Pr. José Vidigal Queirós
Introdução
Na busca ansiosa pelas provas da
existência de Deus o homem percorreu dois caminhos: o da razão e o da
revelação. Pelo caminho da razão o homem chegou aos limites do seu potencial
crítico e desembocou em frustrações que o levaram a negar ou manter uma atitude
de completa indiferença com respeito à existência de Deus. Pelo caminho da
revelação o homem procurou formular seu conhecimento de Deus, utilizando-se das
Escrituras como fonte principal de informação e dos poderes do espírito
instrumentalizados pela fé.
A finitude da razão humana não
permite ao homem penetrar no infinito e desvendar seus mistérios. Segundo
Berkhof, aqui há duas correntes de pensamento: o da "docta
ignorantia" (a "ignorância culta") que admite a realidade do
transcendental e infinito, mas reconhece também sua incapacidade de
compreendê-la e expressá-la em termos do conhecimento racional limitado
(Nicolau de Cusa); e o da "ignorância crítica" que descreve a
finitude da razão como delimitação da área do conhecimento na qual o homem
conhece apenas seu mundo, a totalidade dos fenômenos que aparecem a ele e que
constituem sua experiência atual, mas não pode romper os limites da sua
finitude e alcançar o eterno; nem tampouco pode romper os limites da
causalidade, espaço e substância para alcançar a causa primeira, o espaço
absoluto e a substância universal (Immanuel Kant).
O caminho da razão é científico e
técnico e se fundamenta no "experimental" (testado), enquanto que o
conhecimento da revelação está alicerçado no "experiencial"
(vivenciado). O primeiro segue o método da especulação; o segundo, o da análise
sistemática do revelado. Pela razão o homem utiliza-se do conhecimento natural
construído pelo próprio homem; pela revelação o homem recorre à fé e ao
conhecimento adquirido pelos poderes do espírito, de origem sobrenatural.
1. Teorias racionais sobre a existência de
Deus
1.1. Argumento ontológico
Este argumento tem base em duas
proposições:
A primeira é a de ANSELMO DE
CANTERBURY – Em suas obras “Monologium” e “Proslogium”, Anselmo propugna que “aquilo
que existe in re é maior que aquilo
que existe apenas na mente. Temos a ideia de um Ser infinitamente perfeito, mas
existência real está incluída na perfeição infinita. Porque, se existência real
é uma perfeição, e se Deus não é de fato existente, então podemos conceber um
Ser maior que Deus. Ele declara: "Deus é o ser mais perfeito que se pode
conceber; logo tem que existir. Do contrário, poderíamos conceber algo maior
que ele..." Esta tese é falha porque se fundamenta numa ideia abstrata e
uma ideia abstrata não pode servir de prova para a existência de algo concreto.
Anselmo considerava, a negação da
existência de Deus totalmente impossível, diz Hodge[1],
pois Deus é a verdade mais elevada, o ser mais elevado, o bem mais elevado, de
quem todas as demais verdades e bens são manifestações. Para Anselmo,
existência é um atributo da perfeição. Daí deriva-se que a existência dos
seres, especialmente o homem, são dotados de uma perfeição relativa, mas não absoluta. A perfeição relativa humana
requer uma Perfeição Absoluta que só
um ser pode ter: Deus.
Criticando a teoria de Anselmo,
Lacueva assim se expressa: “... Prescindindo do contexto em que Anselmo situa
este raciocínio, a falácia deste argumento é evidente ao comprovar que Anselmo
dá um salto indevido da ordem lógica
das ideias (o que podemos conceber) ao ôntico
dos seres (o que existe). Numa palavra, respondemos: se Deus existe (é o que se
pretende provar), há de ser o mais perfeito possível dos seres, mas o fato de
que o concebemos assim não lhe confere o fato de existir”.[2]
A segunda proposição do argumento
ontológico é a de DESCARTES – temos a concepção de um ser infinitamente
perfeito. Uma vez que somos finitos, a ideia de infinitude não poderia
originar-se em nós, nem tampouco de algo em nosso redor. Portanto, tal ideia só
pode ter vindo do próprio Deus, cuja existência é uma hipótese necessária.
1.2. Argumento psicológico
Este argumento, também chamado
"Moral", origina-se daquilo que chamamos "Voz da
Consciência". A consciência nos intima à observação de uma Lei Moral comum
a todos os homens, que se impõe ao indivíduo como uma norma anterior e superior
a ele. Toda lei universal superior ao indivíduo implica na existência de um
Legislador. A esse Legislador chamamos Deus. Todo ser humano é dotado de
consciência; é um ser inteligente; tem personalidade e individualidade
distintas dos demais seres humanos. Sua personalidade não reside em seu corpo,
mas na sua alma. Corpo e alma são substâncias diferentes que, unidas, formam
uma pessoa. Pode-se dizer que o ego de cada um de nós habita no corpo e é completamente
diferente dele.
Mas, como se explica a existência
dessa essência imaterial, racional e invisível a que chamamos alma? Sabemos que
ela não é eterna; sua existência tem início. Isto significa que a causa de sua
existência está fora dela. Cada criança gerada e nascida é uma nova alma que
vem a existir. Cada alma humana tem seu início de existência e, como não é
matéria corruptível, a continuidade de sua existência não depende da referida
matéria. É convicção geral da humanidade que a mente não pode ser produto da
matéria. A matéria inerte e sem vida própria não cria, não gera, nada produz
por si mesma. Desta forma, como nossa mente não é auto-existente nem eterna,
concluímos que sua origem está em um Ser Supremo dotado de imensurável poder e
inteligência: Deus.
1.3. Argumento cosmológico
O argumento cosmológico tem
origem em Tomás de Aquino. Sua proposição parte da existência do mundo. “Tudo
que existe é contingente” (isto é, não tem em si mesmo a razão de sua
existência; do contrário, não poderia deixar de existir). “Portanto, é
necessária, em última instância, a existência de um ser que tenha em si mesmo a
razão do seu existir e que pode trazer à existência todos os seres que não
existem por si mesmos. A esse ser necessário chamamos Deus”. [3]
Em outras palavras, Tomas de
Aquino quer frisar que tudo que existe tem uma causa; assim sendo, o universo
também tem uma causa adequada. Essa causa da existência do universo chamamos
Deus. Tal argumento, por si só, não produz convicção, pois, segundo Hume, a lei
da causa e efeito é questionável. Kant argumenta que se tudo que existe tem uma
causa, isto também deve se aplicar a Deus.
B. P. Bowne argumentou que o universo material aparece como
um sistema interativo e, portanto, como uma unidade que consiste de várias
partes. Daí, é necessário que exista um Agente Integrante que veicule a
interação das várias partes ou constitua a base da existência delas [4].
Hodge argumenta que o mundo é um
efeito e a prova disso é que tudo que o compõe é dependente mutável. Portanto,
não pode ser auto-existente nem eterno. Uma totalidade não pode ser diferente
em essência de suas partes constituintes. Outrossim, uma série infinita de
efeitos não pode ser auto-existente. Portanto, devido às leis da nossa natureza
racional, há que se pressupor a existência de uma causa auto-existente, isto é,
um ser munido de poder adequado para produzir este mundo.
1.4. Argumento geológico
Hodge expõe tal argumento da
seguinte forma:
Os geólogos, como uma classe,
concordam quanto aos seguintes fatos: Que os genera existentes de plantas e
animais que habitam nossa terra começaram sua existência dentro de um período
comparativamente curto na história de nosso globo. Que nem a experiência, nem a
ciência, nem os fatos, nem a razão justificam a pretensão da geração espontânea.
Ou seja, não existe evidência de que algum organismo vivo seja permanentemente
produzido por meras causas físicas. Todo organismo como tal ou é imediatamente
oriundo, ou deriva de algum outro organismo vivo já em existência. Gênero e
espécie são permanentes. Um nunca avança em outro. Um peixe nunca se converte
numa ave, ou uma ave num quadrúpede [...] Se tais princípios são aceitos,
segue-se que todas as plantas e animais existentes sobre a terra tiveram um
começo. E, se tiveram um começo, foram criados; e, portanto, deve existir um
Criador. [5]
1.5. Argumento teleológico
Este argumento é assim chamado,
porque se baseia na causalidade final. (Teleologia – do grego
"teleíos", no fim, final + "logos", discurso, palavra =
estudo da finalidade, doutrina que considera o mundo como um sistema de
relações entre meios e fins. Seus argumentos relacionam um fato com sua causa
final).
Tal argumento procede assim:
"O universo apresenta uma ordem e uma esquisita adaptação progressiva dos
sujeitos aos objetos, dos órgãos às suas funções, dos meios aos fins. Isto
supõe a existência de uma Inteligência anterior e superior ao mundo que tem
programado tal ordem; do contrário, tudo que existe seria um absurdo produto do
azar".[6]
Sem dúvida, para um cientista não
crente, este argumento carece de força convincente porque:
Primeiro, todo processo evolutivo poderia ser explicado
mediante uma dialética de mútua adaptação entre o ser e o seu meio em
determinadas circunstâncias que hão permitido o salto do inorgânico para o
orgânico, da matéria para a vida...
Em segundo lugar, porque tal
escala cósmica poderia explicar-se com a existência de uma causa imanente como
"alma do mundo", sem identificação possível com o verdadeiro Deus. Hodge
apresenta tal argumento declarando que "um desígnio pressupõe um
designador. Por toda parte o mundo exibe marcas de desígnio. Portanto, o mundo
deve sua existência a um autor inteligente".[7]
Um desígnio requer três elementos fundamentais: um fim ou propósito, meios para
alcançá-lo e o emprego de tais meios para que se alcance e se concretize. Por
esta razão, todo desígnio é produto de uma inteligência e só um ser inteligente
tem intenções e propósito.
No que se refere à inteligência,
a mente impregnada nas páginas de um livro, por exemplo, não é própria do
livro, mas do seu autor. A memória inteligente de uma calculadora não é própria
dela, mas do seu fabricante. Da mesma forma, a mente manifestada na estrutura
das plantas e dos animais também não está nelas, mas naquele que lhes deu a
origem primária. Em última análise, a mente (ou inteligência) que se percebe no
mundo deve estar num ser distinto dele.
Cícero, em sua obra De Natura Deorum, diz que é impossível
que um mundo bem ordenado pudesse ser formado pela concorrência fortuita dos
átomos, como se um livro pudesse ser composto simplesmente amontoando-se letras
ao acaso. Comentando tal citação, Trendelenburg diz: “Talvez seja mais difícil
pressupor que, pela cega combinação de elementos e forças químicas e físicas,
mesmo algum dos órgãos do corpo pudesse ser formado – o olho, por exemplo, tão
nítido, penetrante e todo-vidente, - muito menos a harmoniosa união de órgãos
que compõem o corpo, do que um livro ser feito no acaso, espalhando letras e
mais letras”.[8]
No que se refere à ordem lógica
de todas as coisas que compõem o universo, esta segue um padrão, um conjunto de
leis estáveis, não estabelecidas pelas próprias coisas que compõem o universo.
Tais leis mantêm não só a harmonia do todo, como também estabelecem e
especificam a finalidade da existência de cada ser. Assim sendo, as leis da
natureza não foram estabelecidas pelos seres que a constituem, mas por um
agente externo inteligente que produziu tudo que existe para um determinado
fim, de acordo com seus desígnios. Este agente não é outro, senão, Deus.
1.6. Argumento histórico
Todos os povos, dentre os mais
antigos que já foram identificados, têm crido, com raríssimas exceções, na
existência de um Ser Supremo, Criador do Universo, como única explicação
possível para os fenômenos naturais da meteorologia, da fertilidade, etc. É
certo que, em muitos casos, o politeísmo tem obscurecido a crença em um único
Deus, mas não a tem suprimido.
As investigações mais imparciais
têm demonstrado, com suficiente evidência, que o monoteísmo é anterior ao
politeísmo. Tal argumento pode ser usado como fundamento para admitir-se ter
havido um relacionamento entre o homem e um Ser Superior que o antecedeu ou que
o tenha originado.
2. Teoria bíblica sobre a existência de Deus
Partindo do pressuposto básico de
que a Bíblia é, como disse Karl Barth, o testemunho
da revelação de Deus, então nela há de se achar o caminho da fé que nos
leve à comprovação da realidade do ser de Deus. No entanto, necessário é que se
faça uma distinção entre a revelação e a própria Bíblia. Entendemos que a
Bíblia é o registro humano do que Deus revelou de si mesmo
aos que originalmente foram as testemunhas
diretas dessa revelação. Assim sendo,
a Bíblia deve ser encarada como “uma palavra
humana relativa à revelação”, e esta revelação, por sua vez, consiste na “substância dessa palavra humana”.[9]
A realidade da revelação não só
pressupõe, mas confirma a realidade
do Ser Supremo que se revelou. Nisto
reside a autoridade das Escrituras para responder com credibilidade à indagação
humana a respeito da existência de Deus. Assim sendo, ela é a única fonte de
conhecimento do homem sobre o ser e a obra de Deus. Não há, em toda a Bíblia,
uma teoria intencionalmente formulada
sobre a existência de Deus. A Bíblia não faz nenhum esforço para demonstrar a existência de Deus; ela
simplesmente a pressupõe.
A mentalidade semita que deu
origem à Bíblia não se ajusta às abstrações lógicas, mas se expõe de forma
sumamente prática e concreta, inclinada a fixar as ideias em atos, os sentidos
em símbolos, as normas em atitudes. Por isso, as Escrituras não começam com uma
exposição teórica, mas com um ato,
uma atividade de Deus: “No princípio criou Deus os céus e a terra”
(Gn 1.1).
As Escrituras corroboram com o
argumento teleológico do desígnio. O Antigo Testamento apela para o céu e para
a terra como que revelando o Ser e as perfeições de Deus. O apóstolo Paulo diz
que o Deus vivo, que criou céu e terra, bem como o mar e tudo o que nele há não
ficou sem testemunha (At 14.15-17). Ele demonstrou aos atenienses a natureza de
Deus à luz de suas obras e de nossa relação com ele como sua geração (At
17.23-31).
Para os romanos ele disse que o
eterno poder e a eterna deidade do Ser Supremo são claramente percebidos,
estando subentendidos nas coisas criadas (Rm 1.20). Mas, apesar de todas essas
declarações, é notório o fato de que a Bíblia não manifesta propositalmente a intenção de provar a
existência de Deus; não se esforça, através de argumentos racionais, para
alcançar tal propósito, pois ela não é um produto do raciocínio filosófico
humano, não é um manual da metafísica; ela é o registro da revelação de Deus ao
homem e declara ser fruto da inspiração divina (2Tm 3:16; 2Pe 2:20-21).
Nas Escrituras, Deus não é visto
como um objeto de análise por parte do homem ao alcance de nossa mente a quem
se possa ir por meio de intuições ou raciocínios; pelo contrário, Deus é
descrito como um ser que sai ao encontro do homem ao qual se revela e lhe dá
capacidade para penetrar no espaço divino com os olhos da fé. Encontra-se com
frequência na Bíblia a expressão "ver Deus face a face" (Gn 32:30; Ex
33:11; Nm 14:14; Dt 5:4; 34:10; 1Co 13:12). Todo o contexto dessas expressões,
dentro de seu peculiar estilo literário, indica que se trata de uma
"comunhão familiar com Deus" de cuja presença amistosa e protetora se
desfruta.[10]
Apesar disso, está claro na Palavra de Deus, como em Ex 33:18-23, que nenhum
mortal está apto a ter uma visão objetiva de Deus. Pelo contrário, a Bíblia
testifica que "ninguém jamais viu a Deus" (Jo 1:18). Em 1Tm 6:16, Paulo
assegura que Deus "habita em luz
inacessível a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver".
"Diz o insensato no seu coração: não há Deus" (Sl 14:1;
53:1). No que diz respeito a tal afirmação, a Bíblia considera insensatez a
descrença em Deus. Tal declaração não se constitui em si mesmo uma prova da
existência de Deus, pois os autores bíblicos não intentavam com seus escritos
apresentar argumentos teológicos como provas da existência divina, mas
registrar com fidelidade e clareza os atos de Deus pelos quais tem se revelado
na história.
Nas Escrituras, Deus é um ser
transcendente que se revelou ao homem, dando-se a conhecer como criador,
sustentador e redentor de toda a sua criação, que jamais foi visto por alguém,
mas que comprovou sua existência através dos seus atos milagrosos, manifestando
sua glória e seu poder. A revelação é um
fenômeno espiritual e exige fé. Sem ela não se pode conhecer a Deus.
Diante de tal concepção, temos
uma questão a levantar: A fé é um conhecimento? O fato de que o crente consegue
saber sobre Deus por meio da fé não quer dizer que a fé seja algo que resulta
de uma instrução irracional, isto é, de um cego pressentimento da obscuridade.
A fé não nos mostra Deus racionalmente,
mas nos faz concebê-lo razoavelmente.
A fé também consiste num ato vital de nossa faculdade mental e, portanto, é um
conhecimento desenvolvido pela percepção
espiritual estimulada pela revelação
divina. Andamos por fé e não por vista (2Co 5.7). Desta forma, tudo que
conhecemos por meio da fé não se pode obter pelo empirismo que se prende aos
fenômenos sensoriais. A fé, segundo nos diz o autor de Hebreus, é a base de sustentação das coisas que
esperamos e argumento convincente das
coisas que não vemos (Hb 11.1).
O autor da Epístola aos Hebreus
escreve: "De fato, sem fé é
impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de
Deus, creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam" (Hb.
11:6). É certo que o escritor não está querendo aqui convencer os leitores de
que Deus existe e sim, explicar o conceito de fé. Fé, segundo ele, "é a certeza de coisas que se esperam,
a convicção de fatos que não se veem" (Hb. 11:1). Isto, portanto, nos
leva a concluir que a existência de Deus não é algo que o homem comprove
cientificamente, pois Deus não é perceptível sensorialmente; mas que aquele que
crê em Deus, mesmo que não o veja, terá, ao aproximar-se dele, a prova cabal de
sua existência.
[9] BARTH, Karl. Conceito dialético de revelação. Artigo publicado por Júlio Andrade Ferreira em
Antologia Teológica, São Paulo: Fonde Editorial, 2005, p. 60.
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