiz o padrão de administração mundana. Ao contrário do sistema secular que estabelece uma relação de domínio e subordinação entre chefes e subalternos, Jesus propõe um modelo no qual o administrador é um líder que encarna o perfil de servo daqueles que lhe estão submissos. Ele não anulou o princípio da hierarquia e da autoridade, mas estabeleceu uma relação na qual os liderados são tratados com dignidade e considerados em elevada estima por parte de quem os administra. O modelo mundano é opressivo, destituído de cordialidade, gera insatisfação e reduz a produtividade. Como, então, poderíamos conceituar administração, segundo o padrão bíblico? “Administrar significa suprir as necessidades dos subordinados, enquanto eles trabalham no cumprimento de suas tarefas”, opina Rush.[2]
Ninguém contesta que Jesus foi o líder por excelência. O apóstolo Paulo, em Fp 2.5-7, descreve clara e enfaticamente a pessoa de Jesus como modelo a ser seguido por todos os cristãos e isto inclui os pastores e líderes: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana...”.
Por ser uma instituição que busca cumprir os propósitos estabelecidos por Deus, a igreja precisa imprescindivelmente adotar os princípios da administração propostos nas Sagradas Escrituras, para que possa compatibilizar suas ações à natureza e desígnios para os quais ela foi instituída.

2.       Elementos fundamentais que garantem o sucesso na administração
A identificação dos elementos-chave que garantem o sucesso de uma instituição pode ser encontrada nas Sagradas Escrituras. Partindo do estudo de um caso registrado na Bíblia, a construção da Torre de Babel, pode-se encontrar quatro elementos necessários ao progresso de uma instituição bem sucedida. A passagem bíblica que narra este fato encontra-se em Gn 11.1-9. Examinando tal passagem, Rush[3] alistou estes quatro elementos:
a)       O compromisso de trabalhar em torno de um mesmo objetivo (v. 3, 4);
b)       Unidade entre as pessoas envolvidas (v. 6);
c)       Um sistema eficaz de comunicação (vv. 1, 6);
d)       Agir conforme a vontade de Deus (os versículos 7 a 9 mostram que eles não o estavam fazendo).
O compromisso assumido por parte de um grupo de pessoas envolvidas com um empreendimento, para trabalharem focados num mesmo objetivo, estando elas unidas por esse compromisso e mantendo um sistema de comunicação eficaz entre si, suscitará um potencial ilimitado: “Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer(v. 6).
Na visão divina, pessoas podem realizar qualquer coisa, e nada as impedirá de realiza-la, quando trabalham unidas em torno de um objetivo comum e dispõem de um sistema de comunicação eficaz. Somente Deus pôde barrar a construção da Torre de Babel; e, se ele não o fizesse, nada os impediria de obter sucesso na realização do projeto que decidiram executar. Ao desarticular o sistema de comunicação através da confusão das línguas, Deus obteve, em consequência disso, a quebra da unidade do grupo e do comprometimento individual com o projeto; o resultado final foi o fracasso total.

2.1.    A atividade administrativa
Myron Rush resume a atividade administrativa em duas categorias básicas: a administração de “coisas” e a administração de “ideias”.[4] Coisas são concretas, visíveis e palpáveis (prédios, as instalações, os equipamentos e os suprimentos), portanto, são mais fáceis de serem administradas; enquanto que as ideias são abstratas, intangíveis. Coisas podem ser controladas e organizadas num inventário e entrega-las sob a responsabilidade de uma pessoa.
Quando se trata de ideias, tudo é diferente. Elas são difíceis de serem avaliadas, até mesmo de serem explicitadas. Podem até existir sem o conhecimento de quem administra. A maioria das pessoas incumbidas da administração dispende quase todo o seu tempo gerindo coisas o que as levam ignorar as ideias. Mas deve-se levar em conta que são as ideias que dão origem às coisas. Nesta linha de raciocínio, Rush comenta:
Tudo que o ser humano constrói – e construiu – surgiu primeiramente na forma de uma ideia que alguém teve. E as coisas que existirão amanhã serão o resultado das ideias de hoje. Portanto o líder ou administrador que deseje progredir, ou que queira que sua instituição continue ativa no futuro, tem de dar prioridade máxima à administração das ideais. Afinal o futuro da instituição depende de como ela irá administrar as ideias que as pessoas estão tendo no presente. [5]

O erro cometido por grande parte dos administradores consiste no fato de que eles consideram seus funcionários como meros objetos usados para o trabalho e não como pessoas. Administradores que assim procedem acreditam que somente eles são capazes de ter ideias, ignorando o fato de que o patrimônio mais valioso de uma instituição é constituído das pessoas que a compõem. Tais administradores concentram sua atenção em orçamentos, prédios e equipamentos em detrimento das pessoas que cuidam de tudo isso. Ignoram o fato de que elas também são dotadas de inteligência e são criativas.
Uma vez que “administração consiste em gerenciar, controlar e dirigir”, diz Eliel Gaby, “a responsabilidade do administrador resume-se na tarefa de estabelecer objetivos organizacionais e desenvolver estratégias necessárias para alcança-las”.[6]Isto requer do administrador o desempenho de algumas funções primordiais:[7]

a)  Prevenção – diz respeito à capacidade de visualizar os acontecimentos futuros e traçar programas de ação (planejamento).
b)      Organização – consiste na composição da estrutura funcional da organização responsável pela viabilização das atividades planejadas.
c)   Comando – ato de dirigir e orientar. Na igreja, o comando está com o pastor. Sendo uma organização espiritual, a igreja reconhece e se submete à autoridade do pastor, em virtude de sua vocação divina.
d)    Coordenação –consiste no ato de promover harmonia entre todos os esforços. Embora o pastor esteja no comando geral da igreja, esta é uma tarefa que exige profissionalismo e somente um gestor habilitado deve exercer.
e)    Controle – diz respeito ao uso de mecanismos eficientes para monitoramento das ações, durante a execução do plano.

2.2.    A criatividade humana
Conceituando criatividade, Rush opina que ela consiste na “capacidade de fazer algo novo ou dar uma nova forma àquilo que já existe”. [8] Deus, por ser o Criador de todas as coisas, criou o homem à sua imagem e semelhança e, consequentemente, ele se tornou um ser criativo. O ser humano é racional e, portanto, dotado da capacidade inventiva. Por esta razão, “a mente humana é o patrimônio mais valioso de uma instituição”. [9] Com base nisto, pode-se afirmar que criatividade não é um talento ou atributo que somente alguns privilegiados possuem.
Rush opina que “ninguém precisa fazer um curso de capacitação para se tornar criativo” e acrescenta: “a criatividade é o resultado natural do processo do pensamento humano. Seu desenvolvimento dentro de uma instituição se restringe ao nível de liberdade que os patrões e administradores conferem aos funcionários”. [10] Uma boa aplicação deste conceito foi feita por Jesus na parábola dos talentos, onde ele destaca a importância da produtividade. Os produtivos foram recompensados, enquanto o improdutivo foi punido.
Nesta parábola são destacados dois princípios bíblicos de administração e liderança. O primeiro diz respeito ao uso individual dos talentos e da criatividade que Deus conferiu a cada ser humano. O segundo é o princípio do reconhecimento e retribuição pelo desempenho individual de sua criatividade. Significa dizer que o administrador cristão deve incentivar as pessoas com quem trabalha a fazer uso de sua criatividade para melhorar a produtividade tanto individual quanto o da instituição a que serve. A tais pessoas o líder deve dar o devido crédito e reconhecimento. Isso as leva sentir-se não somente valorizadas, mas principalmente necessárias.

3.       O ambiente de trabalho produtivo
Considerando que o ambiente de trabalho exerce influência direta na produtividade, a criação de tal ambiente é tarefa do líder ou administrador. Segundo Rush, as condições desse ambiente que o administrador haverá de criar dependem:
a)       Da forma como ele reage diante das necessidades da equipe;
b)       Da sua atitude com relação ao pessoal e ao trabalho;
c)       Da maneira como usa a autoridade;
d)       Do modo como reage em face dos erros e fracassos da equipe;
e)       Da sua disposição de reconhecer o mérito da equipe.

Para que o líder aproveite o potencial criativo do pessoal sob seu comando, ele precisa aplicar a filosofia bíblica de administração. Portanto, ele precisa “estabelecer um relacionamento de confiança com a equipe, delegar poderes de decisão a cada membro do grupo, transformar os fracassos e erros em experiências positivas que gerem aprendizado, demonstrar sempre, tanto à equipe como um todo quanto aos membros, individualmente, o devido reconhecimento pelas suas realizações”. [11]

4.       O espírito de equipe
Em palestra proferida aos pastores da Convenção Batista Maranhense, James Paul Thorp propôs que a importância do trabalho em equipe reside no fato de que, em um grupo organizado e coeso, as ideias individuais se completam, há crescimento nos resultados, a equipe supera as deficiências individuais e possibilita o sucesso. Neste sentido, o trabalho em equipe deve estar focalizado no grupo e não em seu líder ou componentes, individualmente.
Equipes funcionam no princípio de sinergia (sinergia = o todo é maior do que a soma das partes individuais).A equipe aproveita as diferenças individuais de tal forma que as limitações de uns são superadas pelas habilidades de outros. Os resultados sempre serão melhores e maiores que os resultados do trabalho individual. Para que o trabalho em equipe seja eficaz, James declarou que são necessários os seguintes elementos:
a)       Aptidão e competência funcional por parte do líder.
b)       Definição prévia dos alvos da equipe.
c)       Definição do papel individual dos membros da equipe.
d)       Um processo de avaliação da conduta dos que formam a equipe.
e)       Os níveis de relacionamento entre os componentes da equipe.
f)        Os valores que a equipe deve adotar.
g)       Disciplina para que haja preservação da ordem.


4.1.    Necessidades pessoais trazidas para a equipe
Segundo Rush, “cada membro da equipe chega a ela trazendo uma série de necessidades pessoais exclusivas”.[12] 
O progresso tecnológico acelerado gerou uma crise de identidade. Os computadores e outros equipamentos eletrônicos são capazes de realizar com mais rapidez o trabalho que muitas pessoas executavam no passado e, desta forma, tornaram-se mais valorizados que as pessoas. O trabalho em equipe gera interação e os componentes se sentem úteis, mas suas necessidades pessoais precisam ser supridas pelo administradorcomo meio de motiva-las a uma melhor produtividade.

4.2.    O fator mais importante para a formação de equipes produtivas
A razão de pessoas formarem organizações reside no fato de que este é o meio que lhes garante a realização de projetos e o alcance de alvos que, individualmente, não conseguem.Portanto, a formação e manutenção de equipes melhora a produtividade sem a necessidade de aumentar o orçamento.
“O objetivo ou a missão do grupo é o fator mais importante na criação e manutenção de uma equipe produtiva”. [13] A probabilidade do risco de surgirem fatores que geram conflitos e necessidades não supridas é bem menor quando os membros de uma equipe têm participação direta no estabelecimento ou aperfeiçoamento do objetivo geral. O administrador inteligente haverá de fazer todo o possível para que os componentes de sua equipe de trabalho tenha participação direta na elaboração do objetivo.

5.       As relações de trabalho
As Escrituras nos apontam dois níveis de relações que todo indivíduo deve ter: a relação com Deus e a relação com o próximo. No que diz respeito ao relacionamento interpessoal, em Sl 133.1, lemos: “Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos!” Corroborando com o salmista, Paulo disse: “Irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo suplico a todos vocês que concordem uns com os outros no que falam, para que não haja divisões entre vocês, e, sim, que todos estejam unidos num só pensamento e num só parecer” (1Co 1.10).

O relacionamento humano, segundo as Escrituras, é regido pelos seguintes princípios:
a)       Todo relacionamento gira em torno de necessidades pessoais que só podem ser supridas por outras pessoas.
b)       As necessidades supridas solidificam as relações.
c)       Necessidades não supridas desgastam as relações.

A preservação do espírito de cooperação (operar com) depende da aplicação das seguintes regras:
a)       Atacar o problema, não as pessoas. Quando as pessoas deixam de atender as nossas necessidades, nossa tendência é ataca-las em vez de tratarmos o problema.
b)       Falar abertamente o que sentimos em vez de tentar demonstrá-lo pelo comportamento. A tentativa de expressar com atitudes o que sentimos pode gerar mal-entendidos, causar rancor e mágoas.
c)        Perdoar em vez de julgar.
d)       Comprometer-se a dar mais do que receber.






[1] Myron Rush. Administração: uma abordagem bíblica. Belo Horizonte: Editora Betânia, 2005.
[2] Myron Rush. Op. Cit., p. 13.
[3] Myron Rush. Ibidem, p. 15.
[4] Myron Rush. Op. Cit. p. 20.
[5] Myron Rush. Ibidem, p. 20, 21.
[6] GABY, Eliel; GABY, Wagner. Planejamento e gestão eclesiástica. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 25.
[7] GABY, Eliel; GABY, Wagner. Op. Cit., p. 26.
[8] Myron Rush. Ibidem, p. 21.
[9] Myron Rush. Ibidem, p. 21.
[10] MYRON RUSH, Op. Cit. p. 22.
[11] MYRON RUSH, Op. Cit. p. 35.
[12] MYRON RUSH, op. Cit. p. 65.
[13] MYRON RUSH, Ibidem, p. 60.