Pr.
José Vidigal Queirós
Introdução
Quando se fala de vida espiritual, devem ser levados em conta os
valores que norteiam a vida de uma pessoa em sua relação com Deus e com o
próximo. Espiritualidade não deve ser confundida com religiosidade. Uma pessoa
pode ser religiosa sem ser espiritual, isto é, cumprir com formalidade as
obrigações exigidas nos rituais de sua religião e, mesmo assim, viver praticando
atos abomináveis. Jesus não foi um religioso formalista, mas um homem de espiritualidade
autêntica. Significa dizer que sua relação com Deus não ocorreu por meio do
ritualismo, mas foi orientada por valores. A vida espiritual de Jesus esteve
alicerçada em quatro valores: devoção, vocação, obediência e integridade.
1. DEVOÇÃO - comunhão intensa com o Pai
A comunhão com
o Pai era para Jesus seu único meio de ter conhecimento de cada passo a ser
dado no exercício do ministério. Jesus viveu a cada minuto de sua vida numa
comunhão perfeita com o Pai e, por meio dela, pode saber não só o conteúdo de
seus ensinos e de sua pregação como também cada obra a ser realizada. “Não crês que eu estou no Pai e que o Pai
está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai,
que permanece em mim, faz as suas obras” (Jo 14:10).
Mas o que
levou Jesus ao nível de intimidade que ele teve com Pai? Os Evangelhos
respondem registrando o fato de que a oração foi o elo dessa comunhão. A oração
marcou o início e o final de seu ministério. Tudo que Jesus disse e fez foi
resultado da revelação direta obtida através da comunhão com o Pai. Ele tinha o
hábito de orar antes mesmo do amanhecer – “Tendo-se
levantado alta madrugada, saiu, foi para um lugar deserto e ali orava” (Mc
1.35).
As Escrituras
nos dão conta de que, não só em privacidade, mas também em locais públicos,
Jesus orou por ocasião da realização dos milagres que se tornaram os mais
relevantes de seu ministério público: a multiplicação dos pães e peixes – “E, tomando os sete pães, partiu-os, após
ter dado graças, e os deu a seus discípulos, para que estes os distribuíssem,
repartindo entre o povo” (Mc 8.6); e a ressurreição de Lázaro – “E Jesus, levantando os olhos para o céu,
disse: Pai, graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me
ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu
me enviaste” (Jo 11.41-42). A oração foi o elo de sua comunhão com o Pai e
o segredo do sucesso de sua missão.
2. VOCAÇÃO – compromisso pleno com a vontade
do Pai
Durante sua existência terrena, Jesus viveu totalmente em função da
vontade soberana do Pai. Realizar a vontade de Deus Pai era sua obsessão maior:
“A minha comida consiste em fazer a
vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4.34). Jesus tinha consciência de que, em
condição humana limitada, o sucesso de sua missão no mundo dependia de sua
total submissão ao Pai. Fugir de sua vocação implicava em falência espiritual e
fracasso no ministério. Eis a razão pela qual ele afirmou: “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim
a vontade daquele que me enviou” (Jo 6.38). Ele tinha plena consciência de que Deus é o sujeito da missão e,
portanto, somente ele podia definir como ela haveria de ser executada.
No momento mais cruciante, quando foi submetido à prova mais difícil que enfrentou durante toda a sua vida, Jesus agonizou no Getsemani de tal forma que, mesmo na mais avançada hora da noite, quando todos sentiam frio, ele suava copiosamente, enquanto orava: "Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres [...] Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade" (Mt 26.39-42).
Seu senso de vocação o movia à ação em cumprimento da vontade de Deus Pai – “É necessário que eu anuncie o evangelho do
reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado. E
pregava nas sinagogas da Judéia” (Lc 4.43-44).
3. OBEDIÊNCIA – submissão completa na realização da vontade do Pai
O senso de vocação infligiu em Jesus o compromisso absoluto com a
vontade do Pai. Isto implicava uma vida submissa a fim de que o Pai fosse
glorificado no exercício de sua missão. Ele tinha plena convicção de que seus
ensinamentos deveriam proceder diretamente do Pai – “nada faço de mim mesmo; mas como o Pai me
ensinou, assim falo” (Jo 8.28). Tudo que ensinou ele atribuiu sua
autoria a Deus Pai – “A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou” (Jo
7.16). “Porque eu não falei
por mim mesmo; mas o Pai, que me enviou, esse me deu mandamento quanto ao que
dizer e como falar” (Jo 12.49). “Quem não me ama, não guarda as minhas palavras; ora, a palavra que
estais ouvindo não é minha, mas do Pai que me enviou” (Jo 14.24).
Não somente seus ensinamentos, mas principalmente suas obras eram fruto
de sua submissão e obediência à vontade de Deus Pai – “... aquele que me enviou está comigo; não me tem
deixado só; porque faço sempre o que é do seu agrado” (Jo 8.29). A realização
de tais obras davam prova não só de sua vocação, mas, acima de tudo, de sua
submissão completa a Deus – “... o testemunho que eu tenho é maior do que o de João; porque as obras
que o Pai me deu para realizar, as mesmas obras que faço dão testemunho de mim
que o Pai me enviou” (Jo 5.36).
O apóstolo Paulo, em sua Epístola aos Filipenses, ao exortar os membros daquela igreja a seguirem o exemplo de humildade que Jesus deu, escreveu dizendo: "Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz" (Fp 2.5-8).
4. INTEGRIDADE – conduta pautada nas leis e mandamentos do Pai
Dentre todos os valores que regeram a vida espiritual de Jesus, sua
integridade moral esteve em relevo, pois ela manifestou o caráter santificado
de Deus Pai. Por várias vezes os fariseus testaram sua integridade com o
objetivo de apanhá-lo numa falta a fim de leva-lo ao tribunal para saciarem sua
sede de sangue emergente do ódio que cultivavam contra Jesus.
Na sua primeira investida, eles tentaram induzir Jesus a violar o
mandamento explícito em Deuteronômio
6:16 que diz: “Não tentareis o
Senhor vosso Deus...”. Para exigirem de Jesus as provas de sua
identidade como o Messias, o Filho de Deus, “chegaram a ele os fariseus e os saduceus e, para o experimentarem,
pediram-lhe que lhes mostrasse algum sinal do céu” (Mt 16.'1). A resposta de Jesus foi
que nenhuma sinal haveria de ser dado àquela geração “adúltera e pecadora”, a
não ser o “sinal de Jonas” (Mt 16.4).
Tentaram leva-lo a violar as leis romanas na esperança de poderem
conseguir de Pilatos sua pena de morte. A primeira vez foi quando levaram uma
mulher “apanhada em flagrante adultério” a
fim de que ele ordenasse sua execução em obediência à lei de Moisés – “Ora, Moisés nos ordena na lei que
as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para terem de que o acusar [...] Mas, como insistissem em perguntar-lhe, ergueu-se e disse-lhes: Aquele
dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra
[..] Quando ouviram isto foram saindo um a um, a
começar pelos mais velhos, até os últimos; ficou só Jesus, e a mulher ali em pé”
(Jo 8.5-9).
Outra tentativa ocorreu quando questionaram sobre a legitimidade do
pagamento de tributo ao governo romano: “Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar tributo a César, ou não? Jesus, porém, percebendo a sua
malícia, respondeu: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. E
eles lhe apresentaram um denário. Perguntou-lhes ele: De quem é esta imagem e inscrição? Responderam: De César. Então lhes
disse: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Ao ouvirem isso, ficaram admirados; e, deixando-o, se retiraram”
(Mt 22.17-22).
Finalmente, depois de o prenderem e leva-lo ao tribunal de Pilatos
apresentando falsas testemunhas contra ele, Pilatos ordenou que ele fosse
açoitado para confessar os crimes dos quais estava sendo acusado. Como Jesus,
mesmo sob tão cruel tortura (o flagelo), não assumiu a autoria de nenhum crime,
Pilatos sentiu-se constrangido a declarar duas vezes a inocência de Jesus: “Não acho nele crime algum” (Jo 18.38;
19.4).
Conclusão
No que diz respeito à vida com Deus, a grande diferença entre Jesus e a
elite judaica era o simples fato de que eles eram legalistas presos às
formalidades do ritualismo religioso, enquanto Jesus buscou viver uma espiritualidade
autêntica firmada nos valores éticos propugnados por Moisés e os profetas:
devoção, vocação, obediência e integridade.
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