11 de outubro de 2013

TEONTOLOGIA - CAPÍTULO I - A CRENÇA EM DEUS


 Pr. José Vidigal Queirós


Introdução
A história da humanidade registra um fato inegável: a crença em Deus é muito antiga. Em todas as civilizações, em qualquer região geográfica do mundo habitado pelo homem, há registros históricos de tradições sobre a crença em Deus que percorreram os séculos e chegaram até nós. O ponto de partida, no estudo sobre a crença em Deus, deve ser uma questão latente que emerge da natureza humana: Qual a origem da ideia de Deus? Os teólogos, na tentativa de apresentarem uma resposta plausível, propõem três respostas:
a)       A ideia de Deus é inata;
b)       Ela é uma dedução da razão que resulta de um processo de reflexão filosófica;
c)       A concepção que se tem de Deus resulta de uma revelação.
Uma vez que o estudo da Teologia Sistemática fundamenta-se na revelação, os teólogos adotam como pressuposto básico que a Bíblia Sagrada é a palavra de Deus, isto é, o registro da revelação divina que nos habilita a conhecer Deus. 
1.       A Necessidade da Crença em Deus
A necessidade da crença em Deus não pode ser confundida com o esforço de provar a sua existência. Mesmo assim, questiona-se: a existência de Deus pode ser negada? Tentando apresentar uma resposta, Hodge[1] argumenta que há diferentes tipos de verdades necessárias:
a)  “Aquelas cujo oposto é absolutamente inconcebível. Que todo efeito deve ter uma causa, que parte de uma coisa é menor que o todo, são proposições cujos opostos não podem ter significado algum”.
b)  “Há verdades concernentes a coisas externas ou materiais que possuem o poder de compelir diferente convicção daquele poder que pertence a verdades concernentes à mente. Uma pessoa não pode negar que possui um corpo; e não pode racionalmente negar que possui uma vontade”...
c)  “Além disso, há verdades que não podem ser negadas sem violentar as leis de nossa natureza. Em tais casos a negação é forçada e pode ser apenas temporária [...] É igualmente possível que a mão de uma pessoa fique tão insensível ou cauterizada a ponto de perder o senso do tato. Mas isso não provaria que a mão dessa pessoa não é normalmente o principal órgão do tato. Portanto, é possível que a natureza moral fique tão desorganizada pelos vícios ou por uma falsa filosofia que silencie a eficácia do testemunho em prol da existência de Deus”.
2.       As diversas concepções de Deus
A concepção que o homem tem de Deus varia de acordo com as suas crenças e sua cultura. Os que creem na existência de Deus têm uma ideia pessoal do que ele é. Para os ateus, Deus não existe e, portanto, ele não passa de um produto da imaginação fantasiosa do homem.
2.1.    Falsas concepções de Deus
A concepção que o homem tem de Deus varia de acordo com as suas crenças e sua cultura. Os que creem na existência de Deus têm uma ideia pessoal do que ele é. Para os ateus, Deus não existe e, portanto, ele não passa de um produto da imaginação fantasiosa do homem. Mas que ideia o homem construiu de Deus? Temos certeza que, qualquer que seja, tal ideia nunca será correta se não tiver base na revelação registrada nas Sagradas Escrituras. Muitas ideias foram formadas sobre Deus. Vejamos algumas delas.
2.1.1. Deísmo
O deísmo é uma linha de pensamento essencialmente racional que surgiu na Inglaterra, na primeira metade do século XVII. O Lord Herbert de Cherbury, considerado o pai do deísmo, influenciou os escritores John Toland, Mathew Tindal, Thomas Woolston e Anthony Collins.
Estes pensadores desenvolveram a ideia de Deus da seguinte forma:
a)  Há um Ser Supremo que criou o universo, dotando-o de recursos e condições para se autodesenvolver sem a intervenção divina. Deus não se envolve com a criação.
b)  São obrigações do homem para com Deus: adoração, conduta ética e arrependimento pelos pecados.
c)   Haverá recompensas e castigos divinos nesta vida e na vindoura.
Apesar desta concepção, os propugnadores do deísmo afirmam categoricamente que não há qualquer intervenção de Deus na ordem natural. Negam a Trindade, a encarnação, a autoridade da Bíblia, a expiação, os milagres, a eleição de um povo e qualquer ato redentor sobrenatural na história[2]. Os deístas repudiam qualquer intolerância religiosa, partindo do pressuposto de que todas as religiões são iguais.
2.1.2. Teísmo
Teísmo é apenas uma antítese do ateísmo. Manifesta-se como a crença em um Deus sem se preocupar com seus atributos. Paul Tillich sustenta uma concepção abstrata de um Deus despersonalizado. Para ele, Deus é apenas a resposta às inquietações e aspirações da finitude humana.
Por não ser uma corrente doutrinária específica de caráter dogmático, o teísmo não tem um posicionamento definido sobre Deus. A concepção de um Deus pessoal não é unânime. A teonomia é uma linha do pensamento teísta que concebe Deus como apenas um legislador do universo. “Quaisquer regras da ética, da epistemologia, etc., resultam daquilo que Deus determinou, e poderiam ser de outra forma se ele assim desejasse. Nenhuma ação no universo é intrinsecamente boa ou má, nem melhor ou pior, mas tem seu valor de acordo com o valor que Deus atribui a ela”.[3]
O teísmo se expressa como a crença na existência de Deus, quer seja pessoal ou impessoal, presente ou ausente da história. A concepção teística de Deus como um ser transcendente e imanente, que existe como pessoa única, é propugnada pelo judaísmo e islamismo. Qualquer concepção não cristã (não bíblica) que se tenha de Deus é considerada teísta. O deísmo é uma das expressões do teísmo.
2.1.3. O ateísmo
No mundo sempre existiram multidões que vivem como se Deus não existisse, sem que cheguem a negar ou sequer duvidar da existência de Deus. Tal indiferença também é uma forma de expressão do ateísmo, pois ATEISMO, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, significa “falta de crença em Deus”, ou ainda, “atitude ou doutrina que dispensa a ideia ou a intuição da divindade, quer no ângulo teórico (não recorrendo à divindade para se justificar ou fundamentar), quer no ângulo prático (negando que a existência divina tenha qualquer influência na conduta humana)”.
O ateísmo não consiste em um sistema de doutrina; não afirma nada, apenas nega tudo que o teísmo confessa. Ele é uma forma definida de pensamento que nega expressamente e se opõe veementemente à crença em Deus. Em Salmos 14:1 e 53:1, encontramos: “Diz o insensato no seu coração: não há Deus”. Diante disso, o ateísmo é tão antigo quanto as Escrituras. Desde Aristóteles o homem tem sido definido como anima religiosum e, neste sentido, até o mais acirrado ateu termina forjando algum tipo de deus. O ateísmo manifesta-se através de duas correntes principais: o teórico e o prático.
O ateísmo teórico procede de uma atitude filosófica negativa ou de uma reação pessimista ante os males do mundo e da vida e consiste em um estado de perplexidade, sem decidir-se a admitir nem a rechaçar a existência de Deus. Há uma completa indiferença quanto a Deus. Segundo Berkhof, esta forma de expressão do ateísmo “duvida da capacidade da mente humana de determinar se há ou não um Deus”.[4] Esta forma de pensamento é também chamada de ateísmo ascético.
Uma outra forma de expressão do ateísmo teórico procede de um ponto de vista científico e filosófico, segundo o qual a existência de Deus é um dado impossível de ser experimentalmente ou racionalmente comprovado. É a postura de Immanuel Kant, em sua obra “CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA”, onde afirma a incognoscibilidade de tudo que não entra pelos sentidos e acata as ideias de liberdade, imortalidade da alma e a existência de Deus como sendo necessárias tão somente a que se eleve uma vida moral correta. Esta corrente é também conhecida como ateísmo agnóstico.
Outras concepções do ateísmo teórico são:
a)   Ateísmo crítico – postula a ideia de que não há nenhuma prova válida da existência de Deus. A crença em Deus é uma ilusão.
b)   Ateísmo dogmático – Denomina-se assim, não porque tenha seus “dogmas de fé”, mas porque afirma positiva e tenazmente, como um feito científico indubitável e inquestionável, que Deus simplesmente não existe. Nega veementemente tudo o que o teísmo confessa. O ateísmo dogmático tem suas raízes no pensamento de Feuerbach, para o qual tudo que consideramos espiritual é um subproduto do cérebro humano que segrega as ideias assim como o fígado segrega a bílis. A expressão máxima do ateísmo dogmático foi sistematizado pelo Marxismo.

O segundo ramo do ateísmo – ateísmo prático – manifesta-se tanto pela completa indiferença quanto a Deus como também por meio do materialismo. Este é o ponto de vista filosófico-científico que se propagou e radicou no mundo contemporâneo com o auxílio do progresso da ciência e da tecnologia. Encontrou campo fértil na mente de todos os que acham que a ideia de Deus está inseparavelmente a muitas superstições e tabus. Descreem na vida além-túmulo e buscam viver em função dos bens materiais, do conforto e do prazer que podem dispor.
2.1.4. Objeções ao ateísmo
Com respeito a este assunto, Francisco Lacueva declara que as objeções contra a existência de Deus foram reduzidas pelos teólogos medievais em apenas duas. Tais objeções referem-se, portanto, aos seguintes argumentos do ateísmo:
a)   Deus não é necessário, já que o mundo, a vida e a História podem explicar-se cientificamente, sem ter que apelar a um Ser Infinito, invisível e transcendental.
b)   A existência de tanto mal no mundo é incompatível com a existência de um Deus que, ou não é suficientemente bom e justo para evitar tanta desgraça, ou não é bastante sábio e poderoso para controlar a marcha de um universo que ele mesmo criou.
No que diz respeito a tais declarações, buscando formular objeções que sejam racionalmente aceitas, Lacueva questiona: “É verdade que a ciência faz desnecessária a existência de Deus?” Ele responde tal questão da seguinte forma:
a)   “A ciência não pode explicar suficientemente a ordem do universo, a origem da vida, nem a marcha da História por uma mera evolução dialética em progresso sempre ascendente e espiral sem a intervenção de uma Inteligência Superior, transcendente e imanente que haja criado a matéria, haja dotado de energia a esta matéria, lhe haja dado um primeiro impulso sabiamente dirigido na espiral da evolução, haja dotado aos seres de vida, instinto que não falha e espírito que pensa, e mantenha em equilíbrio constante a marcha dos astros, a mútua interação dos seres [...] e as apropriadas adaptações entre o sujeito e o meio. Em poucas palavras, a qualquer parte que se olha, obtém-se uma impressão de causalidade e finalidade que só pode atribuir-se a um Ser Supremo que faz convergir tudo harmonicamente. A pura causalidade não explica o universo”.
b)  “A ciência não pode dar, por si só, uma resposta satisfatória aos grandes porquês do homem: Quem sou? De onde venho? Para onde vou? Se não existe um Deus Criador, [...] se não existe outra vida em que os insatisfeitos anelos do homem obtenham satisfação cumprida, se não existe uma norma moral superior que sancione a conduta humana, então o homem é um aborto da natureza que lhe nega o que concede ao mamífero e ao infusório (ciliado); um ser autônomo, escravizado por sua própria ignorância e por seu egoísmo, [...]. Em uma palavra, o homem é um engendro monstruoso de um gigantesco pesadelo cósmico. Em troca, a existência de um Deus infinitamente justo, bom e poderoso, que tudo o que tem previsto e provisto (provido), que nos dá uma resposta cumprida a todos os nossos anelos de luz, de vida e de imortalidade, é uma solução mais científica e, sobretudo, mais humana”. [5]
2.1.5. Hilozoismo
Hilozoísmo é a doutrina que considera a vida como propriedade da matéria. Além de suas propriedades físicas, a matéria como um todo, e cada partícula dela, possui o princípio da vida. O significado comum do termo designa um sistema que admite a distinção entre mente e matéria e, ao mesmo tempo, a união inseparável entre ambas, assim como o corpo e a alma que compõem o ser humano. Segundo o pensamento hilozoista, Deus é a alma do universo; é um poder inteligente que age como fonte de todas as suas estruturas e atividades. O universo é vivo, imortal, racional e perfeito. A alma dos homens é da mesma natureza da alma do mundo.
2.1.6. O Maniqueísmo
Fundado por Manes, de origem persa, que viveu no século III, e que, ao conhecer o cristianismo, formulou uma doutrina mesclada de princípios cristãos e budistas, levando ao extremo o dualismo de Marcion. Ele estabelece a coexistência e luta de dois supremos princípios: o primeiro denominado de ORMUZ, deus do bem, da luz e do espiritual; e o segundo AHRITAN, deus do mal, das trevas e do material. O homem primitivo foi criado pelo deus bom, mas o homem atual é obra do deus mau. Só pela iluminação e pelo ascetismo o homem pode voltar ao seu estado original.
2.1.7. O gnosticismo
Anterior ao dualismo maniqueísta, o gnosticismo é mais sutil. Nele o Supremo Princípio é bom, mas incognoscível. O mundo teria sido criado por um Princípio Inferior, o DEMIURGO. Para Platão o Demiurgo é o mesmo Deus, enquanto Ordenador Supremo do Universo. Plotino faz dele o Espírito ou Alma Universal, que organiza o mundo do material. No gnosticismo a matéria é impura, originada por um princípio maléfico. Isto fez com que os adeptos do gnosticismo negassem a encarnação e a ressurreição de Jesus. São duas as suas características doutrinárias:
a)  O homem se espiritualiza, não pela fé nem pelas obras, mas pela “iluminação” espontânea e definitiva reservada a um grupo de “iniciados”. Daí, seu hermetismo que perdura até hoje nas seitas e Sociedades Secretas como a Teosofia, a Maçonaria, a Sociedade Rosa-Cruz, etc.
b)  Os “iniciados” que tiverem atingido a “gnosis” (conhecimento) salvadora estão por cima das normas éticas do bem e do mal.
2.1.8. O panteísmo
É uma doutrina que, em geral, faz de Deus e do mundo uma mesma coisa. Existem diversas formas de expressão do panteísmo, as quais estão classificadas em três categorias:
a)   Emanatístico – doutrina panteísta segundo a qual TUDO que existe é uma EMANAÇÃO da única substância eterna e infinita que possui dois atributos: mente e matéria. Os seres só podem existir como participação do único Ser. São expoentes desta doutrina: Giordano Bruno, Baruch Spinoza, F. W. J. Shelling, etc.
b)   Evolucionístico - sustentado especialmente por um grupo de filósofos franceses do século XIX. Segundo eles, o universo vai se evoluindo até chegar a possuir atributos divinos, ou seja, que Deus está em processo de formação evolutiva à medida que o existente ascenda à culminância suprema do ser.
c)    Gnoseológico ou Idealístico – doutrina segundo a qual tudo o que existe tem consistência unicamente na IDÉIA ABSOLUTA (teoria de George W. F. Hegel). Ou seja, tudo que existe é uma externalização inacabada da Ideia Absoluta. A natureza não é o fim; é o processo de extensão da Ideia Absoluta.
Há filosofias panteístas que, sem afirmar uma identificação total das coisas com Deus, enfatizam demasiadamente a imanência divina com menoscabo de sua transcendência. Entre tais filosofias podemos destacar as seguintes:
a)   O Pampsiquismo – segundo o qual só existe uma Mente Universal da qual participam todas as consciências individuais.
b)   O Naturalismo – originado do filósofo alemão Goethe, para quem a natureza seria como uma unidade viva, consciente, dotada de atributos quase divinos que se manifestam quando entramos em “comunhão” com as coisas.
c)    Teosofismo e Outras Seitas Secretas – segundo as quais Deus é o ÉTER que tudo permeia ou o CÓSMICO UNIVERSAL com que nós chegamos a nos identificar por meio de nossa mente superior, com o êxtase (saída do corpo astral) e mediante a sacralização da matéria (daí, a importância que dão à alquimia. ALQUIMIA – ciência da Idade Média que buscava descobrir o elixir da longa vida, que traria a cura para todos os males; e a Pedra Filosofal, que transformaria todos os metais ordinários em ouro e prata).
3.       Concepção monoteística de Deus
Em suas três ramificações (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) o monoteísmo tem uma concepção de Deus que pode ser expressa da seguinte forma:
a)  Deus é um ser singular – é único, não há outro igual nem diferente dele.
b)  Deus é um ser pessoal – por ser pessoa ele tem nome, identidade, caráter, inteligência, vontade própria, autogoverno e relaciona-se com o homem.
c)  Deus é um ser supremo – criador, sustentador, soberano, legislador e juiz do universo.
d)  Deus é um ser transcendente – situa-se na dimensão do invisível e do sobrenatural, além dos limites do tempo, do espaço e da percepção sensorial humana.






[1] HODGE, Charles. Op. cit. p. 148.


[2] ELWELL, W. A. Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. Vol. 1, 1993, p. 403.


[3] ELWELL, W. A. op. cit. Vol. 3, p. 438.


[4] BERKHOF, Louis. Teologia sistemática, 1996, p. 25.


[5] FRANCISCO LACUEVA. Curso de formación teológica evangélica. Vol. 2. pp. 22, 24.


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