28 de outubro de 2013

O PERFIL DO HOMEM ÍNTEGRO


Pr. José Vidigal Queirós

“Senhor, quem habitará no teu santuário? Quem poderá morar no teu santo monte? Aquele que é íntegro em sua conduta e pratica o que é justo, que de coração fala a verdade e não usa a língua para difamar, que nenhum mal faz ao seu semelhante e não lança calúnia contra o seu próximo, que rejeita quem merece desprezo, mas honra os que temem ao Senhor, que mantém a sua palavra, mesmo quando sai prejudicado, que não empresta o seu dinheiro visando lucro nem aceita suborno contra o inocente. Quem assim procede nunca será abalado!” (NVI, Salmos 15.1-5).


Introdução
Integridade, segundo as Escrituras, significa inteireza, completude, ou ainda, perfeição. Portanto, perfeito ou íntegro é o homem completo, isto é, aquele que, pesado na balança divina, não é achado em falta. Embora pecador, seu coração é reto e seu caráter retrata o padrão ético da excelência. É neste sentido que Davi responde à questão que ele mesmo levanta a Deus: “Quem, Senhor, habitará no teu tabernáculo?” Podemos reformular esta pergunta nos seguintes termos: Qual o perfil do homem que Deus aceita como hóspede de honra?
Neste salmo, o rei Davi enumera valores éticos que ele julgava ser os ideais de Deus para o homem piedoso. Para ele, o padrão ético do piedoso é a integridade. Ele acreditava que o caráter de um homem íntegro é medido pela excelência de sua conduta. Neste salmo, encontramos cinco valores éticos que definem o perfil de um homem íntegro:

1. Prática da justiça“pratica o que é justo” (v. 2)
JUSTIÇA – “Qualidade que leva os cristãos a agirem corretamente, de acordo com os mandamentos de Deus” (DBA). Portanto, justiça é o parâmetro pelo qual Deus mede nossa conduta. Por isso, justo é aquele que não tem pendências com a lei, cujas mãos estão lavadas na inocência. JUSTIÇA é o valor ético de maior relevância do reino de Deus (Mt 5. 20; 6.33). Praticamos a justiça quando nossos atos primam pela prevalência do direito e da dignidade humana, mesmo quando corremos risco de vida (Mt 5.10; 1Pe 3.14).

2. Compromisso com a verdade – “de coração fala a verdade” (v. 2)
A verdade é o meio mais eficaz de se promover a justiça – “O que diz a verdade manifesta a justiça...” (Pv 12.17). Eis a razão pela qual a “língua mentirosa” e a “testemunha falsa que profere mentiras” estão na lista das sete maiores abominações (Pv 6.16-19). A verdade é o parâmetro aferidor da autenticidade de nossa adoração. Foi isso que declarou Jesus: “Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores” (Jo 4.23-24). A verdade é o recurso mais eficaz que usamos em defesa da honra – “Porque nada podemos contra a verdade, senão em favor da própria verdade” (2Co 13.8). A verdade é um dos componentes da “armadura de Deus” que usamos na luta contra as forças espirituais do mal (Ef 6.14).

3. Respeito à dignidade humana – “não usa a língua para difamar... não lança calúnia contra o seu próximo” (v. 3).
Difamação e calúnia constituem-se no assassínio do caráter. Por esta razão, os íntegros erguem-se como protetores da reputação dos que andam em retidão; são inimigos de quem usa a língua para destruir a reputação dos outros. A maledicência é a arma diabólica mais poderosa para destruir a paz e a unidade na igreja. Dizem que “Pessoas importantes discutem ideias. Pessoas comuns falam de coisas simples. Pessoas medíocres falam de pessoas”.

4.  Honra – “mantém a sua palavra” (v.4)
Para os homens de palavra, sua honra vale mais que a própria vida; e é por isso que cumprem a palavra custe o que custar. A palavra empenhada constitui-se numa obrigação moral. É uma promessa que compromete a honra. Não manter a palavra constitui-se um ato de perfídia (faltar à fé jurada) que faz do pérfido uma pessoa infame, destituída de honra e crédito. Não cumprir a palavra é enganar os homens e mentir a Deus. Para os homens de palavra, a honra não tem preço; é um bem moral de valor inestimável. Na balança da decisão, os homens de palavra optam pela preservação de sua honra, mesmo com risco da própria vida.
Em um dos filmes épicos que assisti, onde os principais personagens eram cavaleiros medievais, há uma cena em que um menino, dialogando com seu pai, fez uma pergunta intrigante: “Papai, o que é honra?” O pai, surpreso com a pergunta, vasculhou sua mente em busca de uma resposta e, orgulhoso do filho, olhou-o nos olhos e respondeu: “Meu filho, honra é algo que se tem ou não tem; é algo que ninguém pede, ninguém dá e ninguém pode tomar”. Não satisfeito, o filho fez outra pergunta: “Como vou saber que tenho honra?” Perplexo com a atitude do filho, de tão tenra idade, respondeu: “Meu filho, você só saberá quando se tornar um homem”. Inquieto com a resposta do pai, o garoto fez outra pergunta: “Todo homem tem honra?” Depois de pensar durante alguns segundos, o pai respondeu: “Um homem deixa ter honra quando ele mesmo a destrói”. O filho foi mais além: “E como um homem destrói sua própria honra?”. Olhando fixamente seu filho, orgulhoso daquele tão pequeno homem, ele respondeu: “Quando um homem não cumpre sua palavra”.

5. Escrúpulo – “não empresta seu dinheiro com usura e não aceita suborno” (v.5)
O que é escrúpulo? Afirmamos que escrúpulo é a virtude que preserva a retidão de caráter de um homem correto em tudo que faz. Escrúpulo é o avesso da trapaça. O trapaceiro é um indivíduo destituído de pudor que ilude os incautos, fazendo uso da mentira e da fraude, a fim de satisfazer sua ambição desenfreada de lucro. Escrúpulo é a virtude de onde flui a força que impede um homem de elevado senso moral envolver-se em negócio sujo.

Conclusão
Vivemos dias difíceis em meio a uma sociedade libertina, onde os valores morais de maior relevância foram relativizados. Muitos de nós, que se dizem cristãos, são motivos de nossa vergonha. Quão triste deve ser o ato de sermos revistados por nossa consciência e achados em falta. A honestidade nos pede que sejamos confrontados com a verdade, para que sejam examinados os nossos atos e avaliado o nosso caráter.
Jamais nos esqueçamos de que o caráter de um homem íntegro é medido pela excelência de sua conduta. Portanto, a integridade de um homem manifesta-se pela sua prática da justiça, pelo seu compromisso com a verdade, pelo seu respeito à dignidade humana, por sua honra ilibada e pela honestidade em tudo que faz. O cristão que assim procede habitará no tabernáculo celeste. Deus seja louvado.





TEONTOLOGIA - CAPÍTULO V - OS ATRIBUTOS ÔNTICOS DE DEUS

 

Pr. José Vidigal Queirós
 
 
Introdução
          A concepção que o homem tem de Deus depende dos atributos que ele reconhece como inerentes ao ser de Deus. Embora restrita pela linguagem humana, a revelação divina registrada nas Escrituras nos dá uma visão real da concretude do ser divino e um perfil de seu caráter como pessoa. Mesmo assim, quaisquer que sejam os termos usados para descrever o ser de Deus, nenhuma definição pode exaurir completamente a ideia da realidade divina. Apesar disso, os filósofos atreveram-se a dar uma definição de Deus pela qual Deus é descrito como “um ser auto-existente em quem a base da realidade do mundo é encontrada”. [1]
          Embora as Escrituras não nos forneçam um conceito explícito de Deus, várias declarações bíblicas expressam verdades insofismáveis atribuídas ao ser, aos atos e a conduta de Deus. Onde a Bíblia fala de Deus, ela se expressa em termos antropomórficos e antropopáticos (do grego antropos = homem + pathos = paixão; antropopatia = atribuição dos sentimentos humanos aos deuses, animais ou objetos). Portanto, somente por meio de seus atributos podemos ter, mesmo de forma limitada, uma concepção real e correta de Deus.

 1.       Conceito de atributo [2]
          Por atributo divino entendemos toda perfeição característica de Deus que a Bíblia nos apresenta como pertencente ao ser divino e capaz de se manifestar a suas criaturas. Estas perfeições são características qualitativas inerentes à própria essência de Deus, que conjuntamente constituem a plenitude do ser divino e que descrevem sua pessoa no que se refere ao que ele é, o que realiza e como se comporta em sua relação com suas criaturas.  Neste ponto temos que ter cuidado com os seguintes extremos:
a)  O Nominalismo – nominalismo, no presente contexto, refere-se ao sistema filosófico segundo o qual as perfeições que a Bíblia atribui a Deus são meros nomes ou meras etiquetas de referência, as quais não correspondem a nenhuma realidade que caracteriza Deus.
b)   O Conceptualismo – o conceptualismo afirma que não se trata de meras etiquetas, mas se conforma em dizer que tais atributos são distintas expressões conceituais de uma só realidade divina. Tais expressões, por terem distintos conceitos entre si, formulam os possíveis e diferentes conceitos do mesmo Deus único e verdadeiro. Os adeptos desta corrente de pensamento ilustram tal pensamento da seguinte forma: "assim como o mesmo sol abranda a cera e endurece o barro, podemos dizer que Deus é uma uniforme e indistinta realidade que só admite variação no modo de concebê-lo sem variedade alguma que afete ao ser de Deus".
c)  O Realismo Exagerado – segundo o qual as perfeições divinas seriam realidades diversas que, todas juntas, formariam a essência de Deus.
Contra todos estes erros, guiados pela mesma Palavra de Deus, afirmamos que os atributos divinos são perfeições distintas entre si, mas de tal maneira afincadas na plenitude única e infinita do ser de Deus, que cada uma delas participa da infinita plenitude desse Ser Divino e nenhuma pode existir nem atuar em oposição entre si nem em separação das demais.

2.       Modos de determinar os atributos de Deus
          No intento de construir uma Teologia Natural, a Teologia Escolástica Medieval propôs três vias para determinar os atributos de Deus:
a)  A Via da Causalidade – pela qual todas as perfeições puras que se encontram nos seres criados hão de ser atribuídas também a Deus, pois o que se encontra em "efeito total" há de encontrar-se na "causa". Assim, tem de haver também em Deus: vida, inteligência, vontade própria, autogoverno, etc., porque as mesmas existem no homem criado.
b)  A Via da Negação – pela qual tais perfeições são atribuídas a Deus sem as limitações e imperfeições que tais qualidades comportam nos seres criados. Por exemplo, nossa vida é efêmera, o que em Deus NÃO pode ser; nossa inteligência necessita do raciocínio, o que NÃO pode dar-se em Deus, que tudo conhece em um só golpe de vista, etc.
c)  A Via da Eminência – pela qual todas as perfeições puras que se encontram nos seres criados devem encontrar-se em Deus de uma maneira substantiva (não acidental) e em grau infinito.

3. Classificação dos atributos de Deus
           Classificar os atributos divinos satisfatoriamente é quase tão difícil como encontrar uma definição do ser divino. Há classificações para todos os gostos: absolutos e relativos, naturais e morais, imanentes e transcendentes, comunicáveis e incomunicáveis. Nenhuma destas classificações parece satisfatória e traz muita reflexão. Na espera de outra melhor propomos a seguinte: ônticos, morais e operativos.
           Com efeito, se Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, podemos rastrear a imagem de Deus através do ser humano. Esta imagem, segundo o Gênesis, consiste em três elementos principais: superioridade (liberdade dominadora), inteligência e retidão. Daí que o homem tenha sua peculiar Ontologia, Psicologia e Ética. Aplicando-o a Deus, podemos investigar em sua palavra três classes de perfeições que nos digam: que é Deus; que faz Deus em sua intimidade e como Deus se comporta. Assim teremos:
  • Que é Deus? (Atributos Ônticos): um, espírito, infinito, auto-existente, imutável.
  • Que faz Deus? (Atributos Operativos): Deus pensa (verdade), Deus quer (amor), Deus pode (poder)
  • Como Deus age? (Atributos Morais): com bondade, com santidade, com justiça.
4. Atributos Ônticos (o que Deus é)
       4.1.    Deus é um
            Os filósofos distinguem três classes de unidade:
a)  Unidade Predicamental (gradual) ou Numérica – é aquela que corresponde a um ser como "um" entre muitos da mesma classe; é o "um" de todas as coisas. Deus carece desta unidade porque Ele é um ser completamente diferente dos demais; por isso, não pode ser um de uma série.
b)  Unidade Transcendental ou Essencial – é aquela pela qual um ser está integrado em si mesmo e diferenciável de qualquer outro. Quanto mais perfeito é um ser, mais perfeitamente integrado se encontra. Deus é a perfeição da unidade de integração pela pura e simples perfeição do seu ser, no qual se fixam substantiva e infinitamente seus atributos. Ele é inigualável em integridade, portanto, é único.
c)   Unidade de Singularidade ou Unicidade – é aquela pela qual um ser é algo único em sua espécie. Ou seja, o ser sozinho forma uma espécie, não havendo outro nem igual nem diferente.
Para compreendermos melhor, façamos o seguinte raciocínio: existem várias espécies de seres e, em cada espécie, há vários seres como, por exemplo, a espécie animal composta de vários tipos de animais tanto semelhantes como diferentes; a espécie vegetal composta de vários tipos de vegetais, etc. Mas a "espécie divina" é composta de apenas um ser: Deus. Neste sentido, dizemos que nosso Deus é único. A unicidade de Deus é confirmada pela Bíblia. O monoteísmo é doutrina fundamental das Escrituras, tanto no Velho Testamento (Dt. 6:4; 32:32; Is. 44:6) como também no Novo (Jo. 5:44; 17:3; 1Co 8:4; Ef. 4:6; 1Tm. 1:17; 2:5; 6:15).

           4.2.    Deus é espírito
Que é um espírito? Para entendermos o que é um espírito e, no caso presente, em que consiste a natureza de Deus, como atributo constitutivo da essência metafísica de Deus, é preciso determinar o sentido do vocábulo, que tem três significados principais:
  • "Fantasma" – a alma dos mortos, como em Lc. 24:37-39;
  • "Vento", "ar" ou "fôlego da vida" (Jo. 3:3-8; Gn. 2:7; Ez. 37:5-10);
  • "Natureza imaterial" que, embora sendo pessoa de concreta existência, não tem composição material e que, em consequência disso, não pode ser vista a olho nu (Jo. 4:24; 1:18; 5:37).
          Os vocábulos "ruach", em hebraico, e "pneuma", em grego, servem para expressar qualquer dos três sentidos citados. Aqui os tomamos unicamente no terceiro deles. Dizer que Deus é Espírito (Jo. 4:24) significa, pois:
  • Que em sua consistência não há matéria, nem figura corpórea; que não admite em si extensão nem composição e que, portanto, é imortal (incorruptível) e invisível (Rm. 1:20; Cl. 1:15; 1Tm 1:17);
  • Que Deus é pessoa, isto é, alguém que se conhece a si mesmo e pode por-se em comunhão com um "tu" e que, embora tenha contato com o mundo material, encontra-se na instância do sobrenatural.
     Por não ter matéria em sua constituição, não contam em Deus partículas que possam desintegrar-se e, portanto, ele é incorruptível (aphthártos, em grego), isto é, não pode se decompor nem deixar de existir; é inextenso (não tem extensão, não pode ser medido) e, consequentemente, é isento das leis e propriedades da matéria, não é perceptível sensorialmente e, portanto, para revelar-se precisou transfigurar-se (teofania).
           De sua natureza incorruptível deriva sua imortalidade (não pode ser extinto). Tal imortalidade não só é natural (propriedade de sua natureza) como também essencial (de sua consistência espiritual). Nosso espírito, por ter sido criado (origem de existência) e para continuar existindo, dependerá sempre da existência e da ação sustentadora de Deus. Por esta razão, nossa imortalidade é condicional e só é real por causa da imortalidade de Deus. Eis a razão pela qual Paulo declara que Deus é o “único que tem imortalidade” (1Tm 6.16).
4.3.    Deus é infinito
Infinito, segundo sua etimologia, equivale a "sem limites". Infinito significa, pois, "não limitado". Há duas classes de infinito:
a)   Potencial ou Matemático, cujo limite se retira indefinidamente como, por exemplo, o quociente obtido pela divisão de 10 por 3 (10/3 = 3,333333...).
b)  Real ou Metafísico que rompe todas as formas de limitação pelas quais um ser se caracteriza como finito.
Um ser pode estar limitado de três maneiras: pela relatividade de sua própria natureza; pelo espaço que ocupa; pelo tempo de sua existência. Nenhum destes limites afeta o ser de Deus. No entanto, há dois atributos de Deus que derivam de sua infinitude: (a) Deus é Imenso, sem espaço que o contenha (1Rs. 8:27; At. 7:48-50; At 17.24); (b) Deus é Eterno, sem tempo de existência que possa ser contado (Sl 90.2,4; 2Pe 3:8).
Precisamente porque Deus é um ser infinitamente perfeito, nenhum intelecto limitado pode compreender-lhe, isto é, abarcar em um conceito limitado o Ser sem limites (Jó 11:7-9; Rm. 11:33). A infinitude de Deus tanto é qualitativa, e não quantitativa, como também intensiva, não extensiva. A falha do Panteísmo propugnado por Baruc Spinoza consiste em que ele confundiu a intensidade qualitativa do Ser de Deus com a extensão quantitativa dos seres e, por esta razão, identificou o mundo com Deus. [3]
A infinitude de Deus pode ser expressa pela ideia de “potencial ilimitado”, no sentido de que não há fronteiras para o conhecimento de Deus nem limites para o seu poder. Em outras palavras, o conhecimento de toda realidade (existência concreta ou potencialidade de existência) é de pleno domínio de Deus; e nenhum fator externo ao ser de Deus bloqueará qualquer ato divino oriundo da vontade soberana de Deus. Sendo Deus um Espírito Infinito, ele transcende todos os limites que o espaço impõe e as estimativas de tempo que se possa imaginar.
Assim sendo, questionamos: Onde Deus habita? Segundo as Escrituras, a resposta é: nos céus. Céus é uma expressão que identifica tudo que não é a terra e que a cerca; isto é, toda a imensidão do “cosmos” tanto visível (universo físico) como invisível (universo espiritual). Quando Jesus, como o Logos divino encarnado, disse: “Eu desci dos céus”, não fez referência a um possível distanciamento geográfico, mas à uma outra dimensão de existência; de uma realidade que, mesmo sendo invisível, pervade o universo físico, enchendo-o por dentro e por fora.
A infinitude de Deus também implica uma imensidão. Imenso é a fórmula "in + menso" que significa "sem medida". Portanto, na imensidão de Deus comporta a sua ONIPRESENÇA. Podemos perguntar: "Onde estava Deus antes que existisse o mundo?" Podemos também responder a esta pergunta da seguinte forma:
a)  A palavra "antes" parece implicar que houve um "antes" quando não existia o tempo; mas na eternidade não cabe um "antes" nem um "depois".
b)  "Antes" que o mundo existisse, Deus não estava "em nenhuma parte", porque ele mesmo era "seu próprio lugar", se é que temos de explicar tal argumento de algum modo inteligível.
Assim como a imensidão de Deus diz respeito ao espaço, a eternidade refere-se ao tempo. Podemos definir a eternidade como "um infindável presente que dura para sempre". No idioma hebraico não há presente; e com muita razão, porque o presente não existe para nós como algo indivisível. Nós dizemos: "como o tempo passa!" Sem dúvida, não é o tempo que passa; nós é que passamos com o desgaste do existir. E não há lógica quando dizemos: "tenho cinquenta anos", quando na verdade esses cinquenta anos já não os temos, porque os temos gastado com o passar de nossa existência.
Ao contrário, a eternidade de Deus é um "perpétuo e pleno presente" que abarca, sobrepassa e coexiste com todos os tempos. Ante a impossibilidade de expressar adequadamente na linguagem humana a eternidade de Deus, a Bíblia Hebraica diz que Deus é "desde o século até o século" (Sl. 90:2). O Novo Testamento em grego o apresenta como "Aquele que é, e que era e que há de vir" (Ap. 1:8). Ver também: Jd. 25; Pv. 8:22 e segs.; 1Co 2:7; Ef 1:4; 3:21; 1Tm 1:17; 6:16; Ap 15:8.
4.4.    Deus é um ser auto-existente
Deus é um ser absoluto. Ele é reconhecido como livre quanto a condição, limitação ou restrição. Nisto consiste a existência autônoma de Deus. Como diz Berkhof, “Ele é a causa sui” (a sua própria causa). Em outras palavras, Deus é absolutamente livre e independente.
O atributo da auto-existência de Deus deriva do nome yahweh pelo qual Ele quis ser invocado por seu povo (Êx. 3.14-15). Em sua revelação a Moisés, Deus se identificou como “EU SOU O QUE SOU” (em hebraico, ‘eyeh ‘asher ‘eyeh). “Eu Sou” (‘eyeh) é usado no versículo 14 como o sujeito da frase “me enviou a vós outros”. Em seguida, no versículo 15, Deus se apresenta como YAHWEH em lugar da expressão ‘eyeh com o mesmo significado, pois a mesma frase anterior é citada novamente. O nome Yahweh designa a realidade eterna e soberana da pessoa de Deus que se autossustenta e autodetermina.
No Novo Testamento, o atributo da existência autônoma de Deus é afirmado através da declaração de Jesus em Jo 5.26: “Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo”.
4.5.    Deus é imutável
Este é um atributo de Deus que deriva de sua auto-existência. “É a perfeição pela qual não há mudança nele, não somente em seu ser, mas também em suas perfeições, em seus propósitos e em suas promessas” (Berkhof). Deus é imune a todo acréscimo ou diminuição, a todo desenvolvimento ou decadência; não sofre alterações. Da perfeição absoluta de Deus deduz-se que é impossível que haja em seu ser mudança progressiva ou regressiva.
Algumas passagens das Escrituras testificam da imutabilidade de Deus:
a) Êxodo 3:14: “Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros”.
b)  Salmos 102:26-28: “Em tempos remotos, lançaste os fundamentos da terra; e os céus são obra das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permaneces; todos eles envelhecerão como uma veste, como roupa os mudarás, e serão mudados. Tu, porém, és sempre o mesmo, e os teus anos jamais terão fim”...
c)  Isaías 48:12: “Dá-me ouvidos, ó Jacó, e tu, ó Israel, a quem chamei; eu sou o mesmo, sou o primeiro e também o último”.
d)  Malaquias 3:6: “Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos”.
e) Romanos 1:23: “... e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis”.
f)  Hebreus 13:8: “Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre”.
g) Tiago 1:17: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança”.
Wayne Grudem atribui a Deus emoções e sentimentos. Ele afirma que “Deus é imutável no seu ser, nas suas perfeições, nos seus propósitos e nas suas promessas; porém, Deus age e sente emoções, e age e sente de modos diversos diante de situações diferentes”.[4] Isto significa que a imutabilidade de Deus não restringe sua diversidade nos motivos e na forma pelos quais Deus age. Deus não muda, mas diversifica seus atos e sua forma de agir em relação aos atos livres humanos. Herman Bavinck, referindo-se à importância da imutabilidade de Deus se expressa da seguinte forma:
A doutrina da imutabilidade de Deus é da mais alta importância para a religião. O contraste entre ser e vir a ser assinala entre o Criador e a criatura. Toda criatura está continuamente vindo a ser. É mutável, vive em constante azáfama, busca repouso e satisfação, e encontra repouso em Deus, e só nele, pois só ele é puro ser e ao vir a ser. Daí nas Escrituras Deus ser muitas vezes chamado a Rocha...[5]
Sendo Deus imutável, como se explica as aparentes mudanças nas intenções de Deus com respeito ao seu povo? Há passagens bíblicas que nos deixam intrigados com respeito às atitudes de Deus que, tendo decidido julgar o seu povo, desiste diante das orações e do arrependimento do povo, apiedando-se e manifestando sua misericórdia. Um exemplo disso é a intervenção de Moisés que intercedeu pelo povo israelita quando Deus já havia pronunciado como sentença a destruição de Israel (Ex 32.9-14). Outro exemplo é o acréscimo de anos de vida ao rei Ezequias (Is 38.1-6). Um terceiro exemplo é o fato de Deus ter voltado atrás na decisão de julgar Nínive por causa do arrependimento dos seus habitantes (Jn 3.4, 10). E o que dizer do arrependimento de Deus por ter criado o homem (Gn 6.6) e por ter constituído Saul como rei de Israel (1Sm 15.10)? A esta questão Grudem responde assim:
Estes exemplos devem todos ser entendidos como expressões verdadeiras da atitude ou intenção presente de Deus diante da situação que existe naquele momento. Se a situação muda, então é claro que a atitude ou expressão de intenção divina irá também mudar. Isto quer dizer que somente Deus reage de modos diversos a situações diferentes [...] Os casos do arrependimento de Deus diante da criação do homem e do fato de ter feito Saul rei também podem ser entendidos como expressões do descontentamento presente de Deus diante da pecaminosidade do homem.[6]



[1] L. S. CHAFER. Teologia sistemática, vol. 1e 2, p. 213.
[2] O conteúdo deste capítulo foi extraído da obra de Francisco Lacueva CURSO DE FORMACIÓN TEOLÓGICA EVANGÉLICA, Tomo II, Um Dios Em Tres Personas. Algumas alterações foram feitas com a inserção de conteúdo de outras fontes citadas nas notas de rodapé.
[3] FRANCISCO LACUEVA. op. cit., p. 79).
[4] WAYNE GRUDEM. Teologia sistemática, p. 111.
[5] GRUDEM. Ibdem. p. 112.
[6] WAYNE GRUDEM. op. cit. p. 113.



TEONTOLOGIA - CAPÍTULO IV - O SER DE DEUS

Pr. José Vidigal Queirós

Introdução
"Ser" é um termo que denota a ideia de tudo aquilo que possui existência real e substancial. Todo ser possui sustância ou essência. Em sua natureza, Deus é uma essência imaterial não perceptível sensorialmente e que, nas Escrituras, tem o nome de Espírito. Cremos que a essência do ser de Deus é a mesma substância da alma humana dotada de incorruptibilidade, existência eterna e de dimensões tais que o espaço não pode contê-lo. Ao falar de Deus, Jesus o descreve como um ser pessoal, (Jo 6.35); espírito (Jo 4.24); sem forma (Jo 5.37); invisível (Jo 5.37; cf. Jo 1.18) e eterno (Jo 17.5, 24).
     Referindo-se à natureza de Deus, Hodge[1] diz que, sendo inerentemente infinita, a essência divina é eterna e imutável e que a ela “pertencem certas perfeições reveladas a nós” que denominamos atributos. Isto não significa que devamos conceber Deus como um ser composto de vários elementos ou como um ser de múltiplas facetas ou personalidades. Deus é um ser perfeitamente íntegro.

1. A personalidade de Deus
     Deus é um ser moral e racional. As Escrituras o revelam como um ser pessoal inteligente. Naturalmente, diz Berkhof, “é da maior importância sustentar a verdade da personalidade de Deus, pois, sem ela não pode haver religião no real sentido da palavra: nem oração, nem comunhão pessoal, nem entrega confiante, nem confiante esperança”.[2] Uma vez que o homem foi criado à imagem de Deus, então, em consequência disso, há uma similaridade entre Deus e o homem. Tal similaridade diz respeito ao ser de Deus como pessoa. Assim sendo, há em Deus aquelas faculdades e elementos constitutivos da personalidade em grau infinito e perfeito que no homem são encontradas em sua natureza imperfeita. Isto não significa que podemos ter um conhecimento e conceito de Deus a partir do homem. O que se pretende afirmar é que, sendo o homem pessoa portadora da imagem divina, inevitavelmente, Deus é um ser pessoal.
     Os antropomorfismos do Antigo Testamento (p. ex.: 2Cr 16.9; Is 59.1; Is 58.14) não são expressões de uma imaginária natureza corpórea divina, mas uma forma do próprio homem compreender e aceitar a ideia de que Deus é capaz de “fazer precisamente aquelas coisas que são funções da parte física do homem”. [3] Esclarecendo sobre o uso dos antropomorfismos no Antigo Testamento, o Dr. J. J. Van Oosterzee declarou: “O homem pode falar de Deus somente de um modo humano; e, se a nossa natureza é verdadeiramente relacionada à de Deus, como podemos conceber algo dele sem o componente de uma única característica derivada de nós próprios?” E prossegue seu comentário dizendo: “Essa é a importância profunda das palavras de Jacobi: ‘Ao criar o homem Deus teomorfizou; portanto, necessariamente o homem antropomorfiza’”. [4]
   Há três elementos constituintes da personalidade: intelecto, sensibilidade e vontade. Chafer opina que o intelecto deve dirigir, a sensibilidade deve desejar e a vontade deve determinar a direção dos fins racionais. As Escrituras dão testemunho dos poderes mentais e da ciência divina, da sensibilidade e do desígnio do Criador “que faz todas as coisas conforme o conselho de sua vontade” (Ef 1.11). Embora criados à semelhança de Deus, somos diferentes em um ponto: o homem é unipessoal; Deus é um ser tripessoal. A ideia de perfeição necessita de um referencial para que se perceba seu nível ou estágio. Sendo Deus o referencial, a personalidade humana pode ser comparada com a de Deus a fim de que sejam identificadas as imperfeições humanas.
   Com relação a Deus, isso não acontece, porque as três pessoas que constituem o ser único de Deus são iguais. Uma vez que a personalidade humana não se desenvolve nem existe isolada, mas comente associada a outras pessoas, assim também a personalidade de Deus está integrada nas três pessoas e a elas interassociada, mas em grau de perfeição absoluta, sem necessidade de mudança.

2. A identidade de Deus
     Como Deus se identifica? Na concepção dos judeus, uma pessoa é definida pelo seu nome (Fp 2.9-10). A Bíblia nos diz que Deus é santo, justo, misericordioso, é amor, etc. Nesta gama de perfeições ou atributos, é que se refrata o ser de Deus, único e puro, como a cor branca do espectro solar por meio de um prisma. “Nossa mente humana só concebe estes atributos em separado, como se fossem qualidades diversas de um mesmo ser, mas todos eles se fundem harmonicamente no ser de Deus. Assim, nele o amor é santo e justo como a justiça é santa e amorosa, etc.”. [5] Mas que definição Deus tem dado de si mesmo?
     Em sua revelação a Moisés, quando este lhe pediu um nome que o identificasse, Deus se apresenta como um Ser, cuja existência e natureza não podem ser descritas com exatidão por meio de palavras. Por isso, identificou-se como "EU SOU O QUE SOU" (Ex. 3:14). Esta expressão é mais que um nome pelo qual Deus se identificou. Não tem um conteúdo abstrato ou metafísico, mas é A MANIFESTAÇÃO ATIVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS.
   Segundo o texto hebraico e de acordo com os melhores comentaristas de origem judaica, a expressão “EU SOU O QUE SOU” que define o ser de Deus, não foi corretamente interpretada pelos tradutores da Septuaginta, da Vulgata Latina e da Bíblia das Testemunhas de Jeová.
     A expressão hebraica אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה (Ehyeh asher ehyeh) - Eu sou o que sou - tem o verbo no imperfeito. Deve-se considerar que, no hebraico, só há duas concepções de ação no tempo dos verbos: o perfeito, que expressa uma ação já concluída; e o imperfeito, que indica uma ação ainda por terminar, isto é, não acabada. Em nada, isso tem a ver com o nosso “pretérito”. No hebraico, uma ação ou já foi concluída ou ainda continua. Desta forma, o imperfeito אֶהְיֶה “ehyeh” designa a ideia do que Deus é e haverá de continuar sendo tudo aquilo que, até então, tem sido continuamente. Portanto, a existência eterna, sem fim, de Deus só se pode enunciar no imperfeito.
    A Septuaginta traduz אֶהְיֶה “ehyeh” por “ho on” (particípio presente) e a Vulgata por “qui est”, em vez de “ego sum” ou “ego ero” (“eu sou” ou “eu serei”). O futuro é improvável, pois implica numa ação que ainda não teve início. Por isso, o texto hebraico sugere que “אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה ehyeh asher ehyeh” signifique que tudo o que Deus é, desde a eternidade, e ainda é hoje, haverá de ser eternamente: auto-existente e imutável. “Eu sou o que sou” é a manifestação ativa da existência de Deus.
Independente do que já foi dito, existem outras formas de se compreender o significado desta expressão hebraica. Há três conceitos que os modernos comentaristas (judeus e cristãos) apresentam da referida expressão registrada no livro de Êxodo:
a) Deus é um SER INEFÁVEL (que não pode ser expresso por palavras). Portanto, não há palavras que possam expressar o que Deus é em toda a sua plenitude. Um nome não o define nem o identifica.
b) Deus EXISTE POR SI MESMO – tem em si mesmo a fonte do "Ser", da vida e do poder. Por isso, tem sido sempre e será ETERNO, isto é, existe sem depender da existência de outro ser. Deus tem em si mesmo a razão de sua própria existência.
c) Deus é um SER IMUTÁVEL – não existem mutações em sua natureza nem mesmo em seu caráter; sua eterna fidelidade a si mesmo e ao homem jamais o fará desistir dos seus intentos e do seu plano redentivo. Este é sempre o ato seguro divino em sua relação com o homem ainda que se desconheça o modo.

3. Os nomes de Deus
     No mundo antigo o nome de uma pessoa era usado tanto para distingui-la das outras pessoas como também para indicar e descrever sua natureza e seu caráter. Como pessoa que é, Deus é invocado pelo homem e, segundo as Escrituras, isto deve se realizar de acordo com alguns propósitos definidos:
a) Para reconhecimento da soberania de Deus (Ex. 9:16);
b) Para atrair a benevolência e a bênção de Deus (Ex. 20:24; Nm. 6:24-27);
c) Para alcançar de Deus a salvação (Jl 2:32; Rm. 10:13);
d) Para louvor e adoração a Deus (Sl. 5:11; 7:17; 8:1).

3.1.  Os nomes de Deus segundo o Antigo Testamento
a) אֵל  (EL) – nome usado entre os povos semíticos da antiguidade. Seu significado perdeu-se no tempo. Supostamente significa "Ser Forte" ou "Ser Poderoso". Tal nome é genérico e era utilizado para designar um deus qualquer ou os espíritos que, na crença popular, se associavam com objetos, tais como árvores, pedras e lugares. Em Gn. 33:20, usa-se EL como o nome de Deus associado ao altar levantado por Jacó. "Levantou ali um altar e chamou-lhe אֵל אֱלֹהֵי יִשְׂרָאֵל (EL-ELOHEI-ISRAEL" (EL, o Deus de Israel). Em Gn. 28:18 em diante o nome אֵל (EL) é associado com a pedra do altar, que é designada por Bethel (Casa de Deus).
b)  עוֹלָם אֵל (EL ‘OLAM) – significa Deus Eterno. O vocábulo עוֹלָם “’olam” tem vários significados: 1) um tempo oculto do qual não se conhece princípio nem fim. Neste sentido se aplica a Deus para designar sua eternidade. 2) Significa “a eternidade”, como em Ec 3.11, no sentido de algo secreto e inescrutável. El ‘Olam é o Deus Eterno e Transcendental.
c)  אֱלֹהִים (ELOHIM) – é o nome hebraico usado no Velho Testamento para expressar simplesmente a ideia de divindade (Gn. 1:1). Este nome está no plural para designar majestade e poder e sempre é usado com o verbo no singular em referência a um único ser. Sua forma no singular ELOACH é usada na poesia.
d)  אֵל עֶלְיוֹן (EL-ELYON) – o nome עֶלְיוֹן  Elyon é derivado de עלה (‘Alah) que quer dizer "subir, ser elevado" e designa Deus como um Ser Exaltado, "O Altíssimo" (Gn. 14:19-20; Nm. 24:16; Is. 14:14). Este nome é encontrado especialmente na poesia.
OBSERVAÇÃO: Os nomes EL e ELOHIM não podem ser reconhecidos como nomes de Deus, pois tais expressões são, em várias passagens bíblicas, utilizadas com as seguintes referências: a) Para designar deuses ou ídolos (Gn 35:2; Sl 95:3; 96:5);  b) Com referências a homens especiais (Ex. 21:6; Sl. 82:1);  c) Para designar governantes (Ex. 21:6; Sl. 82:1).
e) אֵל שַׁדַּי (SHADDAI, EL-SHADDAI) – o nome Shaddai deriva-se de "shadad", que quer dizer "ser poderoso". A combinação de EL (Ser Forte, Ser Poderoso) com SHADDAI intensifica o atributo de poder da pessoa de Deus que se identifica como Deus Todo-Poderoso e Soberano do universo.
f)  hwhy (YAHWEH) – este é o nome sagrado e distintivo de Deus no Velho Testamento. Tal pronúncia é derivada da transliteração do tetragrama hebraico יהוה para o grego "iaoué" (tradução de Clemente de Alexandria) ou "iabé" (tradução de Teodoreto). A verdadeira pronúncia perdeu-se no tempo, pois os hebreus com medo de quebrarem o terceiro mandamento (Ex. 20:7) e sofrerem a pena de morte prevista em Lv 24:16, não pronunciavam o nome de Deus, conforme escrito no tetragrama יהוה. Na leitura da Tôrah, tal nome era trocado por ADONAI, que significa "Senhor".
hwhy (Yahweh) é o nome pelo qual Deus quis ser identificado. Quando se revelou a Moisés no monte Horebe (Ex 3:1-6), Deus apresentou-se assim: "Eu sou o Deus (אֱלֹהֵי Elohey) de teu pai..." (v. 6). A pedido de Moisés (v. 13), Deus se identificou como "EU SOU O QUE SOU" ('ehyeh 'asher 'ehyeh) e acrescentou: "Assim dirás aos filhos de Israel: YAHWEH, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me enviou a vós; ESSE É O MEU NOME ETERNAMENTE" (vv. 14-15).
Em Ex. 6:2-3, Deus afirma: "Eu sou Yahweh. Apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó como אֵל EL (Deus, Ser Divino) שַׁדַּי SHADDAI (Todo –Poderoso); mas pelo meu nome YAHWEH não lhes fui conhecido".
g)  אֱלֹהִים hwhy (YAHWEH-ELOHIM) – Javé Deus (Gn 2.4) que identifica Javé com o Deus que criou os céus e a terra.
h) אֲדֹנָי יֱהוִה (ADONAI-YAHWEH) – combinação que aparece em Gn 15.2 para designar o caráter de Senhor Bondoso e Poderoso que Deus tem.

OBSERVAÇÃO:
Combinações de Yahweh com outros substantivos ou verbos adjetivados formam títulos atribuídos a Deus como segue:
a) יהוה ירה (Yahweh-Yir'eh), o Senhor provê (Gn. 22:8 e 14).
b) יהוה נסי (Yahweh-Nissi), o Senhor é minha bandeira (Ex. 17:15).
c) יהוה שלום (Yahweh-Shalom), o Senhor é paz (Jz. 6:24).
d) יהוה צדקנו (Yahweh-Tsidkenu), o Senhor (é) nossa justiça (Jr. 23:6; 33:16).
e) יהוה שמה (Yahweh-Shammah), o Senhor está ali (Ez. 48:35).
f)  צְבָאוֹתhwhy (Yahweh-Tsebaoth), o Senhor dos Exércitos (1Sm. 17:45).
g) רֹפְאֶךָ hwhy (Yahweh-Rafah), Deus cura (Êx 15.26).
h) רעה hwhy (Yahweh-Ra’ah), Deus é meu pastor = יְהוָה רֹעִי  (Sl 23.1).


O TERMO "JEOVÁ" NA BÍBLIA SAGRADA

Comissão de Tradução, Revisão e Consulta da Sociedade Bíblica do Brasil

Ninguém sabe, ao certo, como se pronuncia יהוה YHVH, o tetragrama, designação das quatro consoantes que compõem o nome do Deus de Israel. É que em algum tempo antes da era cristã, para não sujarem com lábios humanos o nome do seu Deus, os israelitas deixaram de pronunciá-lo, e assim as vogais desse nome foram esquecidas. Por ocasião da leitura pública dos rolos nas sinagogas, ao chegar ao nome יהוה, uma nota marginal dizia: "Está escrito, mas não se lê." E ali mesmo era indicada a palavra que deveria ser lida: "Leia-se אֲדֹנָי ADONAI”.
O texto pré-massorético do Antigo Testamento só tinha consoantes; as vogais eram transmitidas através dos séculos pela tradição. Só no sexto ou sétimo século dC é que os massoretas colocaram vogais no texto hebraico. A palavra יהוה, então, era escrita com as vogais do título אֲדֹנָי, e a palavra אֲדֹנָי era falada quando ocorria יהוה.
Acontece, também, que em algumas passagens do Antigo Testamento o título אֲדֹנָי (Senhor) vem seguido do tetragrama יהוה, que nesse caso é pontuado com as vogais de אֱלֹהִים (Deus), resultando na forma יְהוִֹה (IEHOVIH) (JEOVI), como, por exemplo, em Sl 73.28 Is 50.4 Ez 3.11,27 Zc 9.14. Ou resultando na formaיְהוִה  (IEHVIH), que ocorre, por exemplo, em Is 25.8; Jr 2.22; Am 1.8; Ob 1.1; Mq 1.1; Sf 1.7. E em vinte e cinco passagens ocorre uma quarta forma de se expressar o nome do Deus de Israel, e isso por meio do monossílabo YAH (JÁ), que é a primeira sílaba de YAHVEH (JAVÉ).
A Petrus Galatinus (mais ou menos 1520 dC) atribui-se a fusão, pela primeira vez, das consoantes יהוה com as vogais de אֲדֹנָי (ADONAY). Koehler-Baumgartner fala de 1200 dC. Dessa fusão surgiu um nome híbrido:יְהוָה  YeHoVaH (Jeová). Esse não é, portanto, o nome do Deus de Israel. O Jerome Biblical Commentary chama "Jeová" de um "não-nome" (77.11), e o Interpreter’s Dictionary of the Bible o chama de "nome artificial" (s. v. Jehovah). O Lexicon in Veteris Testamenti Libros, de Koehler-Baumgartner (s. v. YHVH), chama a grafia "Jeová" de "errada" e defende como "correta e original" a pronúncia "Yahveh".
Alguém poderia perguntar por que a primeira vogal de ADONAY, um "A," se tornou um "E." É que a palavra אֲדֹנָי (ADONAY) começa com uma gutural, um a (álefe), e sob a gutural uma vogal esvaída deve ser um shevá composto. Ao se colocar essa mesma vogal esvaída sob uma consoante não-gutural, ela passa a ser um shevá simples, que se representa na transliteração por um "e" suspenso. No caso, sob o iode y (Y) coloca-se a vogal "e": "Ye".
No Antigo Testamento traduzido por João Ferreira de Almeida e publicado em dois volumes quase sessenta anos após sua morte (1748 e 1753), é empregada a forma JEHOVAH onde no texto hebraico aparece hwhy (YHVH). Almeida fez isso baseado na tradução espanhola feita por Reina-Valera (1602). Na Almeida conhecida como Revista e Corrigida (RC), lançada em 1898 e que ainda hoje é usada, a comissão revisora substituiu יְהוָֹה  JEHOVAH por "Senhor" nas passagens em que esse nome ocorre, menos naquelas em que está junto com אֲדֹנָי ADONAY (Senhor), e em algumas poucas passagens esparsas. Nessas ocorrências a RC conservou JEHOVAH. Veja-se, por exemplo, Is 61.1: "O Espírito do Senhor -רוּחַ אֲדֹנָי יְהוִה  - está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu" (RC). Este último SENHOR também é, no texto hebraico, hwhy (YHVH).
O costume de usar "SENHOR" para indicar hwhy YHVH começou com a Septuaginta, a primeira tradução do Antigo Testamento, a qual foi feita entre 285 e 150 aC. O texto hebraico foi traduzido em Alexandria para a língua grega. Nesse texto os tradutores da Septuaginta reduziram a escrito uma tradição oral das sinagogas, onde geralmente se lia אֲדֹנָי "ADONAY" (Senhor) toda vez que ocorria o nome YHVH. Essa foi a Bíblia de Jesus, dos apóstolos e da Igreja Primitiva.
Seguindo o costume que começou com a Septuaginta, a grande maioria das Bíblias emprega o título "SENHOR" (com maiúsculas) como correspondente de יהוה (YHVH). O título "Senhor" (com minúsculas) é tradução da palavra אדן (ADON), que em hebraico quer dizer "senhor" ou "dono." No Novo Testamento "Senhor" traduz a palavra grega KURIOS, que quer dizer "senhor" ou "dono".
Jesus não usou o termo "Jeová." Por exemplo, citando o Antigo Testamento em Dt 6.13, em que apareceיהוה  (YHVH), ele disse: "Ao Senhor (Kurios) adorarás." {Mt 4.10} Tiago não fala de "Jeová." Discursando em Jerusalém {At 15.17} ele disse: "o Senhor, que faz todas estas coisas," e isso é citação de Am 9.12, que tem YHVH como sujeito da ação. Paulo também não usa "Jeová": em Rm 4.8, ele escreveu "Senhor," citando Sl 32.2, que tem יהוה  (YHVH).
São duas as razões que levaram os eruditos bíblicos a usarem a forma "Javé" como a mais provável para designar, em português, o nome do Deus de Israel יהוה (YHVH). A primeira é de ordem gramatical e a outra, de ordem documentária.
Primeiro, a de ordem gramatical. De acordo com Êx 3.14, Deus se apresentou a Israel como AQUELE QUE É, o Deus absoluto e imutável. A forma Javé (Yahveh, em hebraico), corresponde ao verbo ‘ehyeh, repetido em Êx 3.14: EU SOU QUEM SOU (BLH). O verbo está no imperfeito, que em hebraico, por ser um verbo lâmede-he, termina com a vogal e. O verbo "ser" aqui é הָיָה hayah (com iode), que em sua forma arcaica era הוא havah (com vave).
A Bíblia de Jerusalém em português transliterou esse nome de Deus e o grafou assim: Iahweh. Em inglês, a BJ traz Yahweh, cujo h médio os americanos pronunciam com ligeira aspiração. Essa última forma é comum na literatura bíblico-teológica em inglês. Observe-se que em Êx 3.14 o verbo está grafado ‘ehyeh, sendo que a vírgula suspensa significa que em hebraico há ali uma letra álefe, que indica a primeira pessoa: EU SOU. Já o iode inicial indica terceira pessoa: AQUELE QUE É (Yahweh).
Um fato que indica ser a vogal da primeira sílaba de hwhy (YHVH) é a forma abreviada desse nome, que é grafada Yah (Ja). Essa abreviação de hwhy (YHVH) ocorre vinte e cinco vezes no Antigo Testamento. A American Standard Version (1901), matriz da Versão Brasileira, nessas passagens põe "Jehovah" no texto, mas na margem há nota, assim: "hebraico: Jah." Ver, por exemplo, Êx 15.2 e Sl 104.35. Nessa última passagem aparece a frase cúltica "Hallelu-Yah" (Aleluia). Ver também a nota da Bíblia de Estudo de Almeida nessas duas passagens.
Como é que Yahweh se tornou Javé em português? Primeiro, o iode (Y) inicial hebraico dá j em português (como em Yoseph - José). Segundo, o h inicial e final caem porque não soam em português. Terceiro, o w passa a ser v, que é como transliteramos em português a letra vave. E aí temos Javé.
Agora a razão de ordem documentária. Teodoreto, pai da Igreja, da escola de Antioquia, falecido em 457 dC, afirma que os samaritanos, que tinham o Pentateuco em comum com os judeus como Escritura Sagrada, pronunciavam o nome de Deus assim: Iabé (trocando o v pelo b). Clemente, da escola de Alexandria, falecido antes de 216 dC, transliterava "a palavra de quatro letras" por Iaoué. Também os papiros mágicos egípcios, que são do final do terceiro século dC, dão como corrente a pronúncia acima referida, a de Teodoreto. Finalmente, convém notar que em duas traduções modernas da Bíblia está correta a vocalização de hwhy ((((YHVH). Uma delas é a Bíblia de Jerusalém, que traz Yahweh (inglês e português), Yahvé (francês), Yahvéh (espanhol) e Jahwe (alemão).
A Bíblia da LEB (Edições Loyola, 1989) usa o nome "Javé" como transliteração de hwhy (YHVH). Em Gn 2.1, parte da nota explicativa diz: "Aqui aparece pela primeira vez o sacrossanto Nome de JAVÉ (hwhy), cujo sentido na tradição bíblica é "AQUELE-QUE-É." (...) Hoje o Tetragrama Sagrado, que se pronuncia em hebreu Yahweh, está devidamente implantado na língua portuguesa em sua forma correta, que é JAVÉ." E acrescentamos, forma dicionarizada: ver o Dicionário Aurélio e o Dicionário Michaelis, s. v. JAVÉ.

3.2.     Os nomes de Deus segundo o Novo Testamento
a) Theos – é o nome que corresponde ao hebraico El e Elohim. No que se refere ao nome hebraico Elyon, no grego o termo equivalente é Hypsistos Theos (Lc. 1:32, 35, 75; At. 7:48; 16:17; Hb. 7:1). Os nomes Shaddai e El Shaddai foram traduzidos por Pantokrator e Theos Pantokrator (2Co. 6:18; Ap. 1:8; 4:8; 11:17; 15:3; 16:7, 14).
b) Kyrios – este é o nome que traduziu Adonai (Senhor) e que, por sua vez, substituiu o nome Yahweh não pronunciado pelos judeus. O nome grego Kyrios (derivado de kyros = poder) designa Deus como o Poderoso, Senhor, o Possuidor, o Governador que tem poder e autoridade legal. Tal nome é empregado tanto para referir-se a Deus como para identificar o Cristo como Senhor sobre tudo e todos.
c) Pater – nome utilizado para identificar Deus com a pessoa do Pai na trindade, mas também, e principalmente, com o Deus Criador (1Co 8:6; Ef. 3:15; Hb. 12:9; Tg 1:18). A identificação de Deus como Pai não é exclusiva do Novo Testamento. Há diversas passagens do Velho Testamento que descrevem a pessoa de Deus como Pai (Dt. 32:6; Sl. 103:13; Is. 63:16; 64:8; Jr. 3:4, 19; 31:9; Ml 1:6; 2:10).




[1] HODGE, C. op. cit. p.278.
[2] BERKHOF, L. op. cit. p. 86.
[3] L. S. CHAFER. op. cit. vol. 1 e 2, p. 208.
[4] L. S. CHAFER. op. cit. vol. 1 e 2, p. 209.
[5] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. 52.