Pr. José Vidigal Queirós
Introdução
Enquanto os atributos ônticos dizem respeito ao ser de Deus (natureza divina),
isto é, a tudo aquilo que Deus é em sua essência, os atributos operativos
descrevem os aspectos das obras divinas e à forma como Deus age (opera). Os
atos de Deus, segundo as Escrituras, são manifestos como livres e eficazes, derivam
de sua vontade pessoal e fundamentam-se em sua autoridade suprema pela qual
exerce sua soberania. A identificação dos atributos operativos de Deus é obtida
através da resposta à questão: O que Deus
faz?
1. Deus pensa – Verdade
O objeto que se constitui
no âmago do pensamento de Deus é a Verdade. A integridade (perfeição) de Deus
não lhe possibilita idealizar a mentira e a hipótese do erro. Em Jo 18:37 Jesus
disse: "... eu vim dar testemunho da
verdade; todo aquele que é da verdade ouve a minha voz". Mas em que consiste
tal "testemunhar da verdade”?
Testemunhar da verdade,
segundo Jesus, seria revelar ao homem a mais absoluta e pura Verdade que estava
na mente de Deus, e que, por conhecê-la, o homem encontraria a verdadeira
liberdade (Jo 8:32) e, consequentemente, seria santificado pela "Palavra
da Verdade" (Jo 17:17-19).
Mas o que é a Verdade?
O conceito de verdade pode ser descrito da seguinte forma:
a)
A expressão fiel, completa e pura de tudo que
existe; ou ainda, a manifestação autêntica da realidade; é a essência da
realidade;
b)
O princípio pelo qual se explica, comprova e
consuma os fatos.
1.1. A verdade de
Deus
Mas, e a verdade de Deus?
O conceito de verdade, segundo Lacueva [1], caracteriza-se por três aspectos: ontológico, lógico e ético.
a)
A verdade ontológica – “a realidade das coisas é
transcendente e se manifesta em múltiplas e mutáveis facetas, não sendo
possível captá-las com nossa mente limitada toda a verdade objetiva que se
encerra em um ser”. Significa dizer que, devido às nossas limitações e
distorções da percepção sensorial, jamais poderemos conhecer a realidade
intrínseca das coisas que nos cercam.
b) Verdade lógica – “é a objetividade ou relação adequada com os
vários aspectos fenomenológicos da realidade formada em nossos juízos (através
de nossa percepção e ideação) acerca da dita realidade. O fato de que cada um
de nós [...] apreendamos distintos aspectos da realidade faz possível a
diversidade de opiniões e o contraste de percepções a respeito da mesma
realidade”.
c)
A verdade ética – “é a veracidade ou adequação entre o que
pensamos e o que decidimos ou fazemos. Sem dúvida, esta é a principal, segundo
a Bíblia. O conceito hebraico de verdade equivale a segurança baseada na fidelidade
a promessas (a verdade de Deus) ou a normas (verdade do homem). Daí que mentira
e mentiroso (Jo 8.44; Ap 21.8, 27) não indica só um dizer o que se sabe que é
falso, senão um fazer o que é abominável”.
1.2. Deus é a
verdade [2]
O fato de que Deus seja “o único Deus verdadeiro” (Jo 17.3) nos
dá a medida da verdade ontológica de
Deus: é o único que merece esse nome, pois só ele responde ao conceito genuíno
de verdadeiro Deus (Jo 3.33). O fato de que o Criador seja, como disse Jesus, o
"Deus Verdadeiro" – "A
vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro..." (Jo.
17:3) – nos faz conhecer uma das condições para a salvação e nos dá a medida da
Verdade Ontológica de Deus. Deus não
só é verdadeiro (autêntico), mas também é a própria Verdade Transcendental e fonte de tudo o que existe de verdade. Por
isso, não pode ser autor do pecado, porque o pecado é a Mentira Radical. Quando Jesus disse: "Eu sou... a
verdade..." (Jo 14:6), ele certamente quis dizer que era a expressão
perfeita e não uma reprodução deformada ou limitada do caráter de Deus. Quis
provar a sua divindade e, provavelmente, também identificar-se como sendo:
a) O "princípio verdadeiro" pelo qual se
explica a origem da vida;
b)
O “meio verdadeiro" pelo qual o homem pode
reintegrar-se, reconciliar-se e realizar-se em Deus;
c)
O "fim verdadeiro" no qual se consuma
o propósito da existência do homem e a vontade de Deus.
Berkhof apresenta a veracidade de Deus sob três aspectos:
a)
No sentido metafísico – em Deus, a ideia da
divindade se concretiza perfeitamente. Ele é tudo como Deus deveria ser e, como
tal, distingue-se de todos os deuses, assim chamados, os quais são chamados
ídolos, nulidades e mentiras (Sl 96.5; 97.7; 115.4-8; Is 44.9-10).
b)
No sentido ético – como tal, revela-se como realmente é, de
modo que a sua revelação é absolutamente confiável (Nm 23.19; Rm 3.4; Hb 6.18).
c) No sentido lógico – em virtude disto, Deus conhece as coisas
como realmente são. Sua verdade é alicerce de todo conhecimento. Ele é a fonte
de toda a verdade, não somente na esfera da moral e da religião, mas também em
todos os campos da atividade científica. Há muitas passagens que testificam da
veracidade de Deus (Êx 34.6; Nm 23.29; Dt 32.4; Sl 25.10; 31.6; 65.16; Jr 10.8,
10, 11; Jo 14.6; 17.3; Tt 1.2; Hb 6.18; 1Jo 5.20-21).
A imanente e infinita
verdade de Deus nos leva a duas consequências de extrema importância:
a)
Como o objeto do entendimento é a Verdade, Deus
pode ser conhecido pelo homem, pois ele é a verdade personificada (Jo. 8:32);
b)
Como Deus é a "Verdade
Transcendental" e infinita, Deus não pode ser compreendido por nenhuma de
suas criaturas (Rm. 11:33).
1.3. Deus conhece
toda a verdade [3]
Com referência à natureza
do conhecimento de Deus, Berkhof o classifica em arquétipo, para designar que Deus conhece o universo como um projeto
anterior à sua existência material; intuitivo,
não necessitando de demonstração discursiva; inato e imediato, não
resultando de observação ou de um processo de reflexão lógico-científica; simultâneo e não sucessivo; completo e não parcial como ocorre no
homem. [4]
No que se refere à
abrangência, o conhecimento divino é pleno, perfeito, exaustivo e eterno. Desta
forma é que se expressa a ONISCIÊNCIA de Deus. Isto significa que Deus conhece não
somente a aparência, mas também a essência de todas as coisas (Sl 139.1-18). A
Onisciência divina não se caracteriza somente por sua abrangência e
intensidade, mas também por sua extensão no tempo. Deus conhece não só o
oculto, mas também tudo que há de ser e suceder. Assim é que se caracteriza a PRESCIÊNCIA de Deus. O que há de ser e
tudo que haverá de ocorrer, inclusive as ações livres do homem, são do
conhecimento de Deus. O Supremo Criador conhece todas as coisas futuras que são
meramente possíveis, mas que ainda não se tornaram reais. Toda advertência de
Deus é uma declaração de perigo e de mal que ele conhece que se seguirá a uma
escolha errada.
A profecia distingue-se da previsão.
Esta denota a expectativa do que será fundamentada nas circunstâncias
históricas do passado e do presente, cuja concretização é incerta. A profecia
consiste na provisão revelada do que
Deus de antemão já providenciou para o futuro; portanto, sua concretização é
inevitável, pois está alicerçada na vontade soberana e no eterno desígnio de
Deus. Profecia é a revelação, não do que
Deus espera que ocorra, mas do que Deus determinou que aconteça.
O que Deus decidiu sobre o
futuro deriva de sua presciência. Se Deus não tivesse presciência de tudo o que
o homem livremente decidirá fazer, estaria limitado pelas circunstâncias, seria
surpreendido pelo homem, e só poderia definir o curso do universo, violando de
forma arbitrária a liberdade humana. Mas Deus age conforme o que planejou. Tudo que Deus planejou compõe o conhecimento arquétipo de Deus. Falando sobre o
conhecimento arquétipo divino, Chafer assim se expressa:
O conhecimento arquétipo divino diz respeito a tudo que
Deus planejou para o Universo antes dele ser trazido à existência, ou tornado
real pelo seu poder criador onipotente. Os arquétipos do Universo existiram
desde a eternidade na mente de Deus, e a criação foi apenas o exercício da ONIPOTÊNCIA pela qual a realidade veio a existir em relação àquilo que a
onisciência havia concebido.[5]
Toda verdade objetiva está
patente aos olhos de Deus. Deus sabe tudo de uma maneira perfeita e única em
uma só ideia eterna e exaustiva (completa). A identidade ontológica entre a
mente divina e a verdade infinita faz que Deus se conheça a si mesmo de uma
maneira perfeita. Deus se conhece e se compreende a si mesmo de uma maneira
perfeita. Esse conhecimento pleno de si mesmo, de tudo e de todos
simultaneamente, é que nos faz reconhecê-lo como um ser ONISCIENTE (1Sm 2.3; Jó 12.13; Sl 94.9; 139.1-6; Is 29.15; 40.27-28). Esse
conhecimento é eterno, pois Deus conhecia a todos os seres antes mesmo de
criá-los. Portanto, seu conhecimento antecede a criação (Pv. 8:22-31). Este
conhecimento também é "intuitivo" (sem necessidade de discutir),
é "simultâneo" (sem necessidade de ideias) e "exaustivo" (sem perder nenhum detalhe). Nisto consiste a ONISCIÊNCIA de Deus.
Por ser Deus eterno, para
ele não há tempo passado nem futuro; tudo é presente. Não nos estranhará,
portanto, que ele conheça o que para nós é futuro. Cabe, então, uma pergunta: "Os atos humanos são conhecidos porque
vão suceder ou vão suceder porque são conhecidos, isto é, determinados por
Deus?" Se Deus conhece tudo que vai suceder, porque o vê sucedendo,
sua ciência segue "atrás" dos fatos. Não é Deus que programa toda a
história (embora a controle), mas sabe antes o que o homem fará e o que pensa
fazer (Sl. 139:4; Jr. 17:10; Mt. 6:7-8). Se os atos do homem fossem programados
por Deus, onde estaria a liberdade humana?
1.4. Concepção
bíblica do conhecimento de Deus
Conhecimento é o saber que, no homem, resulta de um processo de
aprendizagem; mas, em Deus, é um atributo inerente à sua natureza pelo qual
Deus sabe de todas as coisas em todo lugar simultaneamente, tanto no que se refere
ao passado, como ao presente e ao futuro. O que Deus sabe não foi aprendido,
pois ele mesmo é a fonte geradora e o agente realizador da “ideia concretizada
do universo”, em sua macro extensão e em sua micro dimensão. Cada átomo da
matéria é um elemento da ciência e da invenção divina.
A Escritura testemunha da
ciência de Deus em dois aspectos: a sabedoria criadora que idealizou e
concretizou o universo visível e invisível (Pv 8.2-31); e o conhecimento
exaustivo de tudo que nele ocorre (Hb 4.13). Vejamos o que nos diz a Palavra de
Deus:
a) “Até as próprias trevas não te serão escuras:
as trevas e a luz são a mesma coisa” (Sl 139.12).
b) “O que fez o ouvido acaso não ouvirá? E o que
formou os olhos será que não enxerga?” (Sl 94.9).
c) “Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes
quando me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos”
(Sl 139.1-2).
d)
“Os olhos do Senhor estão em todo lugar,
contemplando os maus e os bons” (Pv 15.3).
e) “O além e o abismo estão descobertos perante o
Senhor; quanto mais o coração dos filhos dos homens!” (Pv 15.11).
f)
“Grande é o Senhor nosso e mui poderoso; o seu
conhecimento não se pode medir” (Sl 147.5).
g)
“Ó casa de Israel; porque, quanto às coisas que
vos surgem à mente, eu as conheço” (Ez 11.5).
h)
“Diz o Senhor, que faz essas coisas conhecidas
desde séculos” (At 15.18).
i)
“E quanto a vós outros, até os cabelos todos da
cabeça estão contados” (Mt 10.30).
Deus conhece todas as
coisas exatamente como são e virão a ser. Sua ciência é presciência. Enquanto a
ciência do homem é produto do passado (tudo que sabe foi aprendido), a ciência
de Deus determina o futuro (Is 44.6-8). É exatamente por esta razão que Deus
tem sob seu controle os atos livres dos homens e conduz a história para o fim
que ele determinou, segundo o seu eterno desígnio. “Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado,
não o posso atingir” (S 139.6), diz o salmista, reconhecendo a magnitude
infinita da ciência divina, a perfeição absoluta de Deus; e sentindo-se ínfimo,
insignificante diante de seu Criador.
Dissertando sobre a
onisciência divina, Hodge declara:
A onisciência de Deus procede de sua onipresença. Como Deus
enche céu e terra, todas as coisas se realizam em sua presença. Ele conhece
nossos pensamentos muito mais do que nós mesmos os conhecemos. Esta plenitude
do conhecimento divino é tomada em termos axiomáticos em todos os atos de
culto. Oramos a um Deus que, cremos, conhece nossa situação e desejos, ouve o
que dizemos e pode satisfazer todas as nossas necessidades. A menos que Deus
seja assim onisciente, não poderia julgar o mundo consoante sua justiça. Fé
neste atributo, em sua inteireza, é, portanto, essencial até mesmo na religião
natural. [6]
1.5. Deus sempre diz
a verdade e age conforme a verdade[7]
O hebraico do Antigo
Testamento nos oferece uma constelação de vocábulos da mesma raiz que ilustram
maravilhosamente o que é a vontade de Deus: hemet
= verdade; ‘hemunah = fidelidade
(Sl 92.2), onde se une a misericórdia, formando
um binômio que equivale ao de graça e
verdade de (Jo 1.14); como última
raiz, está o verbo ‘amán = estar
seguro, de onde derivam ‘omém = arquiteto
e ‘amém = em verdade, assim seja. A
verdade de Deus, na História da Salvação, é a fidelidade de suas promessas; promessas de salvação, de redenção,
de bênção. Tanto é que, ainda em meio de suas Lamentações, Jeremias recorda que “suas misericórdias não têm fim.
Elas se renovam a cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.22-23).
2. Deus quer – Amor
Antes de apresentarmos o
conceito bíblico-teológico de amor, vejamos,
em primeiro lugar, a relação entre querer
e poder. Na experiência humana, nossa
conduta é fruto de nosso querer, que é determinado pelo peso dos valores.[8] Toda ação requer uma compensação do esforço, a previsão de algo que
satisfaça nossos desejos. A Filosofia Medieval chama isso de “causa final”, por
ser a última na execução; mas a primeira na intenção.
Assim pensando, a
finalidade que Deus teve para com sua obra da criação do mundo foi fruto de sua
vontade e expressou uma intenção. Os meios para alcançar determinados fins são
fatores que definem o caráter ético da conduta. Tais meios são, por si só, uma
sequência de fins relativos, subordinados ao fim último.[9]
O que significa a vontade
de Deus? A vontade de Deus, conforme é descrita pelas Escrituras, inclui três
elementos: volição, poder e amor. Normalmente os teólogos concebem a ideia de
vontade como equivalente ou relacionada ao propósito ou determinação de Deus.
Parece que o apóstolo Paulo, em Efésios 1.5,11 e Fp 2.13, quis transmitir tal
ideia. A vontade de Deus é livre. Um ser só é realmente livre quando tem
liberdade para agir ou não agir, segundo o propósito de sua vontade. Assim,
pois, Deus é livre para agir, para criar ou não criar. Deus é livre para fazer
o universo continuar existindo ou fazê-lo cessar de existir. Ele é livre para
cumprir suas promessas e as cumpre porque livremente decidiu cumpri-las.
A vontade de Deus se
expressa livremente através dos seus atributos morais e o amor é a expressão
máxima da vontade livre de Deus. O amor de Deus não pode ser confundido com a
forma de expressão do amor humano. Por esta razão, precisamos entender com
profundidade o real sentido do amor divino expresso nas Escrituras. Ao ser
criado à imagem e semelhança de Deus, o homem foi dotado da capacidade de amar.
Por isso, é possível compreender o sentido do amor divino partindo da ideia
que, em nossa consciência, formamos do significado do ato de amar.
Tentando introduzir o
conceito de amor de Deus, Lacueva é de parecer que para entendermos o que é
realmente "amar", precisamos descobrir o significado de
"bem" e qual a sua relação com a vontade e a liberdade. O bem é o
objeto da vontade. Aquilo que parece bom
é o que todos desejam para si. Diante
disso, a vontade não é livre para querer
o que parece como Mal Absoluto. Tampouco é livre para deixar de querer o Bem
Absoluto. Esse bem absoluto o homem o conhece sob o aspecto de Felicidade.
A Liberdade de decidir requer que o mal e o bem se achem juntos na balança de
cada decisão. O "Pró" e o "Contra" são necessários para a
deliberação. A fascinação do mal com aparência do bem corrompe a essência da
liberdade com o "óxido da libertinagem". Por isso, só em sua
inocência original foi o homem verdadeiramente livre. [10]
Prosseguindo em seu
raciocínio, Lacueva ilustra tal fato afirmando: “Agostinho de Hipona,
contrapondo o Bem e o Mal como duas cidades em luta, disse: ‘estas cidades
estão constituídas por duas atitudes distintas e estas duas distintas atitudes
procedem de distintos amores: o amor de Deus que culmina na negação de si mesmo
e o amor de si mesmo que culmina na negação de Deus’". [11]
Amar, portanto, não se
limita a um sentimento, não está separado da vontade e não pode ser demonstrado
sem a liberdade interior. O amor é, em geral, a tendência para o bem. Esta tendência recebe três nomes distintos,
segundo três referências distintas ao bem: amor
de complacência, que se deleita no bem existente; amor de benevolência, que realiza o bem existente; amor de concupiscência, que deseja o bem
para o proveito próprio.
Ontologicamente, uma coisa
é boa quando satisfaz ao conceito ideal que determina sua íntima essência.
Assim pensando, podemos dizer que Deus, como Ser Supremo Perfeito, é o Bem
Absoluto. É neste sentido que devemos interpretar as palavras de Jesus: “Ninguém é bom, senão um só, que é Deus”
(Mc 10.18). Como Bem Absoluto, Deus é a fonte de todo bem. “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, do Pai das luzes”
(Tg. 1.17).
A Bíblia diz: "Deus é
amor" (1Jo 4:8, 16) e o diz referindo-se ao homem como objeto desse amor.
Deus ama no homem natural sua imagem ainda que esteja deteriorada pelo pecado;
e no crente sua semelhança, conforme Rm. 8:29; 1Jo 3:2. Por outro lado, Deus
aborrece, com o ímpeto de sua vontade, unicamente o pecado, pelo único atentado
direto contra o Deus Bom. Mas Deus segue amando, com um amor cheio de compaixão
e misericórdia, ao mundo pecador (Jo. 3:16).
Quando a Bíblia declara
que Deus é amor, ela transmite ao homem um conceito tanto de Deus como do
próprio amor. Deus é o "Amor Personificado" e amor é um atributo
divino (qualidade inerente ao caráter de Deus) que se manifesta nos seus atos
redentivos. Deus ama, não porque "quer" fazer o bem, mas porque
"o amor é a essência do ser de Deus" (caráter). Ele mesmo é a razão e
o propósito de amar. Com respeito ao amor de Deus, as Escrituras revelam que:
a)
O amor é a expressão magna da bondade de Deus.
Portanto, não há outro motivo que explique ou justifique os atos redentores de
Deus (Rm 5.6-8; Ef 2.4-5).
b) O amor é o elo de toda e qualquer relação entre
os crentes e entre o crente e Deus (Mt 22.36-40).
c)
O amor de Deus, reproduzido em nossos atos de
bondade, é prova de nossa regeneração e de nossa filiação a Deus (1Jo 3.11-18;
1Jo 4.7-21).
Resumindo, podemos afirmar
que a vontade de Deus, que é boa,
agradável e perfeita (Rm 12.2), é realizada em virtude de seu eterno
propósito redentivo revelado em Cristo (Ef 1.5-11). Uma vez que Deus deseja
(tem vontade de) que todos sejam salvos (1Tm 2.3-4), tal vontade se realiza por
meio do sacrifício de Cristo, como expressão máxima do amor divino (Jo 3.16; Rm
5.6-8; Ef 2.4-5).
3. Deus pode – Poder
Poder e vontade são duas
forças interligadas. A vontade libera o poder e o poder realiza a vontade.
Querer é optar por algo com o desejo de consegui-lo. Neste sentido, querer é um
ato da vontade. Todo querer eficaz é uma tendência para o bem. Para o crente, a
segurança de obter o desejado está garantida aos que estão em Cristo (Jo. 15:7,
16) e pedem, ajudados pelo Espírito Santo, conforme a vontade de Deus. Esta é a
única forma para o homem de participar do Poder Soberano de Deus.
Em Ef. 1:11 é nos dito que
Deus faz todas as coisas segundo o desígnio de sua vontade, de acordo com um
propósito. Isto nos leva à conclusão de que em Deus se dá um processo de
deliberação, decisão e execução parecido com o nosso. A vontade de Deus alcança
seus objetivos com um ato de seu querer, o qual é por si mesmo eficaz, isto é,
poderoso.
3.1. Deus é
onipotente
As Escrituras dão
testemunho do soberano e infinito poder de Deus: “Eu sou o Deus Todo-Poderoso” (Gn 17.1). “Vede, agora, que Eu Sou, Eu
somente, e mais nenhum deus além de mim; eu mato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa
livrar alguém da minha mão” (Dt 32.39). “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Ainda antes que houvesse dia, eu
era; e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá? (Is 43.13). “Para Deus, tudo é possível” (Mt 19.26). “Jesus, porém, fitando neles o
olhar, disse: Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para
Deus tudo é possível” (Mc 10.27).
A ONIPOTÊNCIA divina é um atributo que pode ser descrito da seguinte forma: “Deus é
a Causa Primeira, Absoluta, Infinita, Necessária e Suficiente, de tudo quanto
tem razão de ser”.[12] Deus sempre pode mais do que faz. O atributo da onipotência divina
consiste em que o poder de realização divino não está nem condicionado a
fatores externos à sua natureza. Em suma, Deus faz tudo que lhe apraz.
Diferente de nós, Deus não
necessita de “meios” para a consecução de seus fins. Ele quer e ele faz. Ele
disse: “Haja luz!” e houve luz. Se há um meio, esse meio é a sua vontade, que é
sempre eficaz. Não há restrições à vontade divina que detenha sua capacidade de
agir como quer e realizar o que pretende. Por um ato exclusivo de sua vontade
soberana tudo veio a existir. “Pois ele
falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir”. (Sl 33.9).
3.2. "Deus faz
tudo o quer?"
Para responder a esta pergunta é preciso antes fazer uma distinção.
Ainda que a vontade de Deus é todo-poderosa recebe três nomes distintos,
segundo sua peculiar relação com três classes de objetivos: vontade diretiva, vontade preceptiva e
vontade permissiva.
a) Vontade Diretiva – visa o efeito que Deus deseja conseguir, o
qual está garantido pela eficácia de seu soberano poder, ao qual nada ou
ninguém resiste (Is. 43:13; 46:10; At. 5:39; Hb. 6:17).
b) Vontade Preceptiva – visa o cumprimento dos mandamentos divinos
por parte de um ser criado. Com ela Deus manda ou ordena que realize algo. Este
algo, em primeiro lugar, cumpre-se condicionalmente quando Deus faz depender o
resultado final da vontade do homem. Neste caso, nem sempre rompe a resistência
do homem, como é o caso de At. 17:30 que diz: "Deus... manda a todos os homens, em todo lugar, que se
arrependam", mas nem todos se arrependem. Em segundo lugar, cumpre-se
voluntariamente como em Js 11:9, 15. Finalmente, não se cumpre, porque Deus não
deseja que se realize o ato, mas que se manifeste a disposição do sujeito. Caso
típico é o do sacrifício de Isaque que Deus ordenou a Abraão, mas impediu no
último momento (Gn. 22:10-13).
c)
Vontade Permissiva - quando Deus não impede um mal físico ou moral. Isto não quer dizer que haja
certa cumplicidade de Deus ou que ele mesmo seja o autor do mal. Para
entendermos isso, precisamos considerar que:
§
Deus tem o controle das ações livres de todo
ser mortal e, portanto, também das ações pecaminosas (Gn. 45:5; Ex. 10:1, 20;
Is. 10:5-7; e, sobretudo, At. 2:23).
§
A permissão do mal não faz de Deus o autor do
pecado, posto que Deus aborrece o mal com toda a infinita força de seu santo
caráter, mas que só o tolera com desgosto por haver feito o homem dotado de
liberdade (Gn. 45:5; 50:19-20; Ex. 14:17; Is. 66:4; Rm. 9:22; 2Ts 2:11);
§
Muitas vezes Deus impede positivamente o mal,
ou ainda, refreia o pecador (Gn. 4:6-7; 20:6-7; Jó 1:12; 2:6; Sl. 76:10; Is.
10:15; At. 7:51);
§
Deus sempre tem o timão de nossas vidas e de
toda a história; de modo que passa por alto ou tolera certos males, fazendo que
seu efeito, não sua malícia, resulte em um bem maior (Gn. 50:20; Sl. 76:10; At.
3:13).
Deus manifesta seu poder
de forma soberana. Deus se identifica como "El-Shaddai" (Deus
Todo-Poderoso) e nesta expressão está identificado o atributo da
"Onipotência" divina. A Bíblia nos oferece copiosos testemunhos deste
soberano poder de Deus (Gn. 17:1; 18:4; Dt. 32:39; Sl. 115:3; Is. 45:13; Mt.
19:26).
Para descrever este
atributo, podemos dizer seguramente que Deus é a "Causa Primeira,
Absoluta, Infinita, Necessária e Suficiente" de tudo quanto tem razão de
ser. Pela criação, preservação e intervenção em tudo o que existe e sucede,
todo o ser de todos os seres criados é efeito da "causalidade" divina
(At. 17:25-28).
O poder de Deus está
limitado pela seguinte razão: o poder de Deus não conhece outro limite além do
"Absurdo" pela simples e completa razão de que o "absurdo"
é o "não-ser", a "não verdade" e o "não-bem". Por
esta razão, podemos dizer que Deus não pode:
§
Criar outro Deus igual a ele (1ª classe de
absurdos) porque ainda que Deus empregasse seu infinito poder em tamanha tarefa
o resultado seria uma "feitura" sua, algo criado, já que, para ser Deus
Verdadeiro há de ter em si mesmo a razão de sua própria existência.
§
Realizar o que implica uma contradição
conceptual ou impossível metafísico (2ª classe de absurdos) – em outras
palavras, algo que repugne à noção de "Ser"; por isso, não pode
mentir, arrepender-se, deixar de existir, etc., porque tudo isto implica um
"Não-Ser": algo que contradiz a Verdade, ao Bem, à Santidade, etc. do
ser de Deus (Nm. 23:19).
§ Mudar de condição ou de decisão. Tudo o que
Deus pensa, decide e faz sucede invariavelmente, porque se efetua desde a
imutável eternidade de Deus. Quando decidiu criar, encarnar-se, humilhar-se
(Gn. 1:26-27; Jo. 1:14; Fp. 2:7, 8) já não pôde (nem pode) voltar atrás, nem em
suas decisões, nem em suas promessas. Em sua imutabilidade é que se fundamenta
sua fidelidade e nossa segurança (Nm. 23:19; 2Tm 1:12; 2:13; Tg. 1:17).
[1] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 82
[2] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. P. 86.
[3] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 87.
[4] BERKHOF, L. op. cit. p. 69.
[5] J. S. CHAFER. op. cit. pp. 218, 219.
[6] HODGE, C. op. cit. pp. 299, 300.
[7] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 90.
[8] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 92.
[9] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 92.
[10] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. pp. 93 a 94.
[11] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 94.
[12] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 101.