27 de novembro de 2013

TEONTOLOGIA - CAPÍTULO VII - OS ATRIBUTOS MORAIS DE DEUS



Pr. José Vidigal Queirós

Introdução
Conhecer os atributos morais de Deus requer que se busque nas Escrituras a resposta à seguinte questão: Como Deus age? Ou ainda, como ele se comporta? A priori, podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que Deus age com bondade, santidade e justiça. Os atos e atitudes de Deus são manifestações de seu caráter. Portanto, seus atributos morais regem a conduta divina. Os princípios éticos sobre os quais Deus pauta a sua conduta estão alicerçados nestes três atributos. Eis a razão pela qual Emil Brunner, um teólogo suíço, define ética cristã como sendo “a ciência da conduta humana determinada pela conduta de Deus”[1]. Quando Jesus exortou seus discípulos a serem perfeitos como “vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5.48), ele ratificou a premissa de que sendo o homem criado à imagem e semelhança de Deus, a conduta humana haverá de ser uma expressão exata do comportamento divino. Então, como Deus se comporta?

1. Deus age com Bondade
As Sagradas Escrituras descrevem a bondade divina através do uso de diversos termos: benevolência, graça, misericórdia e longanimidade. A infinita bondade inerente ao caráter divino define o tipo de relação que ele tem com a criação. Toda a criação é vista na Escritura como uma boa obra de Deus, tendo ela alcançado o padrão de qualidade que ele desejou. “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31). Sendo Deus infinitamente bom em si mesmo, é também infinitamente benigno e benevolente para com as suas criaturas (Sl. 145:9, 15, 16; Mt. 5:44-45; At. 14:17). Deus possui, em grau infinito, a “chrestótes” (termo grego traduzido como benignidade) e “agathosyne” (termo grego que significa bondade), que são frutos do Espírito (Gl 5.22) reproduzidos pelo caráter do regenerado como nascido do Espírito.
A bondade divina é expressa de forma relevante pela sua graça. A palavra "graça" é usada algumas vezes na Bíblia para designar simplesmente um "favor" que uma pessoa faz à outra. É a versão hebraica de "haman" e do grego "cháris". Como atributo divino sempre indica "favor não merecido", ou seja, a concessão de um favor, de um dom ou de um poder aos que não têm nenhum direito ou mérito (Rm. 5:5-10). Esta graça de Deus é fonte de todas as bênçãos celestiais desde a mensagem que semeou a Palavra Salvífica em nossos corações até a glorificação final nos céus, de tal maneira que a nossa vida espiritual presente e futura depende unicamente desta graça de Deus (At. 14:3; Rm. 3:24; 2Co. 8:9; Ef. 2:8-9; 2Ts. 2:16; Tt. 2:11; 3:7).
Sendo também outra manifestação da bondade de Deus, a misericórdia se diferencia da graça – favor não merecido – porque ela se baseia não na culpa, mas na "miséria" do homem caído. O termo "misericórdia" ocorre muito no Velho Testamento. O binômio "misericórdia e verdade" (em hebraico, "hesed-hemet") é frequente (Gn. 24:49; 32:10; 2Sm. 2:6; Sl. 40:10; 89:14; Pv. 3:3) às vezes, aparece unido com "fidelidade" (em hebraico, "emuah"). Esse binômio caracteriza ou dá o sentido de "salvação" equivalente a "graça e verdade" de Jo. 1:14.
No que se refere à longanimidade de Deus, dois vocábulos gregos são usados no Novo Testamento:
a) Hipomoné – que denota a capacidade de aguentar o sofrimento, isto é, de perseverar sob o peso da adversidade, como indica sua etimologia. Neste sentido, este termo aparece em Hb 10.36, cujo contexto culmina na definição de fé em Hb 11.1, para indicar que a paciência produz esperança.
b) Macrothymia – que significa a grandeza de ânimo para superar as contrariedades e ofensas que outras pessoas lançam sobre nós. Neste sentido, Paulo exorta aos crentes de Éfeso a “suportarem uns aos outros” (Ef 4.2) com algo mais que a simples paciência, isto é, com longanimidade.

A Bíblia nos deixa claro que Deus, por seu caráter bondoso, é “tardio em irar-se” (Ex 34.6; Sl 89.15). O mesmo é exigido de todo cristão, exortado por Tiago a estar predisposto a ouvir mais e falar menos, não se deixando dominar pela ira (Tg 1.19). Em Romanos 3.25, é dito que Deus propôs, pelo sangue de Cristo, aplacar sua ira (propiciação) para manifestar sua justiça e tolerar os pecadores a ponto de deixá-los sem a merecida punição dos pecados anteriormente cometidos. Este “passar por cima” dos pecados de Rm 3.25 equivale ao “não imputando aos homens as suas transgressões” que se encontra em 2Co 5.19.
Neste último contexto, é dito porque que Deus assim agiu: porque “ao que não conheceu pecado” (Cristo) Deus, por nossa causa, “o fez pecado” (responsável e vítima propiciatória pelo pecado) para que nós (os culpados) fôssemos feitos (chegássemos a ser) “justiça de Deus” (justificados) nele, isto é, em Cristo (2Co 5.21). A longanimidade de Deus não é, em nenhum modo, uma conivência nem indulgência com respeito ao pecado do homem, mas aponta para o Calvário, onde o pecado do homem encontra a sanção adequada. Deus nos perdoa o pecado e nos constitui justos, com a justiça de Cristo, em sua santa presença (Jo. 1:29; Rm. 3:25; 2Co 5:21).

2. Deus age com santidade
Santidade é o termo que designa a excelência moral de Deus. Perfeita ou absoluta integridade é outra forma de descrever a santidade do Ser de Deus, infinitamente puro e totalmente separado de toda e qualquer contaminação resultante da imperfeição de suas criaturas. “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar” (Hc 1.13). O culto a Deus é uma exigência de sua perfeição. Culto é um direito de Deus e um dever de toda criatura. O salmista exclama:
a) “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Sl 19.1);
b) “Todo ser que respira louve ao Senhor” (Sl 150.6);
c) “Louvai-o todos os seus anjos; louvai-o, todas as regiões celestes. Louvai-o sol e lua, louvai-o todas as estrelas luzentes” (Sl 148.2-3);
d) “Vinde, adoremos e prestemo-nos; ajoelhemos diante do Senhor que nos criou” (Sl 95.6).

A santidade de Deus é tamanha que o autor do Apocalipse assim a descreve: “Vi um grande trono branco e aquele que nele se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles” (Ap 20.11). É a santidade divina que nos faz sentir indignos. Isaías sentiu-se indigno, ínfimo, insignificante e imundo diante do “Senhor dos Exércitos” a ponto de esperar ser fulminado imediatamente - “ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!” (Is 6.1-5).
Ser santo, em hebraico, é expresso com o verbo qadash, donde procede o termo qadosh que significa "santidade". A ideia bíblica de santidade, tanto em hebraico como em grego hagios, comporta uma "separação". Esta separação tem um aspecto positivo de "elevação" no ser e na conduta e outro negativo de "alienação do mal", ou seja, de encontrar-se em estado de pureza. Se pudéssemos definir Deus por meio de algum atributo, sem dúvida, o de Santo o definiria.
Poderíamos definir a santidade de Deus como sendo uma "Bondade Majestática" (ou majestosa), isto é, como uma "majestade infinita" pela qual o ser de Deus é inacessível em sua perfeição absoluta, "completamente outro", totalmente livre de impureza, mudança e limitação. Isto implica numa "Perfeita Integridade de Caráter". Isto significa que a integridade do caráter divino não permite que nele haja a possibilidade do mal, pois "Deus é luz e nele não há treva nenhuma" (1Jo 1:5). A santidade divina assume dois aspectos que a conceituam:
a) Santidade Ôntica – denota a perfeição absoluta do ser de Deus;
b) Santidade Ética – tem a conotação de pureza de caráter, integridade e nobreza absolutas em todas as suas ações e palavras. Deus é o "Bem Absoluto", ou ainda o "Supremo Bem", cujo ser e caráter são infinitamente isentos de contaminação e da prática do mal. Sua santidade é tamanha que o homem é proibido de usar até o seu nome em vão (Ex. 20:7; Dt. 5:11). Sua presença "santifica" o lugar em que ele se manifesta ou no qual sua presença é reconhecida pelo homem de quem Deus exige reverência (Ex. 3:5; Js. 5:15; Ec. 5:1a).

Deus manifesta sua santidade de duas maneiras. A primeira, separando para si um povo com o qual fez um pacto especial e ao qual deu uma lei, um cerimonial e promessas. A segunda, preservando este povo (Israel) do mal e do erro, conduzindo-o com sua graça, seu poder e seus "corretivos purificadores", em revelação e em ação progressivas do ritual ao ético, do histórico ao profético, das figuras à realidade e da letra ao espírito. Este povo santo vai concentrando-se em um remanescente e singulariza-se em Jesus Cristo (O Santo por excelência, At. 2:27; 1Jo 2:20) em quem todos os crentes de todas as nações são aceitos, salvos e "santificados por Deus" (1Co. 1:2; Jo. 10:36; 17:17). Toda a ética do povo de Israel está fundamentada na intimação que "Yahweh" faz a seu povo em Lv. 19:2 – “Santos sereis, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”. “Porque sou santo” é o termo que se constitui não só a base de nossa obrigação de nos santificar como também a garantia de que nossa santificação é possível. O homem mortal não pode imitar a infinita majestade de Deus, mas pode aspirar a uma pureza tipicamente divina, mantendo-se apartado de tudo quanto possa contaminar-lhe (1Ts 4:3-8; 1Pe. 1:14-16).

3. Deus age com justiça
Antes de tudo, precisamos conceituar o termo justiça. Assim como o conceito bíblico de santidade aponta sempre para uma "separação", o conceito bíblico de justiça aponta para uma "conformidade". Justo é aquilo que em alguém assume suas proporções e forma, conforme suas medidas. Desta forma podemos dizer que uma roupa está "justa", quando suas medidas são exatamente iguais às medidas do usuário. Suas medidas estão conforme as dimensões de quem a usa. Analogamente, podemos afirmar que a medida da justiça é a norma da lei. Desta maneira, uma pessoa só é justa na medida em que ela cumpre a lei de Deus. Tanto em Deus como no homem, a justiça é consequência imediata da santidade e é o fundamento de todas as demais qualidades éticas do indivíduo. A partir do momento em que o homem imita a Deus em santidade naturalmente ele se torna não somente um defensor, mas principalmente um praticante fervoroso da justiça.
O conceito hebraico de justiça determina o padrão das relações humanas. Os vocábulos צַדִּיק Tsaddiyq = Justo e צְדָקָה Tsedaqah = Justiça falam da qualidade e da atitude de alguém em sua relação com seu semelhante em "igualdade de condições". Biblicamente falando, Justiça consiste, portanto, no profundo respeito à pessoa e aos seus direitos e necessidades inalienáveis. Nas relações humanas há três tipos de justiça: (a) Justiça Distributiva – distribuição segundo as necessidades individuais; (b) Justiça Restitutiva – restituição daquilo que de alguém foi tirado ou que deveria ser dado e ficou retido; (c) Justiça Retributiva – retribuição segundo o mérito. Aqui cabem dois sentidos de retribuição: a punição e a concessão de galardão.
Assim, portanto, questionamos: O que se entende por justiça de Deus? O conceito de justiça, para ser melhor compreendido no sentido bíblico, é necessário que se relacione tal atributo às qualidades do ser de Deus. O salmista diz: "Justiça e juízo são a base do teu trono; misericórdia e verdade vão adiante do teu rosto" (Sl. 89:14). Justiça de Deus é um atributo relacionado com a misericórdia divina e o juízo relacionado com a verdade. Ap. 15:3 diz: "... justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos séculos...". Assim sendo, Justiça pode significar o padrão moral pelo qual Deus mede a conduta e avalia o caráter humano. Por esta razão, os homens são exortados a praticarem a justiça e a misericórdia (Gn. 18:19; Mq 6:8). Assim como por sua justiça Deus julga o comportamento humano também pela mesma justiça redime o arrependido. Assim, a justiça divina tem uma conotação tanto judicial como redentiva (Is. 45:21-22).
Todo o propósito da justiça de Deus é revelar sua misericórdia e a sua graça salvadora. Deus satisfez sua justiça, condenando em Cristo o pecado, o qual suportou em nosso lugar a pena que nos estava imposta, para dar a todo homem uma chance de redenção (Rm. 3:21-26). Por outro lado, o homem, ao recusar a graça salvadora de Deus que fez cair sobre seu Filho a condenação do pecado, atrai sobre si mesmo a justa condenação por agredir com desprezo a pessoa do Deus Santo, Justo, Misericordioso e Soberano. Assim, o ato da recusa humana exige de Deus um ato de sua justiça retributiva de natureza judicial (Hb 2:1-3; Rm. 1:18, 28-32). Diante disso, questionamos: Quais as implicações práticas da justiça de Deus? Como resposta, Francisco Lacueva[2] propõe o seguinte:
A justiça de Deus é simplesmente o exercício de sua santidade na relação com a criação. A justiça divina, neste caso, combina com a “bondade majestática” de Deus, mas não se identifica com o amor. A justiça de Deus não pode dar lugar à mera indulgência ou à conivência. Esperar que a misericórdia de Deus, no final, alcançará as exigências de sua justiça é o erro que o diabo procura inculcar nos inconversos, olvidando a severa advertência de Hb 2.2-3: “Porque se a palavra dita por meio dos anjos foi firme, e toda transgressão e desobediência receberam JUSTA RETRIBUIÇÃO, como escaparemos nós se negligenciarmos tão grande salvação?” A justiça de Deus se manifesta em um Deus justo governador do mundo e que “retribui a cada um segundo as suas obras” (Ap 22.12; cf. Ap 2.23). Por isso, faz-se necessário distinguir em Deus: (a) Uma justiça que manifesta a retidão e a equidade com que Deus governa o mundo, impõe suas leis e as sanciona (cf. Rm 1.32); (b) Uma justiça que remunera, não porque o ser humano não pode exigir de Deus nenhuma retribuição nem salário (Lc 17.10), mas porque Deus se tem comprometido com promessa de fidelidade a dar, ao que vencer, a “coroa da justiça” (2Tm 4.8; Ap 3.11); (c) Uma justiça que castiga aos transgressores da lei, pois a ira de Deus pende sobre todos quantos se opõem de forma iníqua à penetração da verdade em seus corações (Rm 1.18). Mas ainda que esta mesma justiça conserva-se temperada pela misericórdia, posto que o Deus Santo, que é Amor e Justiça-nossa ao mesmo tempo, sempre pune o que desmerecemos com nossos pecados e infidelidades. Desta forma, a justiça divina está sempre pronta a castigar o mal, mas não a premiar o bem.

Há uma tenção entre o amor e a justiça de Deus? Como Deus é o Bem Absoluto e a excelência da perfeição e da santidade, todos os seus atributos operam em absoluta harmonia. Nenhum atributo se contrapõe a qualquer dentre os demais. Deus é perfeitamente íntegro. São as nossas concepções pessoais e deduções “lógicas” oriundas de nossa estrutura cognitiva que entram em conflito, quando refletimos sobre os atos de Deus.
Amor e justiça são atributos que se integram de tal forma que nenhum ato de justiça tem o reconhecimento de Deus sem que esse ato não manifeste verdadeiro amor. Por outro lado, nenhuma obra de amor tem qualquer validade para Deus sem que a justiça seja sua verdadeira causa. Em outras palavras, não há amor sem expressão da justiça nem justiça sem expressão do amor. “A justiça de Deus exige que a pena do pecado seja paga. O amor de Deus, porém, deseja que sejamos restaurados à comunhão com ele”.[3] O sacrifício de Cristo é a expressão máxima do amor de Deus e satisfação plena de sua justiça.

Conclusão
Deus é um ser, cuja natureza e caráter expressam a perfeição absoluta. Seus atributos ônticos designam tudo que Ele é, isto é, revelam sua natureza constitutiva. Seus atributos operativos definem tudo que ele faz – as obras que realiza em toda a sua criação. Seus atributos morais não só descrevem o seu caráter, mas também revelam como Ele se comporta. Sua conduta é pautada por sua bondade, santidade e justiça. Glória e honra sejam atribuídas a Ele eternamente, amém.





[1] BRUNNER, Emil. apud da SILVA, PAULO W. Ética cristã. Rio de Janeiro: JUERP, 1989, p. 11.
[2] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. pp. 119 a 121.
[3] ERICKSON, M. Introdução à teologia sistemática, p. 126.

31 de outubro de 2013

TEONTOLOGIA - CAPÍTULO VI - OS ATRIBUTOS OPERATIVOS DE DEUS


Pr. José Vidigal Queirós
Introdução
Enquanto os atributos ônticos dizem respeito ao ser de Deus (natureza divina), isto é, a tudo aquilo que Deus é em sua essência, os atributos operativos descrevem os aspectos das obras divinas e à forma como Deus age (opera). Os atos de Deus, segundo as Escrituras, são manifestos como livres e eficazes, derivam de sua vontade pessoal e fundamentam-se em sua autoridade suprema pela qual exerce sua soberania. A identificação dos atributos operativos de Deus é obtida através da resposta à questão: O que Deus faz?
1.       Deus pensa – Verdade
          O objeto que se constitui no âmago do pensamento de Deus é a Verdade. A integridade (perfeição) de Deus não lhe possibilita idealizar a mentira e a hipótese do erro. Em Jo 18:37 Jesus disse: "... eu vim dar testemunho da verdade; todo aquele que é da verdade ouve a minha voz". Mas em que consiste tal "testemunhar da verdade”?
          Testemunhar da verdade, segundo Jesus, seria revelar ao homem a mais absoluta e pura Verdade que estava na mente de Deus, e que, por conhecê-la, o homem encontraria a verdadeira liberdade (Jo 8:32) e, consequentemente, seria santificado pela "Palavra da Verdade" (Jo 17:17-19).
Mas o que é a Verdade?  O conceito de verdade pode ser descrito da seguinte forma:
a)   A expressão fiel, completa e pura de tudo que existe; ou ainda, a manifestação autêntica da realidade; é a essência da realidade;
b)  O princípio pelo qual se explica, comprova e consuma os fatos.
1.1.    A verdade de Deus
           Mas, e a verdade de Deus? O conceito de verdade, segundo Lacueva [1], caracteriza-se por três aspectos: ontológico, lógico e ético.
a)   A verdade ontológica – “a realidade das coisas é transcendente e se manifesta em múltiplas e mutáveis facetas, não sendo possível captá-las com nossa mente limitada toda a verdade objetiva que se encerra em um ser”. Significa dizer que, devido às nossas limitações e distorções da percepção sensorial, jamais poderemos conhecer a realidade intrínseca das coisas que nos cercam.
b)  Verdade lógica – “é a objetividade ou relação adequada com os vários aspectos fenomenológicos da realidade formada em nossos juízos (através de nossa percepção e ideação) acerca da dita realidade. O fato de que cada um de nós [...] apreendamos distintos aspectos da realidade faz possível a diversidade de opiniões e o contraste de percepções a respeito da mesma realidade”.
c)   A verdade ética – “é a veracidade ou adequação entre o que pensamos e o que decidimos ou fazemos. Sem dúvida, esta é a principal, segundo a Bíblia. O conceito hebraico de verdade equivale a segurança baseada na fidelidade a promessas (a verdade de Deus) ou a normas (verdade do homem). Daí que mentira e mentiroso (Jo 8.44; Ap 21.8, 27) não indica só um dizer o que se sabe que é falso, senão um fazer o que é abominável”.
1.2.    Deus é a verdade [2]
           O fato de que Deus seja “o único Deus verdadeiro” (Jo 17.3) nos dá a medida da verdade ontológica de Deus: é o único que merece esse nome, pois só ele responde ao conceito genuíno de verdadeiro Deus (Jo 3.33). O fato de que o Criador seja, como disse Jesus, o "Deus Verdadeiro" – "A vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro..." (Jo. 17:3) – nos faz conhecer uma das condições para a salvação e nos dá a medida da Verdade Ontológica de Deus. Deus não só é verdadeiro (autêntico), mas também é a própria Verdade Transcendental e fonte de tudo o que existe de verdade. Por isso, não pode ser autor do pecado, porque o pecado é a Mentira Radical. Quando Jesus disse: "Eu sou... a verdade..." (Jo 14:6), ele certamente quis dizer que era a expressão perfeita e não uma reprodução deformada ou limitada do caráter de Deus. Quis provar a sua divindade e, provavelmente, também identificar-se como sendo:
a)  O "princípio verdadeiro" pelo qual se explica a origem da vida;
b)  O “meio verdadeiro" pelo qual o homem pode reintegrar-se, reconciliar-se e realizar-se em Deus;
c)  O "fim verdadeiro" no qual se consuma o propósito da existência do homem e a vontade de Deus.
          Berkhof apresenta a veracidade de Deus sob três aspectos:
a)   No sentido metafísico – em Deus, a ideia da divindade se concretiza perfeitamente. Ele é tudo como Deus deveria ser e, como tal, distingue-se de todos os deuses, assim chamados, os quais são chamados ídolos, nulidades e mentiras (Sl 96.5; 97.7; 115.4-8; Is 44.9-10).
b)   No sentido ético – como tal, revela-se como realmente é, de modo que a sua revelação é absolutamente confiável (Nm 23.19; Rm 3.4; Hb 6.18).
c)   No sentido lógico – em virtude disto, Deus conhece as coisas como realmente são. Sua verdade é alicerce de todo conhecimento. Ele é a fonte de toda a verdade, não somente na esfera da moral e da religião, mas também em todos os campos da atividade científica. Há muitas passagens que testificam da veracidade de Deus (Êx 34.6; Nm 23.29; Dt 32.4; Sl 25.10; 31.6; 65.16; Jr 10.8, 10, 11; Jo 14.6; 17.3; Tt 1.2; Hb 6.18; 1Jo 5.20-21).
          A imanente e infinita verdade de Deus nos leva a duas consequências de extrema importância:
a)   Como o objeto do entendimento é a Verdade, Deus pode ser conhecido pelo homem, pois ele é a verdade personificada (Jo. 8:32);
b)  Como Deus é a "Verdade Transcendental" e infinita, Deus não pode ser compreendido por nenhuma de suas criaturas (Rm. 11:33).
1.3.    Deus conhece toda a verdade [3]
          Com referência à natureza do conhecimento de Deus, Berkhof o classifica em arquétipo, para designar que Deus conhece o universo como um projeto anterior à sua existência material; intuitivo, não necessitando de demonstração discursiva; inato e imediato, não resultando de observação ou de um processo de reflexão lógico-científica; simultâneo e não sucessivo; completo e não parcial como ocorre no homem. [4]
          No que se refere à abrangência, o conhecimento divino é pleno, perfeito, exaustivo e eterno. Desta forma é que se expressa a ONISCIÊNCIA de Deus. Isto significa que Deus conhece não somente a aparência, mas também a essência de todas as coisas (Sl 139.1-18). A Onisciência divina não se caracteriza somente por sua abrangência e intensidade, mas também por sua extensão no tempo. Deus conhece não só o oculto, mas também tudo que há de ser e suceder. Assim é que se caracteriza a PRESCIÊNCIA de Deus. O que há de ser e tudo que haverá de ocorrer, inclusive as ações livres do homem, são do conhecimento de Deus. O Supremo Criador conhece todas as coisas futuras que são meramente possíveis, mas que ainda não se tornaram reais. Toda advertência de Deus é uma declaração de perigo e de mal que ele conhece que se seguirá a uma escolha errada.
          A profecia distingue-se da previsão. Esta denota a expectativa do que será fundamentada nas circunstâncias históricas do passado e do presente, cuja concretização é incerta. A profecia consiste na provisão revelada do que Deus de antemão já providenciou para o futuro; portanto, sua concretização é inevitável, pois está alicerçada na vontade soberana e no eterno desígnio de Deus. Profecia é a revelação, não do que Deus espera que ocorra, mas do que Deus determinou que aconteça.
          O que Deus decidiu sobre o futuro deriva de sua presciência. Se Deus não tivesse presciência de tudo o que o homem livremente decidirá fazer, estaria limitado pelas circunstâncias, seria surpreendido pelo homem, e só poderia definir o curso do universo, violando de forma arbitrária a liberdade humana. Mas Deus age conforme o que planejou.  Tudo que Deus planejou compõe o conhecimento arquétipo de Deus. Falando sobre o conhecimento arquétipo divino, Chafer assim se expressa:
O conhecimento arquétipo divino diz respeito a tudo que Deus planejou para o Universo antes dele ser trazido à existência, ou tornado real pelo seu poder criador onipotente. Os arquétipos do Universo existiram desde a eternidade na mente de Deus, e a criação foi apenas o exercício da ONIPOTÊNCIA pela qual a realidade veio a existir em relação àquilo que a onisciência havia concebido.[5]
          Toda verdade objetiva está patente aos olhos de Deus. Deus sabe tudo de uma maneira perfeita e única em uma só ideia eterna e exaustiva (completa). A identidade ontológica entre a mente divina e a verdade infinita faz que Deus se conheça a si mesmo de uma maneira perfeita. Deus se conhece e se compreende a si mesmo de uma maneira perfeita. Esse conhecimento pleno de si mesmo, de tudo e de todos simultaneamente, é que nos faz reconhecê-lo como um ser ONISCIENTE (1Sm 2.3; Jó 12.13; Sl 94.9; 139.1-6; Is 29.15; 40.27-28). Esse conhecimento é eterno, pois Deus conhecia a todos os seres antes mesmo de criá-los. Portanto, seu conhecimento antecede a criação (Pv. 8:22-31). Este conhecimento também é "intuitivo" (sem necessidade de discutir), é "simultâneo" (sem necessidade de ideias) e "exaustivo" (sem perder nenhum detalhe). Nisto consiste a ONISCIÊNCIA de Deus.
          Por ser Deus eterno, para ele não há tempo passado nem futuro; tudo é presente. Não nos estranhará, portanto, que ele conheça o que para nós é futuro. Cabe, então, uma pergunta: "Os atos humanos são conhecidos porque vão suceder ou vão suceder porque são conhecidos, isto é, determinados por Deus?" Se Deus conhece tudo que vai suceder, porque o vê sucedendo, sua ciência segue "atrás" dos fatos. Não é Deus que programa toda a história (embora a controle), mas sabe antes o que o homem fará e o que pensa fazer (Sl. 139:4; Jr. 17:10; Mt. 6:7-8). Se os atos do homem fossem programados por Deus, onde estaria a liberdade humana?
1.4.    Concepção bíblica do conhecimento de Deus
          Conhecimento é o saber que, no homem, resulta de um processo de aprendizagem; mas, em Deus, é um atributo inerente à sua natureza pelo qual Deus sabe de todas as coisas em todo lugar simultaneamente, tanto no que se refere ao passado, como ao presente e ao futuro. O que Deus sabe não foi aprendido, pois ele mesmo é a fonte geradora e o agente realizador da “ideia concretizada do universo”, em sua macro extensão e em sua micro dimensão. Cada átomo da matéria é um elemento da ciência e da invenção divina.
          A Escritura testemunha da ciência de Deus em dois aspectos: a sabedoria criadora que idealizou e concretizou o universo visível e invisível (Pv 8.2-31); e o conhecimento exaustivo de tudo que nele ocorre (Hb 4.13). Vejamos o que nos diz a Palavra de Deus:
a)  “Até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa” (Sl 139.12).
b)  “O que fez o ouvido acaso não ouvirá? E o que formou os olhos será que não enxerga?” (Sl 94.9).
c)  “Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos” (Sl 139.1-2).
d)  “Os olhos do Senhor estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons” (Pv 15.3).
e)  “O além e o abismo estão descobertos perante o Senhor; quanto mais o coração dos filhos dos homens!” (Pv 15.11).
f)  “Grande é o Senhor nosso e mui poderoso; o seu conhecimento não se pode medir” (Sl 147.5).
g)  “Ó casa de Israel; porque, quanto às coisas que vos surgem à mente, eu as conheço” (Ez 11.5).
h)  “Diz o Senhor, que faz essas coisas conhecidas desde séculos” (At 15.18).
i)   “E quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados” (Mt 10.30).
          Deus conhece todas as coisas exatamente como são e virão a ser. Sua ciência é presciência. Enquanto a ciência do homem é produto do passado (tudo que sabe foi aprendido), a ciência de Deus determina o futuro (Is 44.6-8). É exatamente por esta razão que Deus tem sob seu controle os atos livres dos homens e conduz a história para o fim que ele determinou, segundo o seu eterno desígnio. “Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado, não o posso atingir” (S 139.6), diz o salmista, reconhecendo a magnitude infinita da ciência divina, a perfeição absoluta de Deus; e sentindo-se ínfimo, insignificante diante de seu Criador.
          Dissertando sobre a onisciência divina, Hodge declara:
A onisciência de Deus procede de sua onipresença. Como Deus enche céu e terra, todas as coisas se realizam em sua presença. Ele conhece nossos pensamentos muito mais do que nós mesmos os conhecemos. Esta plenitude do conhecimento divino é tomada em termos axiomáticos em todos os atos de culto. Oramos a um Deus que, cremos, conhece nossa situação e desejos, ouve o que dizemos e pode satisfazer todas as nossas necessidades. A menos que Deus seja assim onisciente, não poderia julgar o mundo consoante sua justiça. Fé neste atributo, em sua inteireza, é, portanto, essencial até mesmo na religião natural. [6]
 
1.5.    Deus sempre diz a verdade e age conforme a verdade[7]
          O hebraico do Antigo Testamento nos oferece uma constelação de vocábulos da mesma raiz que ilustram maravilhosamente o que é a vontade de Deus: hemet = verdade; ‘hemunah = fidelidade (Sl 92.2), onde se une a misericórdia, formando um binômio que equivale ao de graça e verdade de (Jo 1.14); como última raiz, está o verbo ‘amán = estar seguro, de onde derivam ‘omém = arquiteto e ‘amém = em verdade, assim seja. A verdade de Deus, na História da Salvação, é a fidelidade de suas promessas; promessas de salvação, de redenção, de bênção. Tanto é que, ainda em meio de suas Lamentações, Jeremias recorda que “suas misericórdias não têm fim. Elas se renovam a cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.22-23).
 
2.  Deus quer – Amor
          Antes de apresentarmos o conceito bíblico-teológico de amor, vejamos, em primeiro lugar, a relação entre querer e poder. Na experiência humana, nossa conduta é fruto de nosso querer, que é determinado pelo peso dos valores.[8] Toda ação requer uma compensação do esforço, a previsão de algo que satisfaça nossos desejos. A Filosofia Medieval chama isso de “causa final”, por ser a última na execução; mas a primeira na intenção.
          Assim pensando, a finalidade que Deus teve para com sua obra da criação do mundo foi fruto de sua vontade e expressou uma intenção. Os meios para alcançar determinados fins são fatores que definem o caráter ético da conduta. Tais meios são, por si só, uma sequência de fins relativos, subordinados ao fim último.[9]
          O que significa a vontade de Deus? A vontade de Deus, conforme é descrita pelas Escrituras, inclui três elementos: volição, poder e amor. Normalmente os teólogos concebem a ideia de vontade como equivalente ou relacionada ao propósito ou determinação de Deus. Parece que o apóstolo Paulo, em Efésios 1.5,11 e Fp 2.13, quis transmitir tal ideia. A vontade de Deus é livre. Um ser só é realmente livre quando tem liberdade para agir ou não agir, segundo o propósito de sua vontade. Assim, pois, Deus é livre para agir, para criar ou não criar. Deus é livre para fazer o universo continuar existindo ou fazê-lo cessar de existir. Ele é livre para cumprir suas promessas e as cumpre porque livremente decidiu cumpri-las.
          A vontade de Deus se expressa livremente através dos seus atributos morais e o amor é a expressão máxima da vontade livre de Deus. O amor de Deus não pode ser confundido com a forma de expressão do amor humano. Por esta razão, precisamos entender com profundidade o real sentido do amor divino expresso nas Escrituras. Ao ser criado à imagem e semelhança de Deus, o homem foi dotado da capacidade de amar. Por isso, é possível compreender o sentido do amor divino partindo da ideia que, em nossa consciência, formamos do significado do ato de amar.
          Tentando introduzir o conceito de amor de Deus, Lacueva é de parecer que para entendermos o que é realmente "amar", precisamos descobrir o significado de "bem" e qual a sua relação com a vontade e a liberdade. O bem é o objeto da vontade.  Aquilo que parece bom é o que todos desejam para si.  Diante disso, a vontade não é livre para querer o que parece como Mal Absoluto. Tampouco é livre para deixar de querer o Bem Absoluto. Esse bem absoluto o homem o conhece sob o aspecto de Felicidade. A Liberdade de decidir requer que o mal e o bem se achem juntos na balança de cada decisão. O "Pró" e o "Contra" são necessários para a deliberação. A fascinação do mal com aparência do bem corrompe a essência da liberdade com o "óxido da libertinagem". Por isso, só em sua inocência original foi o homem verdadeiramente livre. [10]
          Prosseguindo em seu raciocínio, Lacueva ilustra tal fato afirmando: “Agostinho de Hipona, contrapondo o Bem e o Mal como duas cidades em luta, disse: ‘estas cidades estão constituídas por duas atitudes distintas e estas duas distintas atitudes procedem de distintos amores: o amor de Deus que culmina na negação de si mesmo e o amor de si mesmo que culmina na negação de Deus’". [11]
          Amar, portanto, não se limita a um sentimento, não está separado da vontade e não pode ser demonstrado sem a liberdade interior. O amor é, em geral, a tendência para o bem. Esta tendência recebe três nomes distintos, segundo três referências distintas ao bem: amor de complacência, que se deleita no bem existente; amor de benevolência, que realiza o bem existente; amor de concupiscência, que deseja o bem para o proveito próprio.
          Ontologicamente, uma coisa é boa quando satisfaz ao conceito ideal que determina sua íntima essência. Assim pensando, podemos dizer que Deus, como Ser Supremo Perfeito, é o Bem Absoluto. É neste sentido que devemos interpretar as palavras de Jesus: “Ninguém é bom, senão um só, que é Deus” (Mc 10.18). Como Bem Absoluto, Deus é a fonte de todo bem. “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, do Pai das luzes” (Tg. 1.17).
          A Bíblia diz: "Deus é amor" (1Jo 4:8, 16) e o diz referindo-se ao homem como objeto desse amor. Deus ama no homem natural sua imagem ainda que esteja deteriorada pelo pecado; e no crente sua semelhança, conforme Rm. 8:29; 1Jo 3:2. Por outro lado, Deus aborrece, com o ímpeto de sua vontade, unicamente o pecado, pelo único atentado direto contra o Deus Bom. Mas Deus segue amando, com um amor cheio de compaixão e misericórdia, ao mundo pecador (Jo. 3:16).
          Quando a Bíblia declara que Deus é amor, ela transmite ao homem um conceito tanto de Deus como do próprio amor. Deus é o "Amor Personificado" e amor é um atributo divino (qualidade inerente ao caráter de Deus) que se manifesta nos seus atos redentivos. Deus ama, não porque "quer" fazer o bem, mas porque "o amor é a essência do ser de Deus" (caráter). Ele mesmo é a razão e o propósito de amar. Com respeito ao amor de Deus, as Escrituras revelam que:
a)  O amor é a expressão magna da bondade de Deus. Portanto, não há outro motivo que explique ou justifique os atos redentores de Deus (Rm 5.6-8; Ef 2.4-5).
b)  O amor é o elo de toda e qualquer relação entre os crentes e entre o crente e Deus (Mt 22.36-40).
c)  O amor de Deus, reproduzido em nossos atos de bondade, é prova de nossa regeneração e de nossa filiação a Deus (1Jo 3.11-18; 1Jo 4.7-21).
          Resumindo, podemos afirmar que a vontade de Deus, que é boa, agradável e perfeita (Rm 12.2), é realizada em virtude de seu eterno propósito redentivo revelado em Cristo (Ef 1.5-11). Uma vez que Deus deseja (tem vontade de) que todos sejam salvos (1Tm 2.3-4), tal vontade se realiza por meio do sacrifício de Cristo, como expressão máxima do amor divino (Jo 3.16; Rm 5.6-8; Ef 2.4-5).
3.       Deus pode – Poder
          Poder e vontade são duas forças interligadas. A vontade libera o poder e o poder realiza a vontade. Querer é optar por algo com o desejo de consegui-lo. Neste sentido, querer é um ato da vontade. Todo querer eficaz é uma tendência para o bem. Para o crente, a segurança de obter o desejado está garantida aos que estão em Cristo (Jo. 15:7, 16) e pedem, ajudados pelo Espírito Santo, conforme a vontade de Deus. Esta é a única forma para o homem de participar do Poder Soberano de Deus.
          Em Ef. 1:11 é nos dito que Deus faz todas as coisas segundo o desígnio de sua vontade, de acordo com um propósito. Isto nos leva à conclusão de que em Deus se dá um processo de deliberação, decisão e execução parecido com o nosso. A vontade de Deus alcança seus objetivos com um ato de seu querer, o qual é por si mesmo eficaz, isto é, poderoso.
3.1.    Deus é onipotente
          As Escrituras dão testemunho do soberano e infinito poder de Deus: “Eu sou o Deus Todo-Poderoso” (Gn 17.1). “Vede, agora, que Eu Sou, Eu somente, e mais nenhum deus além de mim; eu mato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar alguém da minha mão” (Dt 32.39). “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá? (Is 43.13). “Para Deus, tudo é possível” (Mt 19.26). “Jesus, porém, fitando neles o olhar, disse: Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível” (Mc 10.27).
          A ONIPOTÊNCIA divina é um atributo que pode ser descrito da seguinte forma: “Deus é a Causa Primeira, Absoluta, Infinita, Necessária e Suficiente, de tudo quanto tem razão de ser”.[12] Deus sempre pode mais do que faz. O atributo da onipotência divina consiste em que o poder de realização divino não está nem condicionado a fatores externos à sua natureza. Em suma, Deus faz tudo que lhe apraz.
           Diferente de nós, Deus não necessita de “meios” para a consecução de seus fins. Ele quer e ele faz. Ele disse: “Haja luz!” e houve luz. Se há um meio, esse meio é a sua vontade, que é sempre eficaz. Não há restrições à vontade divina que detenha sua capacidade de agir como quer e realizar o que pretende. Por um ato exclusivo de sua vontade soberana tudo veio a existir. “Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir”. (Sl 33.9).
3.2.    "Deus faz tudo o quer?"
          Para responder a esta pergunta é preciso antes fazer uma distinção. Ainda que a vontade de Deus é todo-poderosa recebe três nomes distintos, segundo sua peculiar relação com três classes de objetivos: vontade diretiva, vontade preceptiva e vontade permissiva.
a)  Vontade Diretiva – visa o efeito que Deus deseja conseguir, o qual está garantido pela eficácia de seu soberano poder, ao qual nada ou ninguém resiste (Is. 43:13; 46:10; At. 5:39; Hb. 6:17).
b)  Vontade Preceptiva – visa o cumprimento dos mandamentos divinos por parte de um ser criado. Com ela Deus manda ou ordena que realize algo. Este algo, em primeiro lugar, cumpre-se condicionalmente quando Deus faz depender o resultado final da vontade do homem. Neste caso, nem sempre rompe a resistência do homem, como é o caso de At. 17:30 que diz: "Deus... manda a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam", mas nem todos se arrependem. Em segundo lugar, cumpre-se voluntariamente como em Js 11:9, 15. Finalmente, não se cumpre, porque Deus não deseja que se realize o ato, mas que se manifeste a disposição do sujeito. Caso típico é o do sacrifício de Isaque que Deus ordenou a Abraão, mas impediu no último momento (Gn. 22:10-13).
c)  Vontade Permissiva - quando Deus não impede um mal físico ou moral. Isto não quer dizer que haja certa cumplicidade de Deus ou que ele mesmo seja o autor do mal. Para entendermos isso, precisamos considerar que:
§  Deus tem o controle das ações livres de todo ser mortal e, portanto, também das ações pecaminosas (Gn. 45:5; Ex. 10:1, 20; Is. 10:5-7; e, sobretudo, At. 2:23).
§  A permissão do mal não faz de Deus o autor do pecado, posto que Deus aborrece o mal com toda a infinita força de seu santo caráter, mas que só o tolera com desgosto por haver feito o homem dotado de liberdade (Gn. 45:5; 50:19-20; Ex. 14:17; Is. 66:4; Rm. 9:22; 2Ts 2:11);
§  Muitas vezes Deus impede positivamente o mal, ou ainda, refreia o pecador (Gn. 4:6-7; 20:6-7; Jó 1:12; 2:6; Sl. 76:10; Is. 10:15; At. 7:51);
§  Deus sempre tem o timão de nossas vidas e de toda a história; de modo que passa por alto ou tolera certos males, fazendo que seu efeito, não sua malícia, resulte em um bem maior (Gn. 50:20; Sl. 76:10; At. 3:13).
          Deus manifesta seu poder de forma soberana. Deus se identifica como "El-Shaddai" (Deus Todo-Poderoso) e nesta expressão está identificado o atributo da "Onipotência" divina. A Bíblia nos oferece copiosos testemunhos deste soberano poder de Deus (Gn. 17:1; 18:4; Dt. 32:39; Sl. 115:3; Is. 45:13; Mt. 19:26).
          Para descrever este atributo, podemos dizer seguramente que Deus é a "Causa Primeira, Absoluta, Infinita, Necessária e Suficiente" de tudo quanto tem razão de ser. Pela criação, preservação e intervenção em tudo o que existe e sucede, todo o ser de todos os seres criados é efeito da "causalidade" divina (At. 17:25-28).
          O poder de Deus está limitado pela seguinte razão: o poder de Deus não conhece outro limite além do "Absurdo" pela simples e completa razão de que o "absurdo" é o "não-ser", a "não verdade" e o "não-bem". Por esta razão, podemos dizer que Deus não pode:
§     Criar outro Deus igual a ele (1ª classe de absurdos) porque ainda que Deus empregasse seu infinito poder em tamanha tarefa o resultado seria uma "feitura" sua, algo criado, já que, para ser Deus Verdadeiro há de ter em si mesmo a razão de sua própria existência.
§     Realizar o que implica uma contradição conceptual ou impossível metafísico (2ª classe de absurdos) – em outras palavras, algo que repugne à noção de "Ser"; por isso, não pode mentir, arrepender-se, deixar de existir, etc., porque tudo isto implica um "Não-Ser": algo que contradiz a Verdade, ao Bem, à Santidade, etc. do ser de Deus (Nm. 23:19).
§ Mudar de condição ou de decisão. Tudo o que Deus pensa, decide e faz sucede invariavelmente, porque se efetua desde a imutável eternidade de Deus. Quando decidiu criar, encarnar-se, humilhar-se (Gn. 1:26-27; Jo. 1:14; Fp. 2:7, 8) já não pôde (nem pode) voltar atrás, nem em suas decisões, nem em suas promessas. Em sua imutabilidade é que se fundamenta sua fidelidade e nossa segurança (Nm. 23:19; 2Tm 1:12; 2:13; Tg. 1:17).


[1] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 82
[2] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. P. 86.
[3] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 87.
[4] BERKHOF, L. op. cit. p. 69.
[5] J. S. CHAFER. op. cit. pp. 218, 219.
[6] HODGE, C. op. cit. pp. 299, 300.
[7] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 90.
[8] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 92.
[9] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 92.
[10] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. pp. 93 a 94.
[11] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 94.
[12] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 101.