28 de outubro de 2013

TEONTOLOGIA - CAPÍTULO IV - O SER DE DEUS

Pr. José Vidigal Queirós

Introdução
"Ser" é um termo que denota a ideia de tudo aquilo que possui existência real e substancial. Todo ser possui sustância ou essência. Em sua natureza, Deus é uma essência imaterial não perceptível sensorialmente e que, nas Escrituras, tem o nome de Espírito. Cremos que a essência do ser de Deus é a mesma substância da alma humana dotada de incorruptibilidade, existência eterna e de dimensões tais que o espaço não pode contê-lo. Ao falar de Deus, Jesus o descreve como um ser pessoal, (Jo 6.35); espírito (Jo 4.24); sem forma (Jo 5.37); invisível (Jo 5.37; cf. Jo 1.18) e eterno (Jo 17.5, 24).
     Referindo-se à natureza de Deus, Hodge[1] diz que, sendo inerentemente infinita, a essência divina é eterna e imutável e que a ela “pertencem certas perfeições reveladas a nós” que denominamos atributos. Isto não significa que devamos conceber Deus como um ser composto de vários elementos ou como um ser de múltiplas facetas ou personalidades. Deus é um ser perfeitamente íntegro.

1. A personalidade de Deus
     Deus é um ser moral e racional. As Escrituras o revelam como um ser pessoal inteligente. Naturalmente, diz Berkhof, “é da maior importância sustentar a verdade da personalidade de Deus, pois, sem ela não pode haver religião no real sentido da palavra: nem oração, nem comunhão pessoal, nem entrega confiante, nem confiante esperança”.[2] Uma vez que o homem foi criado à imagem de Deus, então, em consequência disso, há uma similaridade entre Deus e o homem. Tal similaridade diz respeito ao ser de Deus como pessoa. Assim sendo, há em Deus aquelas faculdades e elementos constitutivos da personalidade em grau infinito e perfeito que no homem são encontradas em sua natureza imperfeita. Isto não significa que podemos ter um conhecimento e conceito de Deus a partir do homem. O que se pretende afirmar é que, sendo o homem pessoa portadora da imagem divina, inevitavelmente, Deus é um ser pessoal.
     Os antropomorfismos do Antigo Testamento (p. ex.: 2Cr 16.9; Is 59.1; Is 58.14) não são expressões de uma imaginária natureza corpórea divina, mas uma forma do próprio homem compreender e aceitar a ideia de que Deus é capaz de “fazer precisamente aquelas coisas que são funções da parte física do homem”. [3] Esclarecendo sobre o uso dos antropomorfismos no Antigo Testamento, o Dr. J. J. Van Oosterzee declarou: “O homem pode falar de Deus somente de um modo humano; e, se a nossa natureza é verdadeiramente relacionada à de Deus, como podemos conceber algo dele sem o componente de uma única característica derivada de nós próprios?” E prossegue seu comentário dizendo: “Essa é a importância profunda das palavras de Jacobi: ‘Ao criar o homem Deus teomorfizou; portanto, necessariamente o homem antropomorfiza’”. [4]
   Há três elementos constituintes da personalidade: intelecto, sensibilidade e vontade. Chafer opina que o intelecto deve dirigir, a sensibilidade deve desejar e a vontade deve determinar a direção dos fins racionais. As Escrituras dão testemunho dos poderes mentais e da ciência divina, da sensibilidade e do desígnio do Criador “que faz todas as coisas conforme o conselho de sua vontade” (Ef 1.11). Embora criados à semelhança de Deus, somos diferentes em um ponto: o homem é unipessoal; Deus é um ser tripessoal. A ideia de perfeição necessita de um referencial para que se perceba seu nível ou estágio. Sendo Deus o referencial, a personalidade humana pode ser comparada com a de Deus a fim de que sejam identificadas as imperfeições humanas.
   Com relação a Deus, isso não acontece, porque as três pessoas que constituem o ser único de Deus são iguais. Uma vez que a personalidade humana não se desenvolve nem existe isolada, mas comente associada a outras pessoas, assim também a personalidade de Deus está integrada nas três pessoas e a elas interassociada, mas em grau de perfeição absoluta, sem necessidade de mudança.

2. A identidade de Deus
     Como Deus se identifica? Na concepção dos judeus, uma pessoa é definida pelo seu nome (Fp 2.9-10). A Bíblia nos diz que Deus é santo, justo, misericordioso, é amor, etc. Nesta gama de perfeições ou atributos, é que se refrata o ser de Deus, único e puro, como a cor branca do espectro solar por meio de um prisma. “Nossa mente humana só concebe estes atributos em separado, como se fossem qualidades diversas de um mesmo ser, mas todos eles se fundem harmonicamente no ser de Deus. Assim, nele o amor é santo e justo como a justiça é santa e amorosa, etc.”. [5] Mas que definição Deus tem dado de si mesmo?
     Em sua revelação a Moisés, quando este lhe pediu um nome que o identificasse, Deus se apresenta como um Ser, cuja existência e natureza não podem ser descritas com exatidão por meio de palavras. Por isso, identificou-se como "EU SOU O QUE SOU" (Ex. 3:14). Esta expressão é mais que um nome pelo qual Deus se identificou. Não tem um conteúdo abstrato ou metafísico, mas é A MANIFESTAÇÃO ATIVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS.
   Segundo o texto hebraico e de acordo com os melhores comentaristas de origem judaica, a expressão “EU SOU O QUE SOU” que define o ser de Deus, não foi corretamente interpretada pelos tradutores da Septuaginta, da Vulgata Latina e da Bíblia das Testemunhas de Jeová.
     A expressão hebraica אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה (Ehyeh asher ehyeh) - Eu sou o que sou - tem o verbo no imperfeito. Deve-se considerar que, no hebraico, só há duas concepções de ação no tempo dos verbos: o perfeito, que expressa uma ação já concluída; e o imperfeito, que indica uma ação ainda por terminar, isto é, não acabada. Em nada, isso tem a ver com o nosso “pretérito”. No hebraico, uma ação ou já foi concluída ou ainda continua. Desta forma, o imperfeito אֶהְיֶה “ehyeh” designa a ideia do que Deus é e haverá de continuar sendo tudo aquilo que, até então, tem sido continuamente. Portanto, a existência eterna, sem fim, de Deus só se pode enunciar no imperfeito.
    A Septuaginta traduz אֶהְיֶה “ehyeh” por “ho on” (particípio presente) e a Vulgata por “qui est”, em vez de “ego sum” ou “ego ero” (“eu sou” ou “eu serei”). O futuro é improvável, pois implica numa ação que ainda não teve início. Por isso, o texto hebraico sugere que “אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה ehyeh asher ehyeh” signifique que tudo o que Deus é, desde a eternidade, e ainda é hoje, haverá de ser eternamente: auto-existente e imutável. “Eu sou o que sou” é a manifestação ativa da existência de Deus.
Independente do que já foi dito, existem outras formas de se compreender o significado desta expressão hebraica. Há três conceitos que os modernos comentaristas (judeus e cristãos) apresentam da referida expressão registrada no livro de Êxodo:
a) Deus é um SER INEFÁVEL (que não pode ser expresso por palavras). Portanto, não há palavras que possam expressar o que Deus é em toda a sua plenitude. Um nome não o define nem o identifica.
b) Deus EXISTE POR SI MESMO – tem em si mesmo a fonte do "Ser", da vida e do poder. Por isso, tem sido sempre e será ETERNO, isto é, existe sem depender da existência de outro ser. Deus tem em si mesmo a razão de sua própria existência.
c) Deus é um SER IMUTÁVEL – não existem mutações em sua natureza nem mesmo em seu caráter; sua eterna fidelidade a si mesmo e ao homem jamais o fará desistir dos seus intentos e do seu plano redentivo. Este é sempre o ato seguro divino em sua relação com o homem ainda que se desconheça o modo.

3. Os nomes de Deus
     No mundo antigo o nome de uma pessoa era usado tanto para distingui-la das outras pessoas como também para indicar e descrever sua natureza e seu caráter. Como pessoa que é, Deus é invocado pelo homem e, segundo as Escrituras, isto deve se realizar de acordo com alguns propósitos definidos:
a) Para reconhecimento da soberania de Deus (Ex. 9:16);
b) Para atrair a benevolência e a bênção de Deus (Ex. 20:24; Nm. 6:24-27);
c) Para alcançar de Deus a salvação (Jl 2:32; Rm. 10:13);
d) Para louvor e adoração a Deus (Sl. 5:11; 7:17; 8:1).

3.1.  Os nomes de Deus segundo o Antigo Testamento
a) אֵל  (EL) – nome usado entre os povos semíticos da antiguidade. Seu significado perdeu-se no tempo. Supostamente significa "Ser Forte" ou "Ser Poderoso". Tal nome é genérico e era utilizado para designar um deus qualquer ou os espíritos que, na crença popular, se associavam com objetos, tais como árvores, pedras e lugares. Em Gn. 33:20, usa-se EL como o nome de Deus associado ao altar levantado por Jacó. "Levantou ali um altar e chamou-lhe אֵל אֱלֹהֵי יִשְׂרָאֵל (EL-ELOHEI-ISRAEL" (EL, o Deus de Israel). Em Gn. 28:18 em diante o nome אֵל (EL) é associado com a pedra do altar, que é designada por Bethel (Casa de Deus).
b)  עוֹלָם אֵל (EL ‘OLAM) – significa Deus Eterno. O vocábulo עוֹלָם “’olam” tem vários significados: 1) um tempo oculto do qual não se conhece princípio nem fim. Neste sentido se aplica a Deus para designar sua eternidade. 2) Significa “a eternidade”, como em Ec 3.11, no sentido de algo secreto e inescrutável. El ‘Olam é o Deus Eterno e Transcendental.
c)  אֱלֹהִים (ELOHIM) – é o nome hebraico usado no Velho Testamento para expressar simplesmente a ideia de divindade (Gn. 1:1). Este nome está no plural para designar majestade e poder e sempre é usado com o verbo no singular em referência a um único ser. Sua forma no singular ELOACH é usada na poesia.
d)  אֵל עֶלְיוֹן (EL-ELYON) – o nome עֶלְיוֹן  Elyon é derivado de עלה (‘Alah) que quer dizer "subir, ser elevado" e designa Deus como um Ser Exaltado, "O Altíssimo" (Gn. 14:19-20; Nm. 24:16; Is. 14:14). Este nome é encontrado especialmente na poesia.
OBSERVAÇÃO: Os nomes EL e ELOHIM não podem ser reconhecidos como nomes de Deus, pois tais expressões são, em várias passagens bíblicas, utilizadas com as seguintes referências: a) Para designar deuses ou ídolos (Gn 35:2; Sl 95:3; 96:5);  b) Com referências a homens especiais (Ex. 21:6; Sl. 82:1);  c) Para designar governantes (Ex. 21:6; Sl. 82:1).
e) אֵל שַׁדַּי (SHADDAI, EL-SHADDAI) – o nome Shaddai deriva-se de "shadad", que quer dizer "ser poderoso". A combinação de EL (Ser Forte, Ser Poderoso) com SHADDAI intensifica o atributo de poder da pessoa de Deus que se identifica como Deus Todo-Poderoso e Soberano do universo.
f)  hwhy (YAHWEH) – este é o nome sagrado e distintivo de Deus no Velho Testamento. Tal pronúncia é derivada da transliteração do tetragrama hebraico יהוה para o grego "iaoué" (tradução de Clemente de Alexandria) ou "iabé" (tradução de Teodoreto). A verdadeira pronúncia perdeu-se no tempo, pois os hebreus com medo de quebrarem o terceiro mandamento (Ex. 20:7) e sofrerem a pena de morte prevista em Lv 24:16, não pronunciavam o nome de Deus, conforme escrito no tetragrama יהוה. Na leitura da Tôrah, tal nome era trocado por ADONAI, que significa "Senhor".
hwhy (Yahweh) é o nome pelo qual Deus quis ser identificado. Quando se revelou a Moisés no monte Horebe (Ex 3:1-6), Deus apresentou-se assim: "Eu sou o Deus (אֱלֹהֵי Elohey) de teu pai..." (v. 6). A pedido de Moisés (v. 13), Deus se identificou como "EU SOU O QUE SOU" ('ehyeh 'asher 'ehyeh) e acrescentou: "Assim dirás aos filhos de Israel: YAHWEH, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me enviou a vós; ESSE É O MEU NOME ETERNAMENTE" (vv. 14-15).
Em Ex. 6:2-3, Deus afirma: "Eu sou Yahweh. Apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó como אֵל EL (Deus, Ser Divino) שַׁדַּי SHADDAI (Todo –Poderoso); mas pelo meu nome YAHWEH não lhes fui conhecido".
g)  אֱלֹהִים hwhy (YAHWEH-ELOHIM) – Javé Deus (Gn 2.4) que identifica Javé com o Deus que criou os céus e a terra.
h) אֲדֹנָי יֱהוִה (ADONAI-YAHWEH) – combinação que aparece em Gn 15.2 para designar o caráter de Senhor Bondoso e Poderoso que Deus tem.

OBSERVAÇÃO:
Combinações de Yahweh com outros substantivos ou verbos adjetivados formam títulos atribuídos a Deus como segue:
a) יהוה ירה (Yahweh-Yir'eh), o Senhor provê (Gn. 22:8 e 14).
b) יהוה נסי (Yahweh-Nissi), o Senhor é minha bandeira (Ex. 17:15).
c) יהוה שלום (Yahweh-Shalom), o Senhor é paz (Jz. 6:24).
d) יהוה צדקנו (Yahweh-Tsidkenu), o Senhor (é) nossa justiça (Jr. 23:6; 33:16).
e) יהוה שמה (Yahweh-Shammah), o Senhor está ali (Ez. 48:35).
f)  צְבָאוֹתhwhy (Yahweh-Tsebaoth), o Senhor dos Exércitos (1Sm. 17:45).
g) רֹפְאֶךָ hwhy (Yahweh-Rafah), Deus cura (Êx 15.26).
h) רעה hwhy (Yahweh-Ra’ah), Deus é meu pastor = יְהוָה רֹעִי  (Sl 23.1).


O TERMO "JEOVÁ" NA BÍBLIA SAGRADA

Comissão de Tradução, Revisão e Consulta da Sociedade Bíblica do Brasil

Ninguém sabe, ao certo, como se pronuncia יהוה YHVH, o tetragrama, designação das quatro consoantes que compõem o nome do Deus de Israel. É que em algum tempo antes da era cristã, para não sujarem com lábios humanos o nome do seu Deus, os israelitas deixaram de pronunciá-lo, e assim as vogais desse nome foram esquecidas. Por ocasião da leitura pública dos rolos nas sinagogas, ao chegar ao nome יהוה, uma nota marginal dizia: "Está escrito, mas não se lê." E ali mesmo era indicada a palavra que deveria ser lida: "Leia-se אֲדֹנָי ADONAI”.
O texto pré-massorético do Antigo Testamento só tinha consoantes; as vogais eram transmitidas através dos séculos pela tradição. Só no sexto ou sétimo século dC é que os massoretas colocaram vogais no texto hebraico. A palavra יהוה, então, era escrita com as vogais do título אֲדֹנָי, e a palavra אֲדֹנָי era falada quando ocorria יהוה.
Acontece, também, que em algumas passagens do Antigo Testamento o título אֲדֹנָי (Senhor) vem seguido do tetragrama יהוה, que nesse caso é pontuado com as vogais de אֱלֹהִים (Deus), resultando na forma יְהוִֹה (IEHOVIH) (JEOVI), como, por exemplo, em Sl 73.28 Is 50.4 Ez 3.11,27 Zc 9.14. Ou resultando na formaיְהוִה  (IEHVIH), que ocorre, por exemplo, em Is 25.8; Jr 2.22; Am 1.8; Ob 1.1; Mq 1.1; Sf 1.7. E em vinte e cinco passagens ocorre uma quarta forma de se expressar o nome do Deus de Israel, e isso por meio do monossílabo YAH (JÁ), que é a primeira sílaba de YAHVEH (JAVÉ).
A Petrus Galatinus (mais ou menos 1520 dC) atribui-se a fusão, pela primeira vez, das consoantes יהוה com as vogais de אֲדֹנָי (ADONAY). Koehler-Baumgartner fala de 1200 dC. Dessa fusão surgiu um nome híbrido:יְהוָה  YeHoVaH (Jeová). Esse não é, portanto, o nome do Deus de Israel. O Jerome Biblical Commentary chama "Jeová" de um "não-nome" (77.11), e o Interpreter’s Dictionary of the Bible o chama de "nome artificial" (s. v. Jehovah). O Lexicon in Veteris Testamenti Libros, de Koehler-Baumgartner (s. v. YHVH), chama a grafia "Jeová" de "errada" e defende como "correta e original" a pronúncia "Yahveh".
Alguém poderia perguntar por que a primeira vogal de ADONAY, um "A," se tornou um "E." É que a palavra אֲדֹנָי (ADONAY) começa com uma gutural, um a (álefe), e sob a gutural uma vogal esvaída deve ser um shevá composto. Ao se colocar essa mesma vogal esvaída sob uma consoante não-gutural, ela passa a ser um shevá simples, que se representa na transliteração por um "e" suspenso. No caso, sob o iode y (Y) coloca-se a vogal "e": "Ye".
No Antigo Testamento traduzido por João Ferreira de Almeida e publicado em dois volumes quase sessenta anos após sua morte (1748 e 1753), é empregada a forma JEHOVAH onde no texto hebraico aparece hwhy (YHVH). Almeida fez isso baseado na tradução espanhola feita por Reina-Valera (1602). Na Almeida conhecida como Revista e Corrigida (RC), lançada em 1898 e que ainda hoje é usada, a comissão revisora substituiu יְהוָֹה  JEHOVAH por "Senhor" nas passagens em que esse nome ocorre, menos naquelas em que está junto com אֲדֹנָי ADONAY (Senhor), e em algumas poucas passagens esparsas. Nessas ocorrências a RC conservou JEHOVAH. Veja-se, por exemplo, Is 61.1: "O Espírito do Senhor -רוּחַ אֲדֹנָי יְהוִה  - está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu" (RC). Este último SENHOR também é, no texto hebraico, hwhy (YHVH).
O costume de usar "SENHOR" para indicar hwhy YHVH começou com a Septuaginta, a primeira tradução do Antigo Testamento, a qual foi feita entre 285 e 150 aC. O texto hebraico foi traduzido em Alexandria para a língua grega. Nesse texto os tradutores da Septuaginta reduziram a escrito uma tradição oral das sinagogas, onde geralmente se lia אֲדֹנָי "ADONAY" (Senhor) toda vez que ocorria o nome YHVH. Essa foi a Bíblia de Jesus, dos apóstolos e da Igreja Primitiva.
Seguindo o costume que começou com a Septuaginta, a grande maioria das Bíblias emprega o título "SENHOR" (com maiúsculas) como correspondente de יהוה (YHVH). O título "Senhor" (com minúsculas) é tradução da palavra אדן (ADON), que em hebraico quer dizer "senhor" ou "dono." No Novo Testamento "Senhor" traduz a palavra grega KURIOS, que quer dizer "senhor" ou "dono".
Jesus não usou o termo "Jeová." Por exemplo, citando o Antigo Testamento em Dt 6.13, em que apareceיהוה  (YHVH), ele disse: "Ao Senhor (Kurios) adorarás." {Mt 4.10} Tiago não fala de "Jeová." Discursando em Jerusalém {At 15.17} ele disse: "o Senhor, que faz todas estas coisas," e isso é citação de Am 9.12, que tem YHVH como sujeito da ação. Paulo também não usa "Jeová": em Rm 4.8, ele escreveu "Senhor," citando Sl 32.2, que tem יהוה  (YHVH).
São duas as razões que levaram os eruditos bíblicos a usarem a forma "Javé" como a mais provável para designar, em português, o nome do Deus de Israel יהוה (YHVH). A primeira é de ordem gramatical e a outra, de ordem documentária.
Primeiro, a de ordem gramatical. De acordo com Êx 3.14, Deus se apresentou a Israel como AQUELE QUE É, o Deus absoluto e imutável. A forma Javé (Yahveh, em hebraico), corresponde ao verbo ‘ehyeh, repetido em Êx 3.14: EU SOU QUEM SOU (BLH). O verbo está no imperfeito, que em hebraico, por ser um verbo lâmede-he, termina com a vogal e. O verbo "ser" aqui é הָיָה hayah (com iode), que em sua forma arcaica era הוא havah (com vave).
A Bíblia de Jerusalém em português transliterou esse nome de Deus e o grafou assim: Iahweh. Em inglês, a BJ traz Yahweh, cujo h médio os americanos pronunciam com ligeira aspiração. Essa última forma é comum na literatura bíblico-teológica em inglês. Observe-se que em Êx 3.14 o verbo está grafado ‘ehyeh, sendo que a vírgula suspensa significa que em hebraico há ali uma letra álefe, que indica a primeira pessoa: EU SOU. Já o iode inicial indica terceira pessoa: AQUELE QUE É (Yahweh).
Um fato que indica ser a vogal da primeira sílaba de hwhy (YHVH) é a forma abreviada desse nome, que é grafada Yah (Ja). Essa abreviação de hwhy (YHVH) ocorre vinte e cinco vezes no Antigo Testamento. A American Standard Version (1901), matriz da Versão Brasileira, nessas passagens põe "Jehovah" no texto, mas na margem há nota, assim: "hebraico: Jah." Ver, por exemplo, Êx 15.2 e Sl 104.35. Nessa última passagem aparece a frase cúltica "Hallelu-Yah" (Aleluia). Ver também a nota da Bíblia de Estudo de Almeida nessas duas passagens.
Como é que Yahweh se tornou Javé em português? Primeiro, o iode (Y) inicial hebraico dá j em português (como em Yoseph - José). Segundo, o h inicial e final caem porque não soam em português. Terceiro, o w passa a ser v, que é como transliteramos em português a letra vave. E aí temos Javé.
Agora a razão de ordem documentária. Teodoreto, pai da Igreja, da escola de Antioquia, falecido em 457 dC, afirma que os samaritanos, que tinham o Pentateuco em comum com os judeus como Escritura Sagrada, pronunciavam o nome de Deus assim: Iabé (trocando o v pelo b). Clemente, da escola de Alexandria, falecido antes de 216 dC, transliterava "a palavra de quatro letras" por Iaoué. Também os papiros mágicos egípcios, que são do final do terceiro século dC, dão como corrente a pronúncia acima referida, a de Teodoreto. Finalmente, convém notar que em duas traduções modernas da Bíblia está correta a vocalização de hwhy ((((YHVH). Uma delas é a Bíblia de Jerusalém, que traz Yahweh (inglês e português), Yahvé (francês), Yahvéh (espanhol) e Jahwe (alemão).
A Bíblia da LEB (Edições Loyola, 1989) usa o nome "Javé" como transliteração de hwhy (YHVH). Em Gn 2.1, parte da nota explicativa diz: "Aqui aparece pela primeira vez o sacrossanto Nome de JAVÉ (hwhy), cujo sentido na tradição bíblica é "AQUELE-QUE-É." (...) Hoje o Tetragrama Sagrado, que se pronuncia em hebreu Yahweh, está devidamente implantado na língua portuguesa em sua forma correta, que é JAVÉ." E acrescentamos, forma dicionarizada: ver o Dicionário Aurélio e o Dicionário Michaelis, s. v. JAVÉ.

3.2.     Os nomes de Deus segundo o Novo Testamento
a) Theos – é o nome que corresponde ao hebraico El e Elohim. No que se refere ao nome hebraico Elyon, no grego o termo equivalente é Hypsistos Theos (Lc. 1:32, 35, 75; At. 7:48; 16:17; Hb. 7:1). Os nomes Shaddai e El Shaddai foram traduzidos por Pantokrator e Theos Pantokrator (2Co. 6:18; Ap. 1:8; 4:8; 11:17; 15:3; 16:7, 14).
b) Kyrios – este é o nome que traduziu Adonai (Senhor) e que, por sua vez, substituiu o nome Yahweh não pronunciado pelos judeus. O nome grego Kyrios (derivado de kyros = poder) designa Deus como o Poderoso, Senhor, o Possuidor, o Governador que tem poder e autoridade legal. Tal nome é empregado tanto para referir-se a Deus como para identificar o Cristo como Senhor sobre tudo e todos.
c) Pater – nome utilizado para identificar Deus com a pessoa do Pai na trindade, mas também, e principalmente, com o Deus Criador (1Co 8:6; Ef. 3:15; Hb. 12:9; Tg 1:18). A identificação de Deus como Pai não é exclusiva do Novo Testamento. Há diversas passagens do Velho Testamento que descrevem a pessoa de Deus como Pai (Dt. 32:6; Sl. 103:13; Is. 63:16; 64:8; Jr. 3:4, 19; 31:9; Ml 1:6; 2:10).




[1] HODGE, C. op. cit. p.278.
[2] BERKHOF, L. op. cit. p. 86.
[3] L. S. CHAFER. op. cit. vol. 1 e 2, p. 208.
[4] L. S. CHAFER. op. cit. vol. 1 e 2, p. 209.
[5] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. 52.



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