24 de agosto de 2014

ENVIADO POR DEUS E REJEITADO PELO HOMEM


TEXTO: 2Sm 16.5-14

“Tendo chegado o rei Davi a Baurim, eis que dali saiu um homem da família da casa de Saul, cujo nome era Simei, filho de Gera; saiu e ia amaldiçoando. Atirava pedras contra Davi e contra todos os seus servos, ainda que todo o povo e todos os valentes estavam à direita e à esquerda do rei. Amaldiçoando-o, dizia Simei: Fora daqui, fora, homem de sangue, homem de Belial; o SENHOR te deu, agora, a paga de todo o sangue da casa de Saul, cujo reino usurpaste; o SENHOR já o entregou nas mãos de teu filho Absalão; eis-te, agora, na tua desgraça, porque és homem de sangue.
Então, Abisai, filho de Zeruia, disse ao rei: Por que amaldiçoaria este cão morto ao rei, meu senhor? Deixa-me passar e lhe tirarei a cabeça. Respondeu o rei: Que tenho eu convosco, filhos de Zeruia? Ora, deixai-o amaldiçoar; pois, se o SENHOR lhe disse: Amaldiçoa a Davi, quem diria: Por que assim fizeste? Disse mais Davi a Abisai e a todos os seus servos: Eis que meu próprio filho procura tirar-me a vida, quanto mais ainda este benjamita? Deixai-o; que amaldiçoe, pois o SENHOR lhe ordenou. Talvez o SENHOR olhará para a minha aflição e o SENHOR me pagará com bem a sua maldição deste dia.
Prosseguiam, pois, o seu caminho, Davi e os seus homens; também Simei ia ao longo do monte, ao lado dele, caminhando e amaldiçoando, e atirava pedras e terra contra ele. O rei e todo o povo que ia com ele chegaram exaustos ao Jordão e ali descansaram”.

Introdução
O presente artigo é fruto de meu sentimento de humilhação e vergonha, escrito com minhas lágrimas.  Em minha experiência de ministério, sendo vítima da rejeição injusta por parte de algumas pessoas com quem me deparei em duas das igrejas que já pastoreei, cheguei a concluir que o perfil de algumas igrejas atuais é uma réplica do antigo Israel, da época dos profetas.
Algumas igrejas dos nossos dias estão tratando os seus pastores como os filhos de Israel trataram os homens que por Deus lhes foram enviados. A história se repete, manifestando duas realidades incontestáveis. A primeira é o envio de homens vocacionados para servirem como portadores de uma mensagem de procedência divina com o propósito de edificar o povo de Deus. A segunda é a rejeição vergonhosa e humilhante a tais profetas por parte dos que afirmam ser povo de Deus.
Todos os profetas, sem exceção de nenhum, foram rejeitados de forma humilhante e violenta pelo povo de Deus. “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados!” foi o clamor do Filho de Deus, com seu rosto banhado de lágrimas e seu coração dilacerado pela dor da rejeição que sofreu por parte do povo que ele amou e pelo qual morreu.
Davi, o rei de cuja descendência nasceu o nosso Salvador, foi também vítima de uma das mais desprezíveis atitudes de rejeição por parte de Simei, “um homem da família da casa de Saul”, o rei que antecedeu Davi e que, durante anos, o perseguiu com ódio e tentou assassiná-lo várias vezes.
Absalão, filho de Davi, depois de conspirar com diversos líderes, uniu forças militares para lutar contra seu próprio pai, a fim de usurpar-lhe o trono. O rei Davi, então, para não ter que enfrentar seu próprio filho em uma batalha, montado em um jumento (não em um cavalo) figurando um homem simples do povo, fugiu de Jerusalém, deixando atrás de si a opulência do seu palácio e a glória de sua coroa.
Ao atravessar as ruas da cidade de Baurim, Simei, proferindo maldições e lançando pedradas, contra Davi, vociferava com fúria incontrolável: Sai, sai, homem sanguinário, homem de Belial! ... O Senhor te deu a paga... eis-te agora na tua desgraça... homem sanguinário” (2Sm 16.7-8). Quando Absai, guerreiro fiel, pediu a Davi autorização para decapitar com sua espada o furioso e maldizente Simei, Davi recusou retribuir o mal com o mal. Sua reação foi: “Deixai-o; que amaldiçoe [...]. Talvez o SENHOR olhará para a minha aflição e o SENHOR me pagará com bem a sua maldição deste dia”. Que nobreza de atitude! Quanta virtude no caráter deste homem! Este é um dos aspectos da personalidade de Davi que o caracterizou como “o homem segundo o coração de Deus” (At 13.22).
Tal como o rei Davi e os profetas do Antigo Testamento, ainda hoje, alguns pastores são, às vezes, tratados com desprezo, sofrem humilhações e agressões verbais publicamente por parte de membros da igreja que se dizem ser "povo de Deus", sem que nenhuma medida disciplinar lhes seja aplicada, permanecendo na impunidade e servindo de “exemplo” para as gerações mais jovens.
A falta de respeito para com um ministro do evangelho é o testemunho vivo da “brutalidade espiritual” por parte daqueles que nunca tiveram temor a Deus. Diante de tal fato, questionamos: Como os verdadeiros homens de Deus devem reagir diante de tais humilhações? A experiência de Davi serve para nós, homens de Deus, como exemplo de como devemos proceder. Para tanto, analisemos os fatos e as respectivas atitudes dos dois personagens desta narrativa.

1. O ungido apedrejado

1.1. Apedrejado pelas palavras - "... atirava pedras... Amaldiçoando-o, dizia Simei: Fora daqui, ... homem de Belial" (v. 5)

Pedras e palavras têm algo em comum: elas servem tanto para construir como para destruir. Palavras podem ser proferidas tais como pedradas atiradas na alma de alguém com o propósito único de machucar. As palavras de Simei expressavam nada mais que violência verbal de desrespeito vergonhoso ao seu rei, uma autoridade instituída por Deus, que atravessava pelo pior de todos os momentos de sua vida, tornando-se vítima da incompreensão impiedosa por parte do tal Simei. Com sua alma angustiada pela dor que sentia por um filho assassinado, outro filho traidor que procurava mata-lo, deposto do trono, exilado de sua pátria, como fugitivo errante tentando sobreviver, Davi prosseguia em silêncio sem reagir.
As palavras de Simei eram fruto da ingratidão manifesto de forma cruel. Simei deveria ser grato a Davi por sua vitória sobre Golias pela qual o seu povo foi liberto da ameaça dos filisteus (1Sm 17.45-47). Simei deveria ser grato a Davi por duas vezes ter poupado a vida de Saul quando o teve em suas mãos. Davi não reagiu às agressões verbais de Simei. Aqui aprendemos um princípio: Ao sermos apedrejados pelas críticas e a maledicência de quem nos despreza, o silêncio é a nossa melhor defesa.


1.2.    Apedrejado pelos sentimentos

Não só as agressões verbais, mas também os sentimentos dos agressores apedrejam a alma de homens de Deus. Não somente as pedras lançadas por Simei, mas também suas palavras e seu sentimento de rejeição apedrejaram o rei Davi. A verdade que aqui aprendemos é: o sentimento de rejeição forja conceitos injustos - "fora, fora, homem de sangue" (v. 7). Pior que o sentimento de rejeição é o sentimento de desprezo que produz insultos e humilhação – “homem de Belial" (v. 7).
Simei rejeitava Davi por duas razões: Primeiro, porque ele estava comprometido com a liderança do rei antecessor, pois era “um homem da casa de Saúl”. Segundo, porque o exército de Saúl foi derrotado pelo exército de Davi na batalha que decidiu sobre a posse do reino. Como consequência disso, sua gratidão a Davi pela derrota dos filisteus transformou-se em ódio mortífero, produzido pela inveja.


1.3.     Apedrejado pelas atitudes

A narrativa diz que "Simei ia ao longo do monte, defronte dele, caminhando e amaldiçoando, e atirava pedras contra ele, e levantava poeira" (v. 13). Quanta brutalidade! Que atitude infame! Como um insano, Simei havia descido às raias da bestialidade, própria dos seres destituídos de racionalidade. Davi estava sendo agredido e desafiado, quando deveria ser servido. Estava sendo ofendido e humilhado, quando deveria ser honrado. Tudo isto que Davi sofreu nos leva a aprender um princípio: Quem antes já nos honrou pode hoje nos apedrejar.


2.       O ungido resignado

Resignação e silêncio, e nada mais, foi tudo que restou a Davi. Com esta atitude tão nobre, embora dolorosa, Davi deixou para nós, homens de Deus, uma grande lição: é na resignação que repousa a serenidade da alma que nos leva a recusar a vingança (v. 9-10). Houve duas razões para Davi optar pela resignação (a não-vingança). A primeira é que ele admitia a possibilidade de estar sendo julgado por Deus - "Ora, deixai-o amaldiçoar; pois, se o SENHOR lhe disse: Amaldiçoa a Davi, quem diria: Por que assim fizeste? [...] Eis que meu próprio filho procura tirar-me a vida, quanto mais ainda este benjamita? Deixai-o; que amaldiçoe, pois o SENHOR lhe ordenou. Talvez o SENHOR olhará para a minha aflição e o SENHOR me pagará com bem a sua maldição deste dia." (vv. 10-12). 
         A segunda razão pela qual Davi optou pela resignação é que ele compreendia os sentimentos de seus adversários (v. 11). Em razão disso, dois grandes princípios Davi deixou para nós como legado. Primeiro, nenhum homem é agente da justiça divina. Segundo, a tolerância é o veículo que nos conduz à resignação.
Outro grande fato na experiência de Davi, ou de qualquer verdadeiro homem de Deus, é que o ungido resignado aguarda esperançoso a justa retribuição divina - o Senhor olhará para a minha aflição, e me pagará com bem a maldição deste dia (v. 12). Os verdadeiros homens de Deus agem assim porque reconhecem que a justiça é um ato da competência exclusiva divina e acreditam que Deus é o juiz de nossos atos e o Senhor de nosso destino.


Conclusão

Nenhum justo está isento de sofrer as mazelas oriundas da malevolência humana. Nem Jesus, o Filho de Deus, escapou; e o próprio Deus é a maior vítima, pois ele está sendo aviltado pelo pecado humano, o qual consiste não só numa atitude de rebeldia ofensiva ao Criador, mas também agride de forma brutal e infame a santidade divina. Até quando permitiremos que homens de Deus sejam agredidos e humilhados por quem arroga para si o direito de pertencer ao “rebanho de Cristo”? 
A igreja, quando se cala e se omite da responsabilidade de disciplinar tais “crentes”, ou quando ela mesma é autora da rejeição e humilha os homens de Deus, perde a identidade de Corpo de Cristo. Quando os que se dizem justos se calam e permanecem passivos, então seu silêncio diante do erro só tem duas explicações: covardia ou cumplicidade.
Acredito que nada resta ao ungido do Senhor, vítima de tais situações abusivas, senão, acreditar que nada escapa ao conhecimento divino e aguardar em silêncio a retribuição de Deus.