11 de outubro de 2013

TEONTOLOGIA - CAPÍTULO II - A EXISTÊNCIA DE DEUS

  
                Pr. José Vidigal Queirós

Introdução
Na busca ansiosa pelas provas da existência de Deus o homem percorreu dois caminhos: o da razão e o da revelação. Pelo caminho da razão o homem chegou aos limites do seu potencial crítico e desembocou em frustrações que o levaram a negar ou manter uma atitude de completa indiferença com respeito à existência de Deus. Pelo caminho da revelação o homem procurou formular seu conhecimento de Deus, utilizando-se das Escrituras como fonte principal de informação e dos poderes do espírito instrumentalizados pela fé.
A finitude da razão humana não permite ao homem penetrar no infinito e desvendar seus mistérios. Segundo Berkhof, aqui há duas correntes de pensamento: o da "docta ignorantia" (a "ignorância culta") que admite a realidade do transcendental e infinito, mas reconhece também sua incapacidade de compreendê-la e expressá-la em termos do conhecimento racional limitado (Nicolau de Cusa); e o da "ignorância crítica" que descreve a finitude da razão como delimitação da área do conhecimento na qual o homem conhece apenas seu mundo, a totalidade dos fenômenos que aparecem a ele e que constituem sua experiência atual, mas não pode romper os limites da sua finitude e alcançar o eterno; nem tampouco pode romper os limites da causalidade, espaço e substância para alcançar a causa primeira, o espaço absoluto e a substância universal (Immanuel Kant).
O caminho da razão é científico e técnico e se fundamenta no "experimental" (testado), enquanto que o conhecimento da revelação está alicerçado no "experiencial" (vivenciado). O primeiro segue o método da especulação; o segundo, o da análise sistemática do revelado. Pela razão o homem utiliza-se do conhecimento natural construído pelo próprio homem; pela revelação o homem recorre à fé e ao conhecimento adquirido pelos poderes do espírito, de origem sobrenatural.
1.       Teorias racionais sobre a existência de Deus
1.1.    Argumento ontológico
Este argumento tem base em duas proposições:
A primeira é a de ANSELMO DE CANTERBURY – Em suas obras “Monologium” e “Proslogium”, Anselmo propugna que “aquilo que existe in re é maior que aquilo que existe apenas na mente. Temos a ideia de um Ser infinitamente perfeito, mas existência real está incluída na perfeição infinita. Porque, se existência real é uma perfeição, e se Deus não é de fato existente, então podemos conceber um Ser maior que Deus. Ele declara: "Deus é o ser mais perfeito que se pode conceber; logo tem que existir. Do contrário, poderíamos conceber algo maior que ele..." Esta tese é falha porque se fundamenta numa ideia abstrata e uma ideia abstrata não pode servir de prova para a existência de algo concreto.
Anselmo considerava, a negação da existência de Deus totalmente impossível, diz Hodge[1], pois Deus é a verdade mais elevada, o ser mais elevado, o bem mais elevado, de quem todas as demais verdades e bens são manifestações. Para Anselmo, existência é um atributo da perfeição. Daí deriva-se que a existência dos seres, especialmente o homem, são dotados de uma perfeição relativa, mas não absoluta. A perfeição relativa humana requer uma Perfeição Absoluta que só um ser pode ter: Deus.
Criticando a teoria de Anselmo, Lacueva assim se expressa: “... Prescindindo do contexto em que Anselmo situa este raciocínio, a falácia deste argumento é evidente ao comprovar que Anselmo dá um salto indevido da ordem lógica das ideias (o que podemos conceber) ao ôntico dos seres (o que existe). Numa palavra, respondemos: se Deus existe (é o que se pretende provar), há de ser o mais perfeito possível dos seres, mas o fato de que o concebemos assim não lhe confere o fato de existir”.[2]
A segunda proposição do argumento ontológico é a de DESCARTES – temos a concepção de um ser infinitamente perfeito. Uma vez que somos finitos, a ideia de infinitude não poderia originar-se em nós, nem tampouco de algo em nosso redor. Portanto, tal ideia só pode ter vindo do próprio Deus, cuja existência é uma hipótese necessária.
1.2.    Argumento psicológico
Este argumento, também chamado "Moral", origina-se daquilo que chamamos "Voz da Consciência". A consciência nos intima à observação de uma Lei Moral comum a todos os homens, que se impõe ao indivíduo como uma norma anterior e superior a ele. Toda lei universal superior ao indivíduo implica na existência de um Legislador. A esse Legislador chamamos Deus. Todo ser humano é dotado de consciência; é um ser inteligente; tem personalidade e individualidade distintas dos demais seres humanos. Sua personalidade não reside em seu corpo, mas na sua alma. Corpo e alma são substâncias diferentes que, unidas, formam uma pessoa. Pode-se dizer que o ego de cada um de nós habita no corpo e é completamente diferente dele.
Mas, como se explica a existência dessa essência imaterial, racional e invisível a que chamamos alma? Sabemos que ela não é eterna; sua existência tem início. Isto significa que a causa de sua existência está fora dela. Cada criança gerada e nascida é uma nova alma que vem a existir. Cada alma humana tem seu início de existência e, como não é matéria corruptível, a continuidade de sua existência não depende da referida matéria. É convicção geral da humanidade que a mente não pode ser produto da matéria. A matéria inerte e sem vida própria não cria, não gera, nada produz por si mesma. Desta forma, como nossa mente não é auto-existente nem eterna, concluímos que sua origem está em um Ser Supremo dotado de imensurável poder e inteligência: Deus.
1.3.    Argumento cosmológico
O argumento cosmológico tem origem em Tomás de Aquino. Sua proposição parte da existência do mundo. “Tudo que existe é contingente” (isto é, não tem em si mesmo a razão de sua existência; do contrário, não poderia deixar de existir). “Portanto, é necessária, em última instância, a existência de um ser que tenha em si mesmo a razão do seu existir e que pode trazer à existência todos os seres que não existem por si mesmos. A esse ser necessário chamamos Deus”. [3]
Em outras palavras, Tomas de Aquino quer frisar que tudo que existe tem uma causa; assim sendo, o universo também tem uma causa adequada. Essa causa da existência do universo chamamos Deus. Tal argumento, por si só, não produz convicção, pois, segundo Hume, a lei da causa e efeito é questionável. Kant argumenta que se tudo que existe tem uma causa, isto também deve se aplicar a Deus.
B. P. Bowne argumentou que o universo material aparece como um sistema interativo e, portanto, como uma unidade que consiste de várias partes. Daí, é necessário que exista um Agente Integrante que veicule a interação das várias partes ou constitua a base da existência delas [4].
Hodge argumenta que o mundo é um efeito e a prova disso é que tudo que o compõe é dependente mutável. Portanto, não pode ser auto-existente nem eterno. Uma totalidade não pode ser diferente em essência de suas partes constituintes. Outrossim, uma série infinita de efeitos não pode ser auto-existente. Portanto, devido às leis da nossa natureza racional, há que se pressupor a existência de uma causa auto-existente, isto é, um ser munido de poder adequado para produzir este mundo.
1.4.    Argumento geológico
Hodge expõe tal argumento da seguinte forma:
Os geólogos, como uma classe, concordam quanto aos seguintes fatos: Que os genera existentes de plantas e animais que habitam nossa terra começaram sua existência dentro de um período comparativamente curto na história de nosso globo. Que nem a experiência, nem a ciência, nem os fatos, nem a razão justificam a pretensão da geração espontânea. Ou seja, não existe evidência de que algum organismo vivo seja permanentemente produzido por meras causas físicas. Todo organismo como tal ou é imediatamente oriundo, ou deriva de algum outro organismo vivo já em existência. Gênero e espécie são permanentes. Um nunca avança em outro. Um peixe nunca se converte numa ave, ou uma ave num quadrúpede [...] Se tais princípios são aceitos, segue-se que todas as plantas e animais existentes sobre a terra tiveram um começo. E, se tiveram um começo, foram criados; e, portanto, deve existir um Criador. [5]
1.5.    Argumento teleológico
Este argumento é assim chamado, porque se baseia na causalidade final. (Teleologia – do grego "teleíos", no fim, final + "logos", discurso, palavra = estudo da finalidade, doutrina que considera o mundo como um sistema de relações entre meios e fins. Seus argumentos relacionam um fato com sua causa final).
Tal argumento procede assim: "O universo apresenta uma ordem e uma esquisita adaptação progressiva dos sujeitos aos objetos, dos órgãos às suas funções, dos meios aos fins. Isto supõe a existência de uma Inteligência anterior e superior ao mundo que tem programado tal ordem; do contrário, tudo que existe seria um absurdo produto do azar".[6]
Sem dúvida, para um cientista não crente, este argumento carece de força convincente porque:
Primeiro, todo processo evolutivo poderia ser explicado mediante uma dialética de mútua adaptação entre o ser e o seu meio em determinadas circunstâncias que hão permitido o salto do inorgânico para o orgânico, da matéria para a vida...
Em segundo lugar, porque tal escala cósmica poderia explicar-se com a existência de uma causa imanente como "alma do mundo", sem identificação possível com o verdadeiro Deus. Hodge apresenta tal argumento declarando que "um desígnio pressupõe um designador. Por toda parte o mundo exibe marcas de desígnio. Portanto, o mundo deve sua existência a um autor inteligente".[7] Um desígnio requer três elementos fundamentais: um fim ou propósito, meios para alcançá-lo e o emprego de tais meios para que se alcance e se concretize. Por esta razão, todo desígnio é produto de uma inteligência e só um ser inteligente tem intenções e propósito.
No que se refere à inteligência, a mente impregnada nas páginas de um livro, por exemplo, não é própria do livro, mas do seu autor. A memória inteligente de uma calculadora não é própria dela, mas do seu fabricante. Da mesma forma, a mente manifestada na estrutura das plantas e dos animais também não está nelas, mas naquele que lhes deu a origem primária. Em última análise, a mente (ou inteligência) que se percebe no mundo deve estar num ser distinto dele.
Cícero, em sua obra De Natura Deorum, diz que é impossível que um mundo bem ordenado pudesse ser formado pela concorrência fortuita dos átomos, como se um livro pudesse ser composto simplesmente amontoando-se letras ao acaso. Comentando tal citação, Trendelenburg diz: “Talvez seja mais difícil pressupor que, pela cega combinação de elementos e forças químicas e físicas, mesmo algum dos órgãos do corpo pudesse ser formado – o olho, por exemplo, tão nítido, penetrante e todo-vidente, - muito menos a harmoniosa união de órgãos que compõem o corpo, do que um livro ser feito no acaso, espalhando letras e mais letras”.[8]
No que se refere à ordem lógica de todas as coisas que compõem o universo, esta segue um padrão, um conjunto de leis estáveis, não estabelecidas pelas próprias coisas que compõem o universo. Tais leis mantêm não só a harmonia do todo, como também estabelecem e especificam a finalidade da existência de cada ser. Assim sendo, as leis da natureza não foram estabelecidas pelos seres que a constituem, mas por um agente externo inteligente que produziu tudo que existe para um determinado fim, de acordo com seus desígnios. Este agente não é outro, senão, Deus.
1.6.    Argumento histórico
Todos os povos, dentre os mais antigos que já foram identificados, têm crido, com raríssimas exceções, na existência de um Ser Supremo, Criador do Universo, como única explicação possível para os fenômenos naturais da meteorologia, da fertilidade, etc. É certo que, em muitos casos, o politeísmo tem obscurecido a crença em um único Deus, mas não a tem suprimido.
As investigações mais imparciais têm demonstrado, com suficiente evidência, que o monoteísmo é anterior ao politeísmo. Tal argumento pode ser usado como fundamento para admitir-se ter havido um relacionamento entre o homem e um Ser Superior que o antecedeu ou que o tenha originado.
2.       Teoria bíblica sobre a existência de Deus
Partindo do pressuposto básico de que a Bíblia é, como disse Karl Barth, o testemunho da revelação de Deus, então nela há de se achar o caminho da fé que nos leve à comprovação da realidade do ser de Deus. No entanto, necessário é que se faça uma distinção entre a revelação e a própria Bíblia. Entendemos que a Bíblia é o registro humano do que Deus revelou de si mesmo aos que originalmente foram as testemunhas diretas dessa revelação. Assim sendo, a Bíblia deve ser encarada como “uma palavra humana relativa à revelação”, e esta revelação, por sua vez, consiste na “substância dessa palavra humana”.[9]
A realidade da revelação não só pressupõe, mas confirma a realidade do Ser Supremo que se revelou. Nisto reside a autoridade das Escrituras para responder com credibilidade à indagação humana a respeito da existência de Deus. Assim sendo, ela é a única fonte de conhecimento do homem sobre o ser e a obra de Deus. Não há, em toda a Bíblia, uma teoria intencionalmente formulada sobre a existência de Deus. A Bíblia não faz nenhum esforço para demonstrar a existência de Deus; ela simplesmente a pressupõe.
A mentalidade semita que deu origem à Bíblia não se ajusta às abstrações lógicas, mas se expõe de forma sumamente prática e concreta, inclinada a fixar as ideias em atos, os sentidos em símbolos, as normas em atitudes. Por isso, as Escrituras não começam com uma exposição teórica, mas com um ato, uma atividade de Deus: “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1).
As Escrituras corroboram com o argumento teleológico do desígnio. O Antigo Testamento apela para o céu e para a terra como que revelando o Ser e as perfeições de Deus. O apóstolo Paulo diz que o Deus vivo, que criou céu e terra, bem como o mar e tudo o que nele há não ficou sem testemunha (At 14.15-17). Ele demonstrou aos atenienses a natureza de Deus à luz de suas obras e de nossa relação com ele como sua geração (At 17.23-31).
Para os romanos ele disse que o eterno poder e a eterna deidade do Ser Supremo são claramente percebidos, estando subentendidos nas coisas criadas (Rm 1.20). Mas, apesar de todas essas declarações, é notório o fato de que a Bíblia não manifesta propositalmente a intenção de provar a existência de Deus; não se esforça, através de argumentos racionais, para alcançar tal propósito, pois ela não é um produto do raciocínio filosófico humano, não é um manual da metafísica; ela é o registro da revelação de Deus ao homem e declara ser fruto da inspiração divina (2Tm 3:16; 2Pe 2:20-21).
Nas Escrituras, Deus não é visto como um objeto de análise por parte do homem ao alcance de nossa mente a quem se possa ir por meio de intuições ou raciocínios; pelo contrário, Deus é descrito como um ser que sai ao encontro do homem ao qual se revela e lhe dá capacidade para penetrar no espaço divino com os olhos da fé. Encontra-se com frequência na Bíblia a expressão "ver Deus face a face" (Gn 32:30; Ex 33:11; Nm 14:14; Dt 5:4; 34:10; 1Co 13:12). Todo o contexto dessas expressões, dentro de seu peculiar estilo literário, indica que se trata de uma "comunhão familiar com Deus" de cuja presença amistosa e protetora se desfruta.[10] Apesar disso, está claro na Palavra de Deus, como em Ex 33:18-23, que nenhum mortal está apto a ter uma visão objetiva de Deus. Pelo contrário, a Bíblia testifica que "ninguém jamais viu a Deus" (Jo 1:18). Em 1Tm 6:16, Paulo assegura que Deus "habita em luz inacessível a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver".
"Diz o insensato no seu coração: não há Deus" (Sl 14:1; 53:1). No que diz respeito a tal afirmação, a Bíblia considera insensatez a descrença em Deus. Tal declaração não se constitui em si mesmo uma prova da existência de Deus, pois os autores bíblicos não intentavam com seus escritos apresentar argumentos teológicos como provas da existência divina, mas registrar com fidelidade e clareza os atos de Deus pelos quais tem se revelado na história.
Nas Escrituras, Deus é um ser transcendente que se revelou ao homem, dando-se a conhecer como criador, sustentador e redentor de toda a sua criação, que jamais foi visto por alguém, mas que comprovou sua existência através dos seus atos milagrosos, manifestando sua glória e seu poder.  A revelação é um fenômeno espiritual e exige fé. Sem ela não se pode conhecer a Deus.
Diante de tal concepção, temos uma questão a levantar: A fé é um conhecimento? O fato de que o crente consegue saber sobre Deus por meio da fé não quer dizer que a fé seja algo que resulta de uma instrução irracional, isto é, de um cego pressentimento da obscuridade. A fé não nos mostra Deus racionalmente, mas nos faz concebê-lo razoavelmente. A fé também consiste num ato vital de nossa faculdade mental e, portanto, é um conhecimento desenvolvido pela percepção espiritual estimulada pela revelação divina. Andamos por fé e não por vista (2Co 5.7). Desta forma, tudo que conhecemos por meio da fé não se pode obter pelo empirismo que se prende aos fenômenos sensoriais. A fé, segundo nos diz o autor de Hebreus, é a base de sustentação das coisas que esperamos e argumento convincente das coisas que não vemos (Hb 11.1).
O autor da Epístola aos Hebreus escreve: "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus, creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam" (Hb. 11:6). É certo que o escritor não está querendo aqui convencer os leitores de que Deus existe e sim, explicar o conceito de fé. Fé, segundo ele, "é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem" (Hb. 11:1). Isto, portanto, nos leva a concluir que a existência de Deus não é algo que o homem comprove cientificamente, pois Deus não é perceptível sensorialmente; mas que aquele que crê em Deus, mesmo que não o veja, terá, ao aproximar-se dele, a prova cabal de sua existência.





[1] CHARLES HODGE op. cit. p. 153.


[2] FRANCISCO LACUEVA. Curso de formacion teológica evangélica. Vol. 2. p. 33.


[3] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 33.


[4] BERKHOF, L. op. cit. p. 28.


[5] HODGE, Charles. op. cit. p. 159.


[6] FRANCISCO LACUEVA. op. cit.


[7] HODGE, Charles. op. cit. p. 162.


[8] HODGE. Ibdem, p. 170.


[9] BARTH, Karl. Conceito dialético de revelação. Artigo publicado por Júlio Andrade Ferreira em Antologia Teológica, São Paulo: Fonde Editorial, 2005, p. 60.


[10] LACUEVA, Francisco. Curso de formacion teológica evangélica. Tomo II, p. 37.

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