TEXTO: Tiago 2.1-26
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Fé e Obras
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“Meus irmãos, qual é o
proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso,
semelhante fé salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e
necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em
paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o
corpo, qual é o proveito disso? Assim, também a fé, se não tiver obras, por si
só está morta. Mas alguém dirá: Tu tens fé, e
eu tenho obras; mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu, com as obras, te
mostrarei a minha fé. Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios
creem e tremem. Queres, pois, ficar certo, ó homem insensato, de que a fé sem
as obras é inoperante? Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi
justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho, Isaque? Vês como a
fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé
se consumou, e se cumpriu a Escritura, a qual diz: Ora, Abraão creu em Deus, e
isso lhe foi imputado para justiça; e: Foi chamado amigo de Deus. Verificais
que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente. De igual modo, não
foi também justificada por obras a meretriz Raabe, quando acolheu os emissários
e os fez partir por outro caminho? Porque, assim como o corpo sem espírito é
morto, assim também a fé sem obras é morta”. (Tg 2.14-26).
Introdução
Esta passagem bíblica é o
âmago da Epístola de Tiago, cujo tema está diretamente relacionado à prática das
obras como critério de legitimação da fé. Ele propugna a ideia de que somente
através da prática de boas obras é que uma pessoa pode ser identificada como um
verdadeiro crente. Caso contrário, sua
fé é espúria, inútil. Muitos cristãos cometem o erro fatal de acreditar que
estão salvos por terem sido batizados após sua pública profissão de fé em
Jesus. Não nossas palavras, mas nossos atos comprovam a legitimidade da fé que
professamos. A verdade central desta passagem é a seguinte: a prática ou a
omissão das obras identificam, respectivamente, os verdadeiros e os falsos
cristãos. Como demonstração desta verdade, Tiago aponta detalhes que nos
habilitam a fazermos a distinção entre os falsos e os verdadeiros cristãos.
1. Características dos falsos cristãos (v. 14-19)
1.1. A primeira é a hipocrisia de
seu caráter (v. 14-17).
Tais pessoas nunca praticam
aquilo que dizem. Afirmam com veemência “eu creio!” – e até são sinceras ao
afirmarem isso – mas são omissas no que diz respeito às obras. “Qual é o
proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso,
semelhante fé salvá-lo? (2.14). Esta
é a questão fundamental levantada por Tiago. A resposta, embora implícita, não
pode ser outra, senão: Nunca! Isso é impossível.
Mesmo afirmando veementemente
que creem, os omissos manifestam sua hipocrisia por meio de sua falsa piedade.
Ao ver pessoas pobres (até mesmo irmãos) desprovidos dos recursos básicos para
sobrevivência – “carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano” (2.15) – tais pessoas, esforçando-se por parecer
bondosas, dizem com cortesia: “Ide em paz” (palavra de bênção), “aquecei-vos
e fartai-vos” (palavra de consolo), mas se eximem da responsabilidade de
suprirem os necessitados, estando no seu alcance fazê-lo (2.16). Tais pessoas
são testemunhas audazes de sua fé morta (2.17).
Princípio a ser aplicado: - Uma forma de vida
que nada custa não vale nada.
1.2. A segunda característica do
falso cristão reside no engano de sua falsa crença (v. 18-19).
Nos versículos 18 e 19, Tiago
pressupõe a possibilidade de uma crença falsa predominar no seio da igreja.
Suas palavras de argumentação nos levam a perceber que esta concepção errada é fatal
para a vida eclesiástica. A razão disso é o possível surgimento de um antagonismo
doutrinário divisor de opiniões entre extremistas defensores da fé, por um
lado, e radicais defensores das obras, por outro. Eles já estão ativos em
nossos dias. O que foi uma possiblidade no passado remoto hoje é realidade.
Sendo ambos irredutíveis, deixam-se
levar por aquilo que os dominam: a carne. A rivalidade se estabelece
quando alguém, fazendo uso das Escrituras, diz: “Tu tens fé, eu tenho obras”
(2.18). Pronto, o conflito já se estabeleceu no campo da soteriologia: a doutrina
da justificação. Agora, novos e diferentes conceitos serão atribuídos tanto à
“fé” (como sendo de fonte divina) como também às “obras” (como sendo de fonte
humana). Os ânimos são excitados e a polêmica prossegue: “... mostra-me essa
tua fé sem as obras, e eu, com as obras, mostrarei a minha fé” (2.18).
Segundo Tiago, a atitude dos
adeptos da “fé sem obras” torna-os semelhantes aos demônios. “Crês tu que
Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios creem e tremem” (2.19). Ao
levantar esta questão, Tiago não contempla o pecador perdido, necessitado de
uma legítima conversão. Ele está se referindo a pessoas que professaram sua fé
em Cristo (2.1), mas não deram nenhuma evidência de que são realmente
regenerados. Tiago entende que tais pessoas são crentes de religião sem
compromisso, de uma fé irresponsável. Crentes deste tipo têm algo em comum os
demônios: ambos “creem”; mas apenas em um aspecto são distintos: os
demônios “tremem” (2.19). Fé sem obras é passaporte para o inferno.
Desvios doutrinários só surgem
quando emergem de uma interpretação eixegética e não exegética. O
conflito aqui é semelhante ao antagonismo inconciliável entre calvinismo e
arminianismo. Quando uma doutrina é mal interpretada na igreja, os danos são
terríveis e o pior deles é a divisão, a facção que rompe a comunhão, excita o
ódio dos radicais e a rebeldia dos insubmissos. Sentimentos e emoções
exacerbados ocupam o lugar do bom senso e da razão, e o amor é substituído pela
intolerância, culminando no ódio. Pela quebra da unidade, como resultado do
conflito, duas novas “igrejas” emergirão dando origem a duas novas
“denominações”: a igreja da fé e a igreja das obras. Cada uma
delas, acreditando ser a detentora exclusiva da verdade, irá propugnar sua
doutrina, visando ganhar novos prosélitos. Apenas uma coisa em comum ainda irão
preservar: ambas vão usar a mesma Bíblia.
Uma vez que as Escrituras não se contradizem e a regra
fundamental da Hermenêutica reza que a Escritura é interpretada pela Escritura,
deduzimos que a teologia de Paulo da justificação pela fé (salvadora) sem as
obras não é incompatível com a tese de Tiago, de que as obras dão legitimidade
à fé (salvadora). Uma teologia (a de Tiago) complementa a outra (a de Paulo).
São como duas faces de uma mesma moeda. O paradoxo é explicado pelo fato de que
Paulo se refere ao pecador fora de Cristo, em seu estado de impiedade, antes da
regeneração, enquanto Tiago se reporta ao pecador convertido, após a
regeneração. Significa dizer que, embora sejamos salvos pela soberana graça divina,
por meio da fé que nos é concedida como dom de Deus (Ef 2.8), e não por meio
das obras para que ninguém se glorie (Ef 2.9), tal salvação implica,
logicamente, num resultado imediato: a prática das “boas obras, as quais
Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10). Assim, a visão
de Paulo se harmoniza com a visão de Tiago.
Princípio a ser aplicado: A fé justifica a vida e as
obras justificam a fé.
2. Características dos verdadeiros cristãos (v. 20-26)
2.1. A submissão e obediência a Deus (v. 21-23).
Dando prosseguimento a seus
argumentos, Tiago apresenta dois exemplos de crentes verdadeiros, um homem e
uma mulher, Abraão e Raabe. Ele descreve Abraão com o perfil de uma pessoa que manifesta
verdadeira fé, citando a maior prova de submissão e obediência a Deus que um
pecador pode dar: o sacrifício de seu próprio filho. Nos versículos 20 a 23,
Tiago declara que pela atitude de Abraão, “a fé operava juntamente com as
suas obras; com efeito foi com as obras que a fé se consumou” (2.22), dando
cumprimento à Escritura que afirma: “Abraão creu em Deus e isto lhe foi
imputado para justiça” (2.23). A exemplo de Abraão, os atos de obediência
dos verdadeiros crentes justificam sua fé. Portanto, aprovados pela fé, são
reputados como justos aos olhos de Deus.
2.2. Uma vida transformada (v. 25)
Verdadeiros cristãos seguem o
exemplo de Raabe. Ela era uma cananeia habitante de Jericó. Os cananeus eram
descendentes de Canaã sobre quem Noé, seu avô, lançara uma terrível maldição
(Gn 9.24-27). Raabe já tivera conhecimento de quem eram os hebreus e de como o
seu Deus havia tratado os egípcios e os povos que se levantaram como inimigos
dos hebreus. Ela sabia que o Rio Jordão se abriu para dar passagem a mais de
meio milhão de homens armados para invadir sua cidade e destruir seu povo. O
testemunho que ela deu aos dois espias é realmente impressionante: “Bem
sei que o Senhor vos deu esta terra, e que o pavor de vós caiu sobre nós, e que
todos os moradores da terra se derretem diante de vós. Porque
temos ouvido que o Senhor secou as águas do Mar Vermelho diante de vós, quando
saístes do Egito, e também o que fizestes aos dois reis dos amorreus, Siom e
Ogue, que estavam além de Jordão, os quais destruístes totalmente. Quando
ouvimos isso, derreteram-se os nossos corações, e em ninguém mais há ânimo
algum, por causa da vossa presença; porque o Senhor vosso Deus é Deus em cima
no céu e embaixo na terra” (Josué 2.9-11).
Sua única alternativa era
refugiar-se no Deus de Israel. Portanto, num ato de verdadeira fé, ela apostou
sua vida em Deus. Movida pela fé e pela esperança de compartilhar da bênção
derramada sobre os hebreus, ela arriscou sua própria vida, protegendo os
espiões enviados por Josué à cidade de Jericó. Fez isso como ato de abnegação,
de verdadeiro altruísmo, pelo dever de obediência que sua fé em Deus lhe
impunha.
Altruísmo é uma atitude de
abnegação. O altruísta reconhece que o fim da conduta humana é o bem do outro e
não o do seu próprio ser. O cristão altruísta sempre age motivado pelo senso do
dever a cumprir, reconhecendo que as boas obras são uma imposição da fé em
obediência a Deus. Por isso, as obras justificam (legitimam) a fé.
Há outro lado da vida de
Raabe: a transformação completa de sua vida. Ao receber a promessa de abrigo e
amparo para ela e toda a sua família, Raabe encontrou em Israel, o povo santo
de Deus, um futuro melhor e uma vida totalmente transformada. Seu passado haveria
de ser apagado da memória de todos que a conheceram como prostituta e a viram
na miséria. Por causa de sua fé, seu passado infame foi sepultado pelo perdão
de Deus no vale do esquecimento e ela se tornou uma mulher santa, tão santa
quanto as mulheres israelitas. O perdão de Deus e sua santidade de vida
deram-lhe uma nova reputação.
O melhor de tudo, em sua
história de vida, é que Raabe se casou com alguém da família sacerdotal de Arão
e seu nome aparece na lista dos ancestrais de Jesus, o nosso Salvador. Veja o
que a Escritura diz: “... a Arão nasceu Aminadabe; a Aminadabe nasceu Nasom;
a Nasom nasceu Salmom; a Salmom nasceu, de Raabe, Booz; a Booz nasceu, de Rute,
Obede; a Obede nasceu Jessé; e a Jessé nasceu o rei Davi...” (Mt 1.4-6).
Princípio a ser aplicado: as obras testificam da fé de
pecadores verdadeiramente convertidos.
Conclusão
Certos tipos de árvores
produzem certos tipos de frutos. Assim também é nossa fé. Se estamos em busca
de verdadeiros crentes, devemos procurar pessoas cujas obras proclamam a fé que
professam ter; pessoas cujos atos são coerentes com suas palavras. O princípio
que rege a carta de Tiago descreve a religião como pragmática. Sem as boas
obras, nos diz Tiago, a fé dos que dizem ser crentes é inútil. Para ele, tais
pessoas estão espiritualmente mortas. Elas e os demônios têm algo em comum:
ambos creem; em apenas num aspecto são distintos: os demônios estremecem.
Tiago nunca acreditou que
somos salvos pelas obras. Não há absolutamente nada que possamos dizer ou fazer
que acrescente algo ao que Jesus já fez na cruz. Portando ele nos ensina que
podemos reconhecer a fé salvadora por meio das obras que ela produz na vida dos
que creem. Tiago nos desafia a examinarmos nossa consciência e avaliarmos os
nossos atos para que nossa fé seja julgada e nossa identidade reconhecida.
Sejamos cristãos autênticos, cujas obras testifiquem a veracidade da fé que
professamos.