31 de outubro de 2013

TEONTOLOGIA - CAPÍTULO VI - OS ATRIBUTOS OPERATIVOS DE DEUS


Pr. José Vidigal Queirós
Introdução
Enquanto os atributos ônticos dizem respeito ao ser de Deus (natureza divina), isto é, a tudo aquilo que Deus é em sua essência, os atributos operativos descrevem os aspectos das obras divinas e à forma como Deus age (opera). Os atos de Deus, segundo as Escrituras, são manifestos como livres e eficazes, derivam de sua vontade pessoal e fundamentam-se em sua autoridade suprema pela qual exerce sua soberania. A identificação dos atributos operativos de Deus é obtida através da resposta à questão: O que Deus faz?
1.       Deus pensa – Verdade
          O objeto que se constitui no âmago do pensamento de Deus é a Verdade. A integridade (perfeição) de Deus não lhe possibilita idealizar a mentira e a hipótese do erro. Em Jo 18:37 Jesus disse: "... eu vim dar testemunho da verdade; todo aquele que é da verdade ouve a minha voz". Mas em que consiste tal "testemunhar da verdade”?
          Testemunhar da verdade, segundo Jesus, seria revelar ao homem a mais absoluta e pura Verdade que estava na mente de Deus, e que, por conhecê-la, o homem encontraria a verdadeira liberdade (Jo 8:32) e, consequentemente, seria santificado pela "Palavra da Verdade" (Jo 17:17-19).
Mas o que é a Verdade?  O conceito de verdade pode ser descrito da seguinte forma:
a)   A expressão fiel, completa e pura de tudo que existe; ou ainda, a manifestação autêntica da realidade; é a essência da realidade;
b)  O princípio pelo qual se explica, comprova e consuma os fatos.
1.1.    A verdade de Deus
           Mas, e a verdade de Deus? O conceito de verdade, segundo Lacueva [1], caracteriza-se por três aspectos: ontológico, lógico e ético.
a)   A verdade ontológica – “a realidade das coisas é transcendente e se manifesta em múltiplas e mutáveis facetas, não sendo possível captá-las com nossa mente limitada toda a verdade objetiva que se encerra em um ser”. Significa dizer que, devido às nossas limitações e distorções da percepção sensorial, jamais poderemos conhecer a realidade intrínseca das coisas que nos cercam.
b)  Verdade lógica – “é a objetividade ou relação adequada com os vários aspectos fenomenológicos da realidade formada em nossos juízos (através de nossa percepção e ideação) acerca da dita realidade. O fato de que cada um de nós [...] apreendamos distintos aspectos da realidade faz possível a diversidade de opiniões e o contraste de percepções a respeito da mesma realidade”.
c)   A verdade ética – “é a veracidade ou adequação entre o que pensamos e o que decidimos ou fazemos. Sem dúvida, esta é a principal, segundo a Bíblia. O conceito hebraico de verdade equivale a segurança baseada na fidelidade a promessas (a verdade de Deus) ou a normas (verdade do homem). Daí que mentira e mentiroso (Jo 8.44; Ap 21.8, 27) não indica só um dizer o que se sabe que é falso, senão um fazer o que é abominável”.
1.2.    Deus é a verdade [2]
           O fato de que Deus seja “o único Deus verdadeiro” (Jo 17.3) nos dá a medida da verdade ontológica de Deus: é o único que merece esse nome, pois só ele responde ao conceito genuíno de verdadeiro Deus (Jo 3.33). O fato de que o Criador seja, como disse Jesus, o "Deus Verdadeiro" – "A vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro..." (Jo. 17:3) – nos faz conhecer uma das condições para a salvação e nos dá a medida da Verdade Ontológica de Deus. Deus não só é verdadeiro (autêntico), mas também é a própria Verdade Transcendental e fonte de tudo o que existe de verdade. Por isso, não pode ser autor do pecado, porque o pecado é a Mentira Radical. Quando Jesus disse: "Eu sou... a verdade..." (Jo 14:6), ele certamente quis dizer que era a expressão perfeita e não uma reprodução deformada ou limitada do caráter de Deus. Quis provar a sua divindade e, provavelmente, também identificar-se como sendo:
a)  O "princípio verdadeiro" pelo qual se explica a origem da vida;
b)  O “meio verdadeiro" pelo qual o homem pode reintegrar-se, reconciliar-se e realizar-se em Deus;
c)  O "fim verdadeiro" no qual se consuma o propósito da existência do homem e a vontade de Deus.
          Berkhof apresenta a veracidade de Deus sob três aspectos:
a)   No sentido metafísico – em Deus, a ideia da divindade se concretiza perfeitamente. Ele é tudo como Deus deveria ser e, como tal, distingue-se de todos os deuses, assim chamados, os quais são chamados ídolos, nulidades e mentiras (Sl 96.5; 97.7; 115.4-8; Is 44.9-10).
b)   No sentido ético – como tal, revela-se como realmente é, de modo que a sua revelação é absolutamente confiável (Nm 23.19; Rm 3.4; Hb 6.18).
c)   No sentido lógico – em virtude disto, Deus conhece as coisas como realmente são. Sua verdade é alicerce de todo conhecimento. Ele é a fonte de toda a verdade, não somente na esfera da moral e da religião, mas também em todos os campos da atividade científica. Há muitas passagens que testificam da veracidade de Deus (Êx 34.6; Nm 23.29; Dt 32.4; Sl 25.10; 31.6; 65.16; Jr 10.8, 10, 11; Jo 14.6; 17.3; Tt 1.2; Hb 6.18; 1Jo 5.20-21).
          A imanente e infinita verdade de Deus nos leva a duas consequências de extrema importância:
a)   Como o objeto do entendimento é a Verdade, Deus pode ser conhecido pelo homem, pois ele é a verdade personificada (Jo. 8:32);
b)  Como Deus é a "Verdade Transcendental" e infinita, Deus não pode ser compreendido por nenhuma de suas criaturas (Rm. 11:33).
1.3.    Deus conhece toda a verdade [3]
          Com referência à natureza do conhecimento de Deus, Berkhof o classifica em arquétipo, para designar que Deus conhece o universo como um projeto anterior à sua existência material; intuitivo, não necessitando de demonstração discursiva; inato e imediato, não resultando de observação ou de um processo de reflexão lógico-científica; simultâneo e não sucessivo; completo e não parcial como ocorre no homem. [4]
          No que se refere à abrangência, o conhecimento divino é pleno, perfeito, exaustivo e eterno. Desta forma é que se expressa a ONISCIÊNCIA de Deus. Isto significa que Deus conhece não somente a aparência, mas também a essência de todas as coisas (Sl 139.1-18). A Onisciência divina não se caracteriza somente por sua abrangência e intensidade, mas também por sua extensão no tempo. Deus conhece não só o oculto, mas também tudo que há de ser e suceder. Assim é que se caracteriza a PRESCIÊNCIA de Deus. O que há de ser e tudo que haverá de ocorrer, inclusive as ações livres do homem, são do conhecimento de Deus. O Supremo Criador conhece todas as coisas futuras que são meramente possíveis, mas que ainda não se tornaram reais. Toda advertência de Deus é uma declaração de perigo e de mal que ele conhece que se seguirá a uma escolha errada.
          A profecia distingue-se da previsão. Esta denota a expectativa do que será fundamentada nas circunstâncias históricas do passado e do presente, cuja concretização é incerta. A profecia consiste na provisão revelada do que Deus de antemão já providenciou para o futuro; portanto, sua concretização é inevitável, pois está alicerçada na vontade soberana e no eterno desígnio de Deus. Profecia é a revelação, não do que Deus espera que ocorra, mas do que Deus determinou que aconteça.
          O que Deus decidiu sobre o futuro deriva de sua presciência. Se Deus não tivesse presciência de tudo o que o homem livremente decidirá fazer, estaria limitado pelas circunstâncias, seria surpreendido pelo homem, e só poderia definir o curso do universo, violando de forma arbitrária a liberdade humana. Mas Deus age conforme o que planejou.  Tudo que Deus planejou compõe o conhecimento arquétipo de Deus. Falando sobre o conhecimento arquétipo divino, Chafer assim se expressa:
O conhecimento arquétipo divino diz respeito a tudo que Deus planejou para o Universo antes dele ser trazido à existência, ou tornado real pelo seu poder criador onipotente. Os arquétipos do Universo existiram desde a eternidade na mente de Deus, e a criação foi apenas o exercício da ONIPOTÊNCIA pela qual a realidade veio a existir em relação àquilo que a onisciência havia concebido.[5]
          Toda verdade objetiva está patente aos olhos de Deus. Deus sabe tudo de uma maneira perfeita e única em uma só ideia eterna e exaustiva (completa). A identidade ontológica entre a mente divina e a verdade infinita faz que Deus se conheça a si mesmo de uma maneira perfeita. Deus se conhece e se compreende a si mesmo de uma maneira perfeita. Esse conhecimento pleno de si mesmo, de tudo e de todos simultaneamente, é que nos faz reconhecê-lo como um ser ONISCIENTE (1Sm 2.3; Jó 12.13; Sl 94.9; 139.1-6; Is 29.15; 40.27-28). Esse conhecimento é eterno, pois Deus conhecia a todos os seres antes mesmo de criá-los. Portanto, seu conhecimento antecede a criação (Pv. 8:22-31). Este conhecimento também é "intuitivo" (sem necessidade de discutir), é "simultâneo" (sem necessidade de ideias) e "exaustivo" (sem perder nenhum detalhe). Nisto consiste a ONISCIÊNCIA de Deus.
          Por ser Deus eterno, para ele não há tempo passado nem futuro; tudo é presente. Não nos estranhará, portanto, que ele conheça o que para nós é futuro. Cabe, então, uma pergunta: "Os atos humanos são conhecidos porque vão suceder ou vão suceder porque são conhecidos, isto é, determinados por Deus?" Se Deus conhece tudo que vai suceder, porque o vê sucedendo, sua ciência segue "atrás" dos fatos. Não é Deus que programa toda a história (embora a controle), mas sabe antes o que o homem fará e o que pensa fazer (Sl. 139:4; Jr. 17:10; Mt. 6:7-8). Se os atos do homem fossem programados por Deus, onde estaria a liberdade humana?
1.4.    Concepção bíblica do conhecimento de Deus
          Conhecimento é o saber que, no homem, resulta de um processo de aprendizagem; mas, em Deus, é um atributo inerente à sua natureza pelo qual Deus sabe de todas as coisas em todo lugar simultaneamente, tanto no que se refere ao passado, como ao presente e ao futuro. O que Deus sabe não foi aprendido, pois ele mesmo é a fonte geradora e o agente realizador da “ideia concretizada do universo”, em sua macro extensão e em sua micro dimensão. Cada átomo da matéria é um elemento da ciência e da invenção divina.
          A Escritura testemunha da ciência de Deus em dois aspectos: a sabedoria criadora que idealizou e concretizou o universo visível e invisível (Pv 8.2-31); e o conhecimento exaustivo de tudo que nele ocorre (Hb 4.13). Vejamos o que nos diz a Palavra de Deus:
a)  “Até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa” (Sl 139.12).
b)  “O que fez o ouvido acaso não ouvirá? E o que formou os olhos será que não enxerga?” (Sl 94.9).
c)  “Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos” (Sl 139.1-2).
d)  “Os olhos do Senhor estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons” (Pv 15.3).
e)  “O além e o abismo estão descobertos perante o Senhor; quanto mais o coração dos filhos dos homens!” (Pv 15.11).
f)  “Grande é o Senhor nosso e mui poderoso; o seu conhecimento não se pode medir” (Sl 147.5).
g)  “Ó casa de Israel; porque, quanto às coisas que vos surgem à mente, eu as conheço” (Ez 11.5).
h)  “Diz o Senhor, que faz essas coisas conhecidas desde séculos” (At 15.18).
i)   “E quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados” (Mt 10.30).
          Deus conhece todas as coisas exatamente como são e virão a ser. Sua ciência é presciência. Enquanto a ciência do homem é produto do passado (tudo que sabe foi aprendido), a ciência de Deus determina o futuro (Is 44.6-8). É exatamente por esta razão que Deus tem sob seu controle os atos livres dos homens e conduz a história para o fim que ele determinou, segundo o seu eterno desígnio. “Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado, não o posso atingir” (S 139.6), diz o salmista, reconhecendo a magnitude infinita da ciência divina, a perfeição absoluta de Deus; e sentindo-se ínfimo, insignificante diante de seu Criador.
          Dissertando sobre a onisciência divina, Hodge declara:
A onisciência de Deus procede de sua onipresença. Como Deus enche céu e terra, todas as coisas se realizam em sua presença. Ele conhece nossos pensamentos muito mais do que nós mesmos os conhecemos. Esta plenitude do conhecimento divino é tomada em termos axiomáticos em todos os atos de culto. Oramos a um Deus que, cremos, conhece nossa situação e desejos, ouve o que dizemos e pode satisfazer todas as nossas necessidades. A menos que Deus seja assim onisciente, não poderia julgar o mundo consoante sua justiça. Fé neste atributo, em sua inteireza, é, portanto, essencial até mesmo na religião natural. [6]
 
1.5.    Deus sempre diz a verdade e age conforme a verdade[7]
          O hebraico do Antigo Testamento nos oferece uma constelação de vocábulos da mesma raiz que ilustram maravilhosamente o que é a vontade de Deus: hemet = verdade; ‘hemunah = fidelidade (Sl 92.2), onde se une a misericórdia, formando um binômio que equivale ao de graça e verdade de (Jo 1.14); como última raiz, está o verbo ‘amán = estar seguro, de onde derivam ‘omém = arquiteto e ‘amém = em verdade, assim seja. A verdade de Deus, na História da Salvação, é a fidelidade de suas promessas; promessas de salvação, de redenção, de bênção. Tanto é que, ainda em meio de suas Lamentações, Jeremias recorda que “suas misericórdias não têm fim. Elas se renovam a cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.22-23).
 
2.  Deus quer – Amor
          Antes de apresentarmos o conceito bíblico-teológico de amor, vejamos, em primeiro lugar, a relação entre querer e poder. Na experiência humana, nossa conduta é fruto de nosso querer, que é determinado pelo peso dos valores.[8] Toda ação requer uma compensação do esforço, a previsão de algo que satisfaça nossos desejos. A Filosofia Medieval chama isso de “causa final”, por ser a última na execução; mas a primeira na intenção.
          Assim pensando, a finalidade que Deus teve para com sua obra da criação do mundo foi fruto de sua vontade e expressou uma intenção. Os meios para alcançar determinados fins são fatores que definem o caráter ético da conduta. Tais meios são, por si só, uma sequência de fins relativos, subordinados ao fim último.[9]
          O que significa a vontade de Deus? A vontade de Deus, conforme é descrita pelas Escrituras, inclui três elementos: volição, poder e amor. Normalmente os teólogos concebem a ideia de vontade como equivalente ou relacionada ao propósito ou determinação de Deus. Parece que o apóstolo Paulo, em Efésios 1.5,11 e Fp 2.13, quis transmitir tal ideia. A vontade de Deus é livre. Um ser só é realmente livre quando tem liberdade para agir ou não agir, segundo o propósito de sua vontade. Assim, pois, Deus é livre para agir, para criar ou não criar. Deus é livre para fazer o universo continuar existindo ou fazê-lo cessar de existir. Ele é livre para cumprir suas promessas e as cumpre porque livremente decidiu cumpri-las.
          A vontade de Deus se expressa livremente através dos seus atributos morais e o amor é a expressão máxima da vontade livre de Deus. O amor de Deus não pode ser confundido com a forma de expressão do amor humano. Por esta razão, precisamos entender com profundidade o real sentido do amor divino expresso nas Escrituras. Ao ser criado à imagem e semelhança de Deus, o homem foi dotado da capacidade de amar. Por isso, é possível compreender o sentido do amor divino partindo da ideia que, em nossa consciência, formamos do significado do ato de amar.
          Tentando introduzir o conceito de amor de Deus, Lacueva é de parecer que para entendermos o que é realmente "amar", precisamos descobrir o significado de "bem" e qual a sua relação com a vontade e a liberdade. O bem é o objeto da vontade.  Aquilo que parece bom é o que todos desejam para si.  Diante disso, a vontade não é livre para querer o que parece como Mal Absoluto. Tampouco é livre para deixar de querer o Bem Absoluto. Esse bem absoluto o homem o conhece sob o aspecto de Felicidade. A Liberdade de decidir requer que o mal e o bem se achem juntos na balança de cada decisão. O "Pró" e o "Contra" são necessários para a deliberação. A fascinação do mal com aparência do bem corrompe a essência da liberdade com o "óxido da libertinagem". Por isso, só em sua inocência original foi o homem verdadeiramente livre. [10]
          Prosseguindo em seu raciocínio, Lacueva ilustra tal fato afirmando: “Agostinho de Hipona, contrapondo o Bem e o Mal como duas cidades em luta, disse: ‘estas cidades estão constituídas por duas atitudes distintas e estas duas distintas atitudes procedem de distintos amores: o amor de Deus que culmina na negação de si mesmo e o amor de si mesmo que culmina na negação de Deus’". [11]
          Amar, portanto, não se limita a um sentimento, não está separado da vontade e não pode ser demonstrado sem a liberdade interior. O amor é, em geral, a tendência para o bem. Esta tendência recebe três nomes distintos, segundo três referências distintas ao bem: amor de complacência, que se deleita no bem existente; amor de benevolência, que realiza o bem existente; amor de concupiscência, que deseja o bem para o proveito próprio.
          Ontologicamente, uma coisa é boa quando satisfaz ao conceito ideal que determina sua íntima essência. Assim pensando, podemos dizer que Deus, como Ser Supremo Perfeito, é o Bem Absoluto. É neste sentido que devemos interpretar as palavras de Jesus: “Ninguém é bom, senão um só, que é Deus” (Mc 10.18). Como Bem Absoluto, Deus é a fonte de todo bem. “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, do Pai das luzes” (Tg. 1.17).
          A Bíblia diz: "Deus é amor" (1Jo 4:8, 16) e o diz referindo-se ao homem como objeto desse amor. Deus ama no homem natural sua imagem ainda que esteja deteriorada pelo pecado; e no crente sua semelhança, conforme Rm. 8:29; 1Jo 3:2. Por outro lado, Deus aborrece, com o ímpeto de sua vontade, unicamente o pecado, pelo único atentado direto contra o Deus Bom. Mas Deus segue amando, com um amor cheio de compaixão e misericórdia, ao mundo pecador (Jo. 3:16).
          Quando a Bíblia declara que Deus é amor, ela transmite ao homem um conceito tanto de Deus como do próprio amor. Deus é o "Amor Personificado" e amor é um atributo divino (qualidade inerente ao caráter de Deus) que se manifesta nos seus atos redentivos. Deus ama, não porque "quer" fazer o bem, mas porque "o amor é a essência do ser de Deus" (caráter). Ele mesmo é a razão e o propósito de amar. Com respeito ao amor de Deus, as Escrituras revelam que:
a)  O amor é a expressão magna da bondade de Deus. Portanto, não há outro motivo que explique ou justifique os atos redentores de Deus (Rm 5.6-8; Ef 2.4-5).
b)  O amor é o elo de toda e qualquer relação entre os crentes e entre o crente e Deus (Mt 22.36-40).
c)  O amor de Deus, reproduzido em nossos atos de bondade, é prova de nossa regeneração e de nossa filiação a Deus (1Jo 3.11-18; 1Jo 4.7-21).
          Resumindo, podemos afirmar que a vontade de Deus, que é boa, agradável e perfeita (Rm 12.2), é realizada em virtude de seu eterno propósito redentivo revelado em Cristo (Ef 1.5-11). Uma vez que Deus deseja (tem vontade de) que todos sejam salvos (1Tm 2.3-4), tal vontade se realiza por meio do sacrifício de Cristo, como expressão máxima do amor divino (Jo 3.16; Rm 5.6-8; Ef 2.4-5).
3.       Deus pode – Poder
          Poder e vontade são duas forças interligadas. A vontade libera o poder e o poder realiza a vontade. Querer é optar por algo com o desejo de consegui-lo. Neste sentido, querer é um ato da vontade. Todo querer eficaz é uma tendência para o bem. Para o crente, a segurança de obter o desejado está garantida aos que estão em Cristo (Jo. 15:7, 16) e pedem, ajudados pelo Espírito Santo, conforme a vontade de Deus. Esta é a única forma para o homem de participar do Poder Soberano de Deus.
          Em Ef. 1:11 é nos dito que Deus faz todas as coisas segundo o desígnio de sua vontade, de acordo com um propósito. Isto nos leva à conclusão de que em Deus se dá um processo de deliberação, decisão e execução parecido com o nosso. A vontade de Deus alcança seus objetivos com um ato de seu querer, o qual é por si mesmo eficaz, isto é, poderoso.
3.1.    Deus é onipotente
          As Escrituras dão testemunho do soberano e infinito poder de Deus: “Eu sou o Deus Todo-Poderoso” (Gn 17.1). “Vede, agora, que Eu Sou, Eu somente, e mais nenhum deus além de mim; eu mato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar alguém da minha mão” (Dt 32.39). “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá? (Is 43.13). “Para Deus, tudo é possível” (Mt 19.26). “Jesus, porém, fitando neles o olhar, disse: Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível” (Mc 10.27).
          A ONIPOTÊNCIA divina é um atributo que pode ser descrito da seguinte forma: “Deus é a Causa Primeira, Absoluta, Infinita, Necessária e Suficiente, de tudo quanto tem razão de ser”.[12] Deus sempre pode mais do que faz. O atributo da onipotência divina consiste em que o poder de realização divino não está nem condicionado a fatores externos à sua natureza. Em suma, Deus faz tudo que lhe apraz.
           Diferente de nós, Deus não necessita de “meios” para a consecução de seus fins. Ele quer e ele faz. Ele disse: “Haja luz!” e houve luz. Se há um meio, esse meio é a sua vontade, que é sempre eficaz. Não há restrições à vontade divina que detenha sua capacidade de agir como quer e realizar o que pretende. Por um ato exclusivo de sua vontade soberana tudo veio a existir. “Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir”. (Sl 33.9).
3.2.    "Deus faz tudo o quer?"
          Para responder a esta pergunta é preciso antes fazer uma distinção. Ainda que a vontade de Deus é todo-poderosa recebe três nomes distintos, segundo sua peculiar relação com três classes de objetivos: vontade diretiva, vontade preceptiva e vontade permissiva.
a)  Vontade Diretiva – visa o efeito que Deus deseja conseguir, o qual está garantido pela eficácia de seu soberano poder, ao qual nada ou ninguém resiste (Is. 43:13; 46:10; At. 5:39; Hb. 6:17).
b)  Vontade Preceptiva – visa o cumprimento dos mandamentos divinos por parte de um ser criado. Com ela Deus manda ou ordena que realize algo. Este algo, em primeiro lugar, cumpre-se condicionalmente quando Deus faz depender o resultado final da vontade do homem. Neste caso, nem sempre rompe a resistência do homem, como é o caso de At. 17:30 que diz: "Deus... manda a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam", mas nem todos se arrependem. Em segundo lugar, cumpre-se voluntariamente como em Js 11:9, 15. Finalmente, não se cumpre, porque Deus não deseja que se realize o ato, mas que se manifeste a disposição do sujeito. Caso típico é o do sacrifício de Isaque que Deus ordenou a Abraão, mas impediu no último momento (Gn. 22:10-13).
c)  Vontade Permissiva - quando Deus não impede um mal físico ou moral. Isto não quer dizer que haja certa cumplicidade de Deus ou que ele mesmo seja o autor do mal. Para entendermos isso, precisamos considerar que:
§  Deus tem o controle das ações livres de todo ser mortal e, portanto, também das ações pecaminosas (Gn. 45:5; Ex. 10:1, 20; Is. 10:5-7; e, sobretudo, At. 2:23).
§  A permissão do mal não faz de Deus o autor do pecado, posto que Deus aborrece o mal com toda a infinita força de seu santo caráter, mas que só o tolera com desgosto por haver feito o homem dotado de liberdade (Gn. 45:5; 50:19-20; Ex. 14:17; Is. 66:4; Rm. 9:22; 2Ts 2:11);
§  Muitas vezes Deus impede positivamente o mal, ou ainda, refreia o pecador (Gn. 4:6-7; 20:6-7; Jó 1:12; 2:6; Sl. 76:10; Is. 10:15; At. 7:51);
§  Deus sempre tem o timão de nossas vidas e de toda a história; de modo que passa por alto ou tolera certos males, fazendo que seu efeito, não sua malícia, resulte em um bem maior (Gn. 50:20; Sl. 76:10; At. 3:13).
          Deus manifesta seu poder de forma soberana. Deus se identifica como "El-Shaddai" (Deus Todo-Poderoso) e nesta expressão está identificado o atributo da "Onipotência" divina. A Bíblia nos oferece copiosos testemunhos deste soberano poder de Deus (Gn. 17:1; 18:4; Dt. 32:39; Sl. 115:3; Is. 45:13; Mt. 19:26).
          Para descrever este atributo, podemos dizer seguramente que Deus é a "Causa Primeira, Absoluta, Infinita, Necessária e Suficiente" de tudo quanto tem razão de ser. Pela criação, preservação e intervenção em tudo o que existe e sucede, todo o ser de todos os seres criados é efeito da "causalidade" divina (At. 17:25-28).
          O poder de Deus está limitado pela seguinte razão: o poder de Deus não conhece outro limite além do "Absurdo" pela simples e completa razão de que o "absurdo" é o "não-ser", a "não verdade" e o "não-bem". Por esta razão, podemos dizer que Deus não pode:
§     Criar outro Deus igual a ele (1ª classe de absurdos) porque ainda que Deus empregasse seu infinito poder em tamanha tarefa o resultado seria uma "feitura" sua, algo criado, já que, para ser Deus Verdadeiro há de ter em si mesmo a razão de sua própria existência.
§     Realizar o que implica uma contradição conceptual ou impossível metafísico (2ª classe de absurdos) – em outras palavras, algo que repugne à noção de "Ser"; por isso, não pode mentir, arrepender-se, deixar de existir, etc., porque tudo isto implica um "Não-Ser": algo que contradiz a Verdade, ao Bem, à Santidade, etc. do ser de Deus (Nm. 23:19).
§ Mudar de condição ou de decisão. Tudo o que Deus pensa, decide e faz sucede invariavelmente, porque se efetua desde a imutável eternidade de Deus. Quando decidiu criar, encarnar-se, humilhar-se (Gn. 1:26-27; Jo. 1:14; Fp. 2:7, 8) já não pôde (nem pode) voltar atrás, nem em suas decisões, nem em suas promessas. Em sua imutabilidade é que se fundamenta sua fidelidade e nossa segurança (Nm. 23:19; 2Tm 1:12; 2:13; Tg. 1:17).


[1] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 82
[2] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. P. 86.
[3] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 87.
[4] BERKHOF, L. op. cit. p. 69.
[5] J. S. CHAFER. op. cit. pp. 218, 219.
[6] HODGE, C. op. cit. pp. 299, 300.
[7] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 90.
[8] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 92.
[9] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 92.
[10] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. pp. 93 a 94.
[11] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 94.
[12] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 101.