Introdução
Em 1974, em Lausanne, Suíça, ocorreu o mais
importante evento eclesiástico do século XX: o Primeiro Congresso Internacional
de Evangelização mundial. A igreja propunha reafirmar sua vocação e visualizar
os desafios da evangelização de todo o mundo. As teses dos oradores convergiram
para o tema da Missão Integral.
O Congresso de Lausanne, na Suíça, produziu
nos cristãos um impacto de tão grandes proporções que os participantes, dentre
as mais renomadas denominações ali representadas, firmaram um pacto, onde ficou
descrita a visão missionária da igreja no mundo atual. É neste contexto
histórico que a concepção de Missão Integral torna-se algo bem maior que um
simples conceito teológico.
A Igreja assumiu uma postura e uma imagem
perante o mundo de agente transformador,
para exercer sua influência no contexto em que atua. O conceito de
evangelização estende-se para além da tarefa de ganhar almas; constitui-se numa estratégia divina de salvação integral
que culmina na transformação de vidas que se submetam ao senhorio de Jesus
Cristo e à soberania de Deus, para o exercício da missão cristã no mundo.
A Missão Integral da Igreja, portanto, é
reconhecida como a tarefa de levar o
evangelho todo a todos os homens (de todas as etnias) e ao homem todo. A
igreja precisa reconhecer que tem no mundo uma responsabilidade de caráter
social que, no exercício de sua missão, jamais deve estar divorciada da
evangelização. Outrossim, a igreja deve reconhecer que tem uma função política
através da qual educa os cidadãos da pátria
celestial a exercerem sua cidadania terreal no uso responsável de sua
liberdade, defendendo o direito e a justiça, prestando assistência aos
desamparados e contribuindo para o estabelecimento da ordem social.
Não se concebe mais a idéia de evangelização
ou de missão sem levar em conta o homem como um todo e o contexto em que ele
está inserido. René Padilla, um dos oradores do congresso, considerou que “o
contexto no qual se evangeliza é tão importante quanto qualquer outra coisa, ao
se decidir acerca do significado do evangelho para aquele mesmo contexto”.[1] Isto
significa que a evangelização não pode estar alienada da realidade. Por esta
razão, a Missão Integral da Igreja está alicerçada sobre três pilares:
a) O
compromisso com todo o desígnio de Deus;
b) O
alcance de cada ser humano em sua totalidade;
c) A
transformação social do contexto em que a pessoa vive.
Missão Integral implica na contextualização
do evangelho. Isto quer dizer que a mensagem proclamada deve atender às
necessidades, às inquietações e aspirações prementes da pessoa humana, em todas
as áreas de sua vida e do contexto em que vive. A concepção de Missão Integral
deve também reafirmar as seguintes convicções:
a) O compromisso
com a autoridade das Escrituras;
b) Sem
Cristo, todo ser humano está perdido e sem esperança de salvação;
c) Só há
salvação em Jesus Cristo;
d) O
testemunho cristão engloba a proclamação e as obras.
“A fé sem obras é morta. A fonte da salvação
é a graça. O terreno é a expiação. O meio é a fé. A evidência são as obras”
disse Billy Graham no referido Congresso de Lausanne.[2]
Evangelização não pode estar dissociada da responsabilidade social. A ação
social é a aliada inseparável da evangelização. Mas aqui há o risco de se
cometer três erros, como disse Billy Graham: “O primeiro é negar que tenhamos
qualquer responsabilidade social como cristãos [...] O segundo erro é permitir
que a preocupação de ordem social absorva todo o nosso tempo, tornando-se nossa
única missão [...] O terceiro erro consiste na identificação do Evangelho com
algum programa político ou cultural particular”. [3]
1. A Identidade
Missionária da Igreja
(1Pe 2.9)
O conceito de missão eclesiástica deriva do
atributo do apostolado da igreja. De acordo com 1Pe 2.9, a igreja tem uma identidade e uma vocação missionária que podem ser expressas nos seguintes termos:
1.1.
A igreja é a GERAÇÃO dos ELEITOS de Deus
“Vós sois a raça eleita” é a declaração de
Pedro que identifica a igreja como uma comunidade
de regenerados. Ela é a segunda raça,
a nova criação (2Co 5.17), a nova
humanidade (Ef 4.24; Cl 3.10), onde
estão congregados todos os filhos de Deus, os nascidos de Deus pela ação do
Espírito. Todos estes regenerados estão eleitos
e tal eleição implica em vocação. Deus os gerou e os elegeu para um
serviço sagrado: a missão.
1.2.
A igreja é a comunidade SACERDOTAL que
promove o reino
“O sacerdócio real”, que literalmente
significa o reino constituído por aqueles
que exercem o ofício de sacerdote, denota o exercício de um duplo ofício: o
sacerdotal, pelo qual os santos na
igreja exercem, sob a liderança de Cristo como Sumo Sacerdote (Hb 4.14), a mediação entre o mundo e Deus; e o real, pelo qual a igreja se constitui em
agência do reino dos céus no mundo
das nações.
“Os dois ofícios de rei e sacerdote eram
zelosamente conservados um separado do outro em Israel (cfr. 2Cr 26.16-21), mas
em Cristo eles dois se combinam. Cristo é sacerdote entronizado rei (Zc 6.13) e
todos quantos O seguem são reis e sacerdotes para Deus. Tudo quanto o sacerdote
era nos tempos do Velho Testamento, em sua relação com Deus e os homens, o
cristão deve ser na sua coletividade e na sua vida individual".[4]
A igreja é uma comunidade de sacerdotes que reconhece Jesus como seu Sumo
Sacerdote (Hb 4.14; 5.9-10; 6.20; 9.11). Cristo exerce sua mediação entre Deus
e o homem (1Tm 2.5) por meio da igreja como a agência executora de sua vontade
soberana no mundo. Sua representatividade é definida pela forma como os regenerados
são designados como “embaixadores de Cristo” (2Co 5.20) e, ao mesmo tempo, incumbidos
da missão de reconciliar o mundo com Deus. Neste sentido, a igreja é instância da autoridade divina no mundo.
1.3.
A igreja é a comunidade dos SANTOS constituídos
em nação
A expressão
“nação santa”
(eynov agion) denota a idéia de que os santos foram constituídos em nova nação.
Isto significa que
Deus, a semelhança
do que fez com
Israel na aliança do Antigo Testamento (cf. Ex 19.5), constituiu a igreja, a qual
é o novo povo
santo, em
uma nova nação
inserida no mundo das nações. O termo
também conota a nova cidadania dos santos, cuja “pátria está nos
céus” (Fp 3.20; Ef 2.19; 1Pe 2.11).
A expressão “povo adquirido” (laov eiv
peripoihsin = povo de possessão) denota a idéia de resgate, portanto, a igreja
é o povo resgatado, isto é, um preço foi pago pela sua liberdade
(1Co 6.20; 7.23). Assim sendo, a igreja se tornou o “povo de propriedade
exclusiva de Deus” (1Pe 2.9), que uma vez liberto do cativeiro do pecado e do
“império das trevas” foi transportado para “o reino do Filho amado de Deus” (Cl
1.13).
A implicação disso é que todos os santos são
constituídos em cidadãos do reino divino,
o qual foi estabelecido por Cristo aqui na terra (cfr. Ap 5.9-10). Por isso, os cristãos vivem e agem no mundo segundo
os valores do reino celeste. São agentes
divinos que exercem sua nova
cidadania através da missão de promover, xpandir e consolidar o reino de
Deus entre os homens.
Como súditos do reino e “embaixadores de
Cristo” no mundo das nações (2Co 5.20), os santos são porta-vozes oficiais de
Deus e de Cristo no mundo, incumbidos da missão de reconciliar o mundo com
Deus, proclamando “as grandezas daquele que os chamou das trevas para sua
maravilhosa luz” (1Pe 2.9).
2. Conceito de Missão
A identidade
missionária da igreja é designada por sua natureza apostólica. Como disse
Johannes B. Blauw, “não existe nenhuma outra igreja senão a igreja enviada ao mundo e não há outra missão a
não ser a da Igreja de Cristo”.[5]
A apostolicidade é
o mais relevante atributo missiológico da igreja. Dele deriva o conceito de
missão expresso por Warneck: “Por missão cristã entendemos a atividade conjunta
da cristandade, buscando a implantação e a organização da igreja cristã entre
os não-cristãos. Tal atividade denomina-se missão, pois baseia-se na força do envio do chefe da igreja cristã, é
realizada por emissários (apóstolos,
missionários) e seu objetivo será atingido assim que não seja mais necessário
outro envio”.[6]
Para John Stott,
Missão
quer dizer atividade divina que emerge da própria natureza de Deus. Ora, o Deus
vivo da Bíblia é um Deus que envia; eis aí, portanto, o significado da palavra.
Ele enviou seus profetas a Israel, e enviou o seu Filho ao mundo. Este, por sua
vez, enviou os apóstolos, os setenta e a igreja. Enviou também o Espírito Santo
à igreja e hoje o envia aos nossos corações. Assim, a missão da igreja resulta
da própria missão de Deus, e nela tem de ser modelada. ‘Assim como o Pai me
enviou’, disse Jesus, ‘também vos envio a vós’ (Jo 20.21; cf. 17.18).
A continuar...
[1] René
PADILLA. Missão integral, pp. 7, 8.
[2] Billy
GRAHAM. A missão da igreja no mundo de
hoje, p. 21.
[3] Billy GRAHAM. Ibdem, pp. 22, 23.
[4] F. Davidson. O novo comentário da
bíblia, p. 1408.
[5] Johannes
B. BLAUW. A natureza missionária da
igreja, p. 122.
[6] Gustavo
WARNECK, citado por Karl Muller em sua obra Teologia da Missão, 1995, p. 39.
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