Pr. José Vidigal Queirós
Introdução
A pessoa de
Jesus é revelada pelas Escrituras sob dois aspectos: um biográfico, que trata
de sua origem histórica e do papel que exerceu como cidadão israelita; e outro
teológico, que o manifesta como o Messias enviado por Deus para estabelecer no
mundo o seu reino eterno e trazer salvação aos pecadores. O presente estudo
consiste na exposição do conteúdo bíblico que ressalta a origem histórica e o
contexto cultural onde Jesus cresceu e foi educado. Este estudo está
fundamentado na premissa de que a formação
humana de Jesus foi condicionada pelo ambiente cultural em que ele viveu. Há
quatro fatores que comprovam este fato.
1. Um judeu de linhagem real – descendente de
Davi
O Novo
Testamento insere Jesus na linhagem histórica dos descendentes do rei Davi. Lucas
registra a declaração do Arcanjo Gabriel, em sua mensagem a Maria, que “o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu
pai” (Lc 1.32). Esta revelação anuncia o cumprimento das profecias do
Antigo Testamento.
Em sua aliança com Davi, Deus lhe fez uma promessa nos
seguintes termos: “Quando teus dias forem completos, e vieres a dormir com teus pais,
então farei levantar depois de ti um dentre a tua descendência, que sair das
tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino [...] eu estabelecerei para
sempre o seu trono” (2Sm 7.12-13).
A respeito
desta promessa os profetas anunciaram a vinda de um Messias (Ungido) para o
estabelecimento do reino eterno de Deus no mundo (Is 9.6-7; Jr 33.15-17; Dn
2.44; 7.14). Na concepção dos judeus, o Messias haveria de restaurar a dinastia
de Davi, tornando-se um monarca poderoso capaz de libertar a nação israelita do
domínio dos povos estrangeiros. Mas o discurso de Jesus contradizia tal
concepção, uma vez que a ideia de uma monarquia terrena era diabólica – “Disse-lhe o diabo: Dar-te-ei toda esta
autoridade e a glória destes reinos, porque ela me foi entregue, e a dou a quem
eu quiser. Portanto, se prostrado me adorares, toda será tua” (Lc 4.5-8).
O
reino não haveria de ser “deste mundo”
(Jo 18.36), mas um reino espiritual – “...
o reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17.21), a forma pela qual, não
somente os judeus, mas o mundo inteiro haveria de alcançar a salvação. Apesar
disso, o povo em geral que o reconheceu como o Messias acreditava ser ele o
“Filho de Davi” que chegara para reinar em Israel – “E as multidões, tanto as que o precediam como
as que o seguiam, clamavam, dizendo: Hosana ao Filho de Davi! bendito o que vem
em nome do Senhor! Hosana nas alturas!” (Mt 21.9).
2. Membro de uma família muito conhecida –
“filho do Carpinteiro”
Duas
afirmações biográficas de grande destaque são feitas no Novo Testamento a
respeito da família de Jesus. Mateus dá indicações de que a família de Jesus
era muito conhecida, sendo provavelmente um referencial para os habitantes
Galileia – “Não é este o filho do
carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, José, Simão e
Judas?” (Mt 13.55). Mateus faz dois destaques. O primeiro é que ele é filho
do “carpinteiro” (em grego teknon =
artífice em madeira, marceneiro, construtor, construtor de navio – Biblioteca
Digital da Bíblia). O segundo é que seus familiares eram conhecidos por nome. Marcos
faz os mesmos destaques, acrescentando o detalhe de que Jesus também era
“carpinteiro” (Mc 6.3).
Devido ao
fato da família de Jesus ter fixado residência em Nazaré, no sul da Galileia
(Mt 2.23), é provável que ele, seu pai e irmãos, tenham se dedicado à
fabricação e reparo de móveis, estrutura de telhados para residências e à
manufatura e comércio de produtos artesanais de madeira. Provavelmente, teria
sido esta a razão pela qual sua família era muito conhecida e tenha se tornado um
referencial para todos os galileus.
3. Um
habitante da Galileia culturalmente discriminado
A Galileia
foi um território israelita doado por Salomão a Hiram, rei da Síria (1Rs 9.11).
Por esta razão, tornou-se uma colônia de gentios. Na Galileia é que se achavam
as cidades que foram designadas por Josué como as cidades de refúgio dos
homicidas (Js 21.32). Portanto, ser galileu era motivo de preconceito. Os
galileus eram, na opinião dos judeus, uma gentalha
(ralé). Este fato fez uma grande
diferença na vida de Jesus. Por ser galileu, os demais israelitas,
principalmente os da Judéia, que eram muito preconceituosos e orgulhosos por
constituírem a elite nacional (fariseus, sacerdotes, saduceus e escribas), o
reputavam como destituído de conhecimento e de prerrogativas para o exercício
de qualquer ofício religioso. Esta foi a razão pela qual os fariseus mandaram
prendê-lo, por considerarem-no um embusteiro (Jo 7.32-52). Quando Nicodemos se
opôs às intenções dos fariseus, eles questionaram: “Dar-se-á o caso de que também tu és da Galileia? Examina e verás que
da Galileia não se levanta profeta” (Jo 7.52). Para os fariseus, Jesus não passava de um caipira (matuto) da Galileia.
Em
contradição à tradição religiosa israelita, o profeta Isaías anunciou que o
Messias emergiria da Galileia – “Mas para a que estava aflita não haverá escuridão. Nos primeiros
tempos, ele envileceu a terra de Zebulom, e a terra de Naftali; mas nos últimos
tempos fará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, a Galileia dos gentios” (Is 9.1). Ser galileu implicava
uma reputação de pouco ou nenhum valor – “Filipe
encontrou a Natanael e disse-lhe: Achamos aquele de quem Moisés escreveu na
lei, e a quem se referiram os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José.
Perguntou-lhe Natanael: De Nazaré pode sair alguma coisa boa? Respondeu-lhe
Filipe: Vem e vê” (Jo 1.45-46).
Quando ainda era
um bebê (30 dias de nascido), Jesus foi apresentado no templo e Simeão,
tomando-o nos braços, profetizou: “Eis que este é posto para queda e para levantamento de muitos em
Israel, e para ser alvo de contradição” (Lc 2.34). Simeão apenas
confirmou o que o profeta Isaías havia falado: “Ele vos será santuário; mas será pedra de tropeço e rocha de ofensa às
duas casas de Israel, laço e armadilha aos moradores de Jerusalém” (Is 8.14;
cf Rm 9.32-33; 1Pe 2.6-7). A descrição que o profeta Isaías fez a seu respeito
identifica-o como alguém que “era
desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que
é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e
dele não fizemos caso” (Is 53.3).
Uma vez que
Jesus estava destinado a ser “alvo de contradição” (Lc 2.34), ele insurgiu como um manifestante contraditor de opiniões que se levantou contra os
poderosos e os sistemas instrumentalizados pelos que deles faziam uso para fins
de poder e dominação. Literalmente, ele se tornou um subversivo, isto é, um agente heterodoxo de contrassenso ou
ainda um empreendedor moral e, por
isso, seus discursos proféticos suscitou a hostilidade dos grupos sectários
judaicos, principalmente, os fariseus que conspiraram contra ele, para
mata-lo, o que de fato ocorreu.
Conclusão
A vida de
Jesus foi marcada pela natureza de sua formação em uma terra cujos habitantes
eram reputados como gentalha devido
ao fato de que a Galileia, durante séculos, fora uma colônia gentílica em
território israelita. Um judeu de tal procedência não haveria de ser bem-vindo
entre os judeus de cultura erudita. Mesmo assim, a família de Jesus era um
referencial para os galileus.
Historicamente, Jesus foi um cidadão comum, tinha
uma profissão e, mesmo sendo inculto, era um excelente intérprete das
Escrituras e tornou-se um profeta de extraordinária repercussão. Foi morto por
uma casta de conspiradores invejosos e preconceituosos que o reputavam como um
embusteiro, transgressor, violador das tradições, um subversivo. Para os seus
seguidores, ele era e é o Messias, o enviado de Deus que estabeleceu na terra o
“reino dos céus”, trazendo salvação ao mundo.
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