13 de dezembro de 2013

MINISTRO EXEMPLAR



Rev. Martin Luther King Jr.
Atos 20.17-38

Pr. José Vidigal Queirós


Introdução
Exmo. Sr. Presidente da Junta Administrativa do Seminário Teológico Batista em São Luís, Pr. Antônio Câmara Souza; Magnífico Reitor, Pr. Anderson Cavalcanti; Preclara Deã Acadêmica, Profa. Gilcilene Falcão; Colendo Corpo Docente, Digníssimo Orador Oficial desta turma de formandos, Sr. Francisco Alves; Diletos Concludentes, Digníssimos Pastores e Líderes aqui presentes, minhas senhoras e meus senhores.
Quero expressar a minha sincera gratidão pela honra que me é conferida ao ter assento nesta magna solenidade e poder assomar a esta tribuna sagrada, para dirigir-lhes a palavra. Em virtude da relevância e seriedade deste momento, quando mais uma equipe de líderes cristãos flui de sua graduação acadêmica para o exercício de sua respectiva função na hierarquia eclesiástica, quero fazer uso das Sagradas Escrituras, como fonte precípua da teologia cristã, para discretear o tema de minha fala: Ministro Exemplar.
No capítulo 20, versículos 17 a 38, do livro de Atos dos Apóstolos, encontramos o registro do discurso do apóstolo Paulo pronunciado aos presbíteros da igreja de Éfeso, onde ele fez uso de seu testemunho pessoal para abordar o tema da exemplaridade do ministério pastoral na esperança de que aqueles ministros alcançassem o padrão da excelência no exercício do seu ministério. Contextualizando o discurso de Paulo, quero propor aos formandos aqui presentes que a dignidade do ministério pastoral manifesta-se pela exemplaridade da vida de quem o exerce. O apóstolo Paulo apontou três princípios que regem o ministro exemplar.

1.       As virtudes de um ministro exemplar fluem através do seu caráter

Em sua fala aos presbíteros de Éfeso, Paulo revelou sua ousadia em apresentar-se como um referencial para aqueles homens. Propôs a eles que a primeira virtude manifesta pelo caráter de um ministro exemplar consiste no amor incondicional e irrestrito que deve ter por Jesus - Vós bem sabeis de que modo me tenho portado entre vós sempre, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, servindo ao Senhor com toda a humildade, e com lágrimas e provações que pelas ciladas dos judeus me sobrevieram...” (v. 19).
Nada, absolutamente nada, é mais forte que o amor. Ninguém, absolutamente ninguém além daqueles que amam a Jesus, exerce com dignidade o ministério pastoral. Amor é a energia espiritual celeste que flui da natureza constitutiva divina, pervade a alma dos regenerados, e os move à atitude de auto entrega, arremessando-os no altar do altruísmo. Amor é a obsessão pelo bem; portanto, os ministros exemplares são movidos de forma irresistível por uma ideia fixa: servir a Jesus. Esta é sua razão de viver e morrer.
A segunda virtude que manifesta o caráter de um ministro exemplar é a força exuberante de sua coragem. Agora, eis que eu, constrangido no meu espírito, vou a Jerusalém, não sabendo o que ali acontecerá, senão o que o Espírito Santo me testifica, de cidade em cidade, dizendo que me esperam prisões e tribulações, declarou Paulo aos presbíteros de Éfeso (vv. 22-23).
Ser corajoso não significa ser valentão. Enquanto o valentão caracteriza-se pela exibição agressiva e narcisista de sua virilidade e vigor físico para causar medo, o corajoso revela-se por sua firmeza e disposição em confrontar tudo e todos que o adversam, mesmo tendo consciência dos riscos de danos e dores que está sujeito a sofrer. Assim sendo, podemos afirmar sem margem de erro que coragem é a força que nos move ao cumprimento do dever, mesmo quando morremos de medo. Este foi o exemplo de Jesus, que mesmo “cheio de pavor” (Mc 14.33), como diz e Evangelho de Marcos, decidiu fazer a vontade do Pai, entregando-se à morte pelo meio mais cruel, humilhante e doloroso que o sadismo humano foi capaz de produzir: a cruz.
Deus não está à caça de valentes, mas em busca de corajosos. Ministros exemplares manifestam sua coragem quando resistem com firmeza às ameaças dos que arrogam para si o poder de decisão. Ministros exemplares confrontam ideias, não pessoas. Ministros exemplares manifestam coragem quando, mesmo com o risco de sua própria demissão, não se dobram diante dos impositores que, segundo a vileza de seu caráter, fazem uso da chantagem para dobrarem os homens de Deus.
A terceira virtude que manifesta o caráter de um ministro exemplar é a disposição ao sacrifício de sua própria vida. “Mas em nada tenho a minha vida como preciosa para mim, contando que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus”. Homens de Deus que exercem com dignidade o ministério pastoral abrem mão de privilégios e status para investir sua vida, seus dons e talentos na construção de uma nova humanidade para a glória de Deus.
Em João 12.24-25, Jesus declarou aos seus discípulos: Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo caindo na terra não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á; e quem neste mundo odeia a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna. Isto significa dizer que quem vive para Deus está morto para si mesmo. Portanto, ministros exemplares percorrem sua jornada, mantendo sua vida no altar do sacrifício. Isso ele haverá de realizar movido pelo senso do dever a cumprir “contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus” (v. 24).
Diletos formandos, sejam exemplares no exercício do ministério, manifestando em seu caráter essas virtudes: o amor incondicional a Jesus, a força exuberante de sua coragem, a disposição ao sacrifício da própria vida e o senso do dever a cumprir. Assim, portanto, reafirmo que as virtudes de um ministro exemplar fluem através de seu caráter.
O segundo grande princípio que rege o ministro exemplar é:

2.       As virtudes de um ministro exemplar manifestam-se através do seu discurso

Eloquência não torna o pastor um ministro exemplar. Cataratas retóricas podem também jorrar da boca de um mau caráter. Não é o discurso que faz o ministro; mas o ministro é que faz o discurso. Portanto, um ministro exemplar pode ser identificado pela natureza, conteúdo e propósito do seu discurso.
Vivemos dias difíceis, uma época ameaçadora para a igreja de Deus, pois o nível de mediocridade na pregação tende a proliferar na igreja de Cristo. Contrapondo o perfil dos profissionais do púlpito e dos mercadores do evangelho que ascendem aos níveis de maior escalão no âmbito eclesiástico, o apóstolo Paulo propôs aos presbíteros de Éfeso e a nós hoje que o discurso de um ministro exemplar manifesta quatro aspectos relevantes.
O primeiro deles consiste no conhecimento profundo da revelação divina. No texto já citado, versículos 20 e 21, Paulo disse: “... não me esquivei de vos anunciar coisa alguma que seja útil, ensinando-vos publicamente e de casa em casa, testificando, tanto a judeus como a gregos, o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus. E acrescentou nos versículos 26 e 27: Portanto, no dia de hoje, vos protesto que estou limpo do sangue de todos. Porque não me esquivei de vos anunciar todo o conselho de Deus.
Ministros exemplares são homens que falam com Deus antes de falar com os homens. Ministros exemplares são homens que leem diariamente a Palavra de Deus antes de lerem o jornal. Ministros exemplares são homens que navegam no universo do Espírito antes de navegarem na internet. No segundo módulo do Curso Haggai, um dos professores, fez durante a aula a seguinte declaração: “Alguém disse com certa coerência: Depois que os provedores da internet inventaram o Google, ninguém mais estuda; e depois que inventaram o Facebook, ninguém mais trabalha”.
A superficialidade dos púlpitos atuais resulta diretamente da preguiça e da mediocridade daqueles, cujo ministério sobrevive do plagio. Estes são ministros incompetentes; homens de inteligência atrofiada que buscam fazer sucesso pregando os sermões produzidos por homens iluminados por Deus. São amantes da negligência que, à semelhança de Josué, ocupam-se daquilo para o qual não foram chamados.
Quando Deus nomeou Josué como substituto de Moisés, tudo de mais importante que Deus lhe exigiu foi o seguinte: Não se aparte da tua boca o livro desta lei, antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido (Js 1.8). Significa dizer que Deus chamou Josué para ser profeta e não guerreiro. Seu tempo deveria ser ocupado com o estudo e a meditação na Palavra de Deus. Mas, lamentavelmente, sua inversão de prioridades, trocando o ofício profético pela carreira militar, conduziu a nação de Israel ao fracasso espiritual completo.
Na velhice, quando não mais tinha forças para empunhar a espada, ao ver a nação adorando os deuses dos cananeus, Josué fez ao povo de Israel uma proposta através da qual testificou de seu fracasso: Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; deitai fora os deuses a que serviram vossos pais dalém do Rio, e no Egito, e servi ao Senhor. Mas, se vos parece mal o servirdes ao Senhor, escolhei hoje a quem haveis de servir; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do Rio, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor (Js 24.22-24).
Ministros exemplares conhecem os desígnios de Deus. Ministros exemplares são detentores da sabedoria divina, esmeram-se no estudo e meditação na Palavra de Deus, para proclamarem a mensagem divina com a mesma autoridade dos profetas da antiga aliança que, ao iniciarem seus discursos, afirmavam com autoridade: “Assim diz o Senhor”. Ministros exemplares proclamam não a mensagem que seus ouvintes gostam, mas a palavra da qual todos estão carentes. Seu propósito é nutrir e não divertir.
Não só o conhecimento profundo, mas também o discernimento claro do que deve pregar, marca a exemplaridade dos pregadores enviados por Deus. Paulo declarou aos pastores de Éfeso: “... não me esquivei de vos anunciar coisa alguma que seja útil, ensinando-vos publicamente e de casa em casa...” (v. 20). Lamentavelmente, há muitas igrejas raquíticas espiritualmente, porque a ignorância bíblico-teológica de seus pastores privou o rebanho do Senhor do pão espiritual. O besteirol proclamado dos púlpitos atuais tornou-se o substituto da palavra que nutre, fazendo prevalecer a ignorância e a cegueira espiritual. Ministros exemplares são pastores que têm consciência de sua responsabilidade de nutrir substancialmente o rebanho de Cristo.
O terceiro aspecto que caracteriza o discurso de um ministro exemplar consiste na esperança dos resultados que pretende alcançar: arrependimento e fé. A igreja não existe para promover shows, nem os pastores são chamados para divertir os ouvintes através de seus discursos. A igreja não é a plateia de Deus e os pastores não são animadores de shows e de programas. Muitos templos de igreja já foram transformados em circo, porque o púlpito foi substituído por um picadeiro, onde os artífices do riso e os animadores do espetáculo divertem dominicalmente sua plateia em troca de aplausos.
Ministros exemplares são homens de Deus que instrumentalizam as Sagradas Escrituras – “como martelo que esmiúça a penha” (Jr 23.29)para quebrantar os corações endurecidos, transformando a alegria em tristeza e o riso em lágrimas de arrependimento. Senti as vossas misérias, lamentai e chorai; torne-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria em tristeza é a palavra de Tiago proclamada aos pecadores de corações endurecidos (Tg 4.9).
Não faça do culto um espetáculo; não faça do púlpito um palco. Faça do culto uma manifestação de verdadeiro louvor e verdadeira adoração; faça do púlpito aquilo que ele realmente é: uma tribuna sagrada de onde se faça ouvir com autoridade a voz de Deus por meio da boca de um ministro exemplar. Portanto, meus amados, tudo isso nos leva a acreditar que as virtudes de um ministro exemplar manifestam-se através do seu discurso.
O terceiro princípio que rege o ministro exemplar é o seguinte:

3.       As virtudes de um ministro exemplar manifestam-se através de suas obras

Em sua fala aos presbíteros de Éfeso, o apóstolo Paulo ensinou que as obras de um ministro exemplar manifestam a excelência de sua espiritualidade. Nos versículos 33 a 35, assim ele se expressou: De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes. Vós mesmos sabeis que estas mãos proveram as minhas necessidades e as dos que estavam comigo. Em tudo vos dei o exemplo de que assim trabalhando, é necessário socorrer os enfermos, recordando as palavras do Senhor Jesus, porquanto ele mesmo disse: Coisa mais bem-aventurada é dar do que receber. Homens espirituais são movidos pelo amor e altruísmo, pelo seu senso de responsabilidade para com o próximo e pelos compromissos de sua fé.
As obras de um ministro exemplar revelam a autenticidade de sua vocação. Ele busca imitar Jesus que “veio não para que fosse servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20.28). Os ministros das igrejas atuais estão classificados em duas categorias principais; as outras são derivadas destas duas: vocacionados e mercenários.
O mercenário entra para o ministério, planejando o quanto poderá explorar a igreja para dela tirar bens e riquezas. Movido pela ganância, ele é estimulado a mudar de pastorado quando a próxima igreja lhe oferece melhor salário. Para ele, igreja é o meio pelo qual busca engordar o saldo de sua conta bancária. Ele não está preocupado com o destino dos pecadores, porque vive em função do próximo banquete e do próximo orgasmo.
Em contraposição, o ministro exemplar vê a autenticidade de sua vocação como compromisso com Cristo, o reino de Deus e a missão. Para ele, a igreja é uma agência de promoção do reino de Deus e de transformação social. Movido pela sua paixão pelos pecadores, foge da sedução das riquezas e, pela fé na providência divina, investe sua vida na missão como sua incumbência maior. A salvação dos pecadores e a edificação dos regenerados são o foco de suas atenções e as prioridades que determinam o tempo de suas atividades. Por esta razão, suas riquezas não são constituídas de ouro e prata, mas das “obras que Deus preparou de antemão para que andássemos nelas” (Ef 2.10).
As obras de um ministro exemplar enaltecem a grandeza de sua generosidade. Paulo declarou aos pastores de Éfeso: Vós mesmos sabeis que estas mãos proveram as minhas necessidades e as dos que estavam comigo. Em tudo vos dei o exemplo de que assim trabalhando, é necessário socorrer os enfermos, recordando as palavras do Senhor Jesus, porquanto ele mesmo disse: Coisa mais bem-aventurada é dar do que receber (At 20.34-35).
Amados, o exercício do ministério pastoral exige de nós renúncia, sacrifício e altruísmo. Somos vocacionados para o serviço prestado a Deus em favor dos homens. Somos não somente ministros de Deus, mas também, benfeitores da humanidade. Morremos para nós mesmos, a fim de que outros vivam e vivam eternamente.
Finalmente, as obras de um ministro exemplar atribuem-lhe o mérito de servir como exemplo. Quando Paulo disse aos presbíteros de Éfeso: “Em tudo vos dei o exemplo” (At 20.35), com certeza ele esperava ser imitado e seus imitadores, por sua vez, se tornassem um referencial para os futuros ministros que Deus ainda haveria de vocacionar.
Já chega de pastores cuja utilidade maior é servir como motivo de vergonha e desonra. Como disse Judas, Estes são os escolhidos em vossos ágapes, quando se banqueteiam convosco, pastores que se apascentam a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos; são árvores sem folhas nem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas; ondas furiosas do mar, espumando as suas próprias torpezas, estrelas errantes, para as quais tem sido reservado para sempre o negrume das trevas(Jd 12-13).
Ministros exemplares dignificam o ministério que exercem por meio das obras que praticam. São obras que manifestam a excelência de sua espiritualidade, revelam a autenticidade de sua vocação, enaltecem a grandeza de sua generosidade e atribuem-lhe o mérito de servir como exemplo.

Conclusão
Diletos concludentes, permitam-me reiterar a tese deste discurso: A dignidade do ministério manifesta-se pela exemplaridade da vida de quem o exerce. O ministro exemplar é aquele cujo caráter e obras aprovam seu discurso. A credibilidade no que dizemos depende daquilo que nós somos e fazemos. Sejamos ministros que honrem o ministério, sendo exemplares no caráter, no discurso e nas obras, para que as próximas gerações glorifiquem a Deus pelos ministros que Ele enviou. Ao nosso Deus e Pai e ao Senhor Jesus Cristo sejam a glória, o louvor e honra pelos séculos dos séculos. Amém.



27 de novembro de 2013

TEONTOLOGIA - CAPÍTULO VII - OS ATRIBUTOS MORAIS DE DEUS



Pr. José Vidigal Queirós

Introdução
Conhecer os atributos morais de Deus requer que se busque nas Escrituras a resposta à seguinte questão: Como Deus age? Ou ainda, como ele se comporta? A priori, podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que Deus age com bondade, santidade e justiça. Os atos e atitudes de Deus são manifestações de seu caráter. Portanto, seus atributos morais regem a conduta divina. Os princípios éticos sobre os quais Deus pauta a sua conduta estão alicerçados nestes três atributos. Eis a razão pela qual Emil Brunner, um teólogo suíço, define ética cristã como sendo “a ciência da conduta humana determinada pela conduta de Deus”[1]. Quando Jesus exortou seus discípulos a serem perfeitos como “vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5.48), ele ratificou a premissa de que sendo o homem criado à imagem e semelhança de Deus, a conduta humana haverá de ser uma expressão exata do comportamento divino. Então, como Deus se comporta?

1. Deus age com Bondade
As Sagradas Escrituras descrevem a bondade divina através do uso de diversos termos: benevolência, graça, misericórdia e longanimidade. A infinita bondade inerente ao caráter divino define o tipo de relação que ele tem com a criação. Toda a criação é vista na Escritura como uma boa obra de Deus, tendo ela alcançado o padrão de qualidade que ele desejou. “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31). Sendo Deus infinitamente bom em si mesmo, é também infinitamente benigno e benevolente para com as suas criaturas (Sl. 145:9, 15, 16; Mt. 5:44-45; At. 14:17). Deus possui, em grau infinito, a “chrestótes” (termo grego traduzido como benignidade) e “agathosyne” (termo grego que significa bondade), que são frutos do Espírito (Gl 5.22) reproduzidos pelo caráter do regenerado como nascido do Espírito.
A bondade divina é expressa de forma relevante pela sua graça. A palavra "graça" é usada algumas vezes na Bíblia para designar simplesmente um "favor" que uma pessoa faz à outra. É a versão hebraica de "haman" e do grego "cháris". Como atributo divino sempre indica "favor não merecido", ou seja, a concessão de um favor, de um dom ou de um poder aos que não têm nenhum direito ou mérito (Rm. 5:5-10). Esta graça de Deus é fonte de todas as bênçãos celestiais desde a mensagem que semeou a Palavra Salvífica em nossos corações até a glorificação final nos céus, de tal maneira que a nossa vida espiritual presente e futura depende unicamente desta graça de Deus (At. 14:3; Rm. 3:24; 2Co. 8:9; Ef. 2:8-9; 2Ts. 2:16; Tt. 2:11; 3:7).
Sendo também outra manifestação da bondade de Deus, a misericórdia se diferencia da graça – favor não merecido – porque ela se baseia não na culpa, mas na "miséria" do homem caído. O termo "misericórdia" ocorre muito no Velho Testamento. O binômio "misericórdia e verdade" (em hebraico, "hesed-hemet") é frequente (Gn. 24:49; 32:10; 2Sm. 2:6; Sl. 40:10; 89:14; Pv. 3:3) às vezes, aparece unido com "fidelidade" (em hebraico, "emuah"). Esse binômio caracteriza ou dá o sentido de "salvação" equivalente a "graça e verdade" de Jo. 1:14.
No que se refere à longanimidade de Deus, dois vocábulos gregos são usados no Novo Testamento:
a) Hipomoné – que denota a capacidade de aguentar o sofrimento, isto é, de perseverar sob o peso da adversidade, como indica sua etimologia. Neste sentido, este termo aparece em Hb 10.36, cujo contexto culmina na definição de fé em Hb 11.1, para indicar que a paciência produz esperança.
b) Macrothymia – que significa a grandeza de ânimo para superar as contrariedades e ofensas que outras pessoas lançam sobre nós. Neste sentido, Paulo exorta aos crentes de Éfeso a “suportarem uns aos outros” (Ef 4.2) com algo mais que a simples paciência, isto é, com longanimidade.

A Bíblia nos deixa claro que Deus, por seu caráter bondoso, é “tardio em irar-se” (Ex 34.6; Sl 89.15). O mesmo é exigido de todo cristão, exortado por Tiago a estar predisposto a ouvir mais e falar menos, não se deixando dominar pela ira (Tg 1.19). Em Romanos 3.25, é dito que Deus propôs, pelo sangue de Cristo, aplacar sua ira (propiciação) para manifestar sua justiça e tolerar os pecadores a ponto de deixá-los sem a merecida punição dos pecados anteriormente cometidos. Este “passar por cima” dos pecados de Rm 3.25 equivale ao “não imputando aos homens as suas transgressões” que se encontra em 2Co 5.19.
Neste último contexto, é dito porque que Deus assim agiu: porque “ao que não conheceu pecado” (Cristo) Deus, por nossa causa, “o fez pecado” (responsável e vítima propiciatória pelo pecado) para que nós (os culpados) fôssemos feitos (chegássemos a ser) “justiça de Deus” (justificados) nele, isto é, em Cristo (2Co 5.21). A longanimidade de Deus não é, em nenhum modo, uma conivência nem indulgência com respeito ao pecado do homem, mas aponta para o Calvário, onde o pecado do homem encontra a sanção adequada. Deus nos perdoa o pecado e nos constitui justos, com a justiça de Cristo, em sua santa presença (Jo. 1:29; Rm. 3:25; 2Co 5:21).

2. Deus age com santidade
Santidade é o termo que designa a excelência moral de Deus. Perfeita ou absoluta integridade é outra forma de descrever a santidade do Ser de Deus, infinitamente puro e totalmente separado de toda e qualquer contaminação resultante da imperfeição de suas criaturas. “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar” (Hc 1.13). O culto a Deus é uma exigência de sua perfeição. Culto é um direito de Deus e um dever de toda criatura. O salmista exclama:
a) “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Sl 19.1);
b) “Todo ser que respira louve ao Senhor” (Sl 150.6);
c) “Louvai-o todos os seus anjos; louvai-o, todas as regiões celestes. Louvai-o sol e lua, louvai-o todas as estrelas luzentes” (Sl 148.2-3);
d) “Vinde, adoremos e prestemo-nos; ajoelhemos diante do Senhor que nos criou” (Sl 95.6).

A santidade de Deus é tamanha que o autor do Apocalipse assim a descreve: “Vi um grande trono branco e aquele que nele se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles” (Ap 20.11). É a santidade divina que nos faz sentir indignos. Isaías sentiu-se indigno, ínfimo, insignificante e imundo diante do “Senhor dos Exércitos” a ponto de esperar ser fulminado imediatamente - “ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!” (Is 6.1-5).
Ser santo, em hebraico, é expresso com o verbo qadash, donde procede o termo qadosh que significa "santidade". A ideia bíblica de santidade, tanto em hebraico como em grego hagios, comporta uma "separação". Esta separação tem um aspecto positivo de "elevação" no ser e na conduta e outro negativo de "alienação do mal", ou seja, de encontrar-se em estado de pureza. Se pudéssemos definir Deus por meio de algum atributo, sem dúvida, o de Santo o definiria.
Poderíamos definir a santidade de Deus como sendo uma "Bondade Majestática" (ou majestosa), isto é, como uma "majestade infinita" pela qual o ser de Deus é inacessível em sua perfeição absoluta, "completamente outro", totalmente livre de impureza, mudança e limitação. Isto implica numa "Perfeita Integridade de Caráter". Isto significa que a integridade do caráter divino não permite que nele haja a possibilidade do mal, pois "Deus é luz e nele não há treva nenhuma" (1Jo 1:5). A santidade divina assume dois aspectos que a conceituam:
a) Santidade Ôntica – denota a perfeição absoluta do ser de Deus;
b) Santidade Ética – tem a conotação de pureza de caráter, integridade e nobreza absolutas em todas as suas ações e palavras. Deus é o "Bem Absoluto", ou ainda o "Supremo Bem", cujo ser e caráter são infinitamente isentos de contaminação e da prática do mal. Sua santidade é tamanha que o homem é proibido de usar até o seu nome em vão (Ex. 20:7; Dt. 5:11). Sua presença "santifica" o lugar em que ele se manifesta ou no qual sua presença é reconhecida pelo homem de quem Deus exige reverência (Ex. 3:5; Js. 5:15; Ec. 5:1a).

Deus manifesta sua santidade de duas maneiras. A primeira, separando para si um povo com o qual fez um pacto especial e ao qual deu uma lei, um cerimonial e promessas. A segunda, preservando este povo (Israel) do mal e do erro, conduzindo-o com sua graça, seu poder e seus "corretivos purificadores", em revelação e em ação progressivas do ritual ao ético, do histórico ao profético, das figuras à realidade e da letra ao espírito. Este povo santo vai concentrando-se em um remanescente e singulariza-se em Jesus Cristo (O Santo por excelência, At. 2:27; 1Jo 2:20) em quem todos os crentes de todas as nações são aceitos, salvos e "santificados por Deus" (1Co. 1:2; Jo. 10:36; 17:17). Toda a ética do povo de Israel está fundamentada na intimação que "Yahweh" faz a seu povo em Lv. 19:2 – “Santos sereis, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”. “Porque sou santo” é o termo que se constitui não só a base de nossa obrigação de nos santificar como também a garantia de que nossa santificação é possível. O homem mortal não pode imitar a infinita majestade de Deus, mas pode aspirar a uma pureza tipicamente divina, mantendo-se apartado de tudo quanto possa contaminar-lhe (1Ts 4:3-8; 1Pe. 1:14-16).

3. Deus age com justiça
Antes de tudo, precisamos conceituar o termo justiça. Assim como o conceito bíblico de santidade aponta sempre para uma "separação", o conceito bíblico de justiça aponta para uma "conformidade". Justo é aquilo que em alguém assume suas proporções e forma, conforme suas medidas. Desta forma podemos dizer que uma roupa está "justa", quando suas medidas são exatamente iguais às medidas do usuário. Suas medidas estão conforme as dimensões de quem a usa. Analogamente, podemos afirmar que a medida da justiça é a norma da lei. Desta maneira, uma pessoa só é justa na medida em que ela cumpre a lei de Deus. Tanto em Deus como no homem, a justiça é consequência imediata da santidade e é o fundamento de todas as demais qualidades éticas do indivíduo. A partir do momento em que o homem imita a Deus em santidade naturalmente ele se torna não somente um defensor, mas principalmente um praticante fervoroso da justiça.
O conceito hebraico de justiça determina o padrão das relações humanas. Os vocábulos צַדִּיק Tsaddiyq = Justo e צְדָקָה Tsedaqah = Justiça falam da qualidade e da atitude de alguém em sua relação com seu semelhante em "igualdade de condições". Biblicamente falando, Justiça consiste, portanto, no profundo respeito à pessoa e aos seus direitos e necessidades inalienáveis. Nas relações humanas há três tipos de justiça: (a) Justiça Distributiva – distribuição segundo as necessidades individuais; (b) Justiça Restitutiva – restituição daquilo que de alguém foi tirado ou que deveria ser dado e ficou retido; (c) Justiça Retributiva – retribuição segundo o mérito. Aqui cabem dois sentidos de retribuição: a punição e a concessão de galardão.
Assim, portanto, questionamos: O que se entende por justiça de Deus? O conceito de justiça, para ser melhor compreendido no sentido bíblico, é necessário que se relacione tal atributo às qualidades do ser de Deus. O salmista diz: "Justiça e juízo são a base do teu trono; misericórdia e verdade vão adiante do teu rosto" (Sl. 89:14). Justiça de Deus é um atributo relacionado com a misericórdia divina e o juízo relacionado com a verdade. Ap. 15:3 diz: "... justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos séculos...". Assim sendo, Justiça pode significar o padrão moral pelo qual Deus mede a conduta e avalia o caráter humano. Por esta razão, os homens são exortados a praticarem a justiça e a misericórdia (Gn. 18:19; Mq 6:8). Assim como por sua justiça Deus julga o comportamento humano também pela mesma justiça redime o arrependido. Assim, a justiça divina tem uma conotação tanto judicial como redentiva (Is. 45:21-22).
Todo o propósito da justiça de Deus é revelar sua misericórdia e a sua graça salvadora. Deus satisfez sua justiça, condenando em Cristo o pecado, o qual suportou em nosso lugar a pena que nos estava imposta, para dar a todo homem uma chance de redenção (Rm. 3:21-26). Por outro lado, o homem, ao recusar a graça salvadora de Deus que fez cair sobre seu Filho a condenação do pecado, atrai sobre si mesmo a justa condenação por agredir com desprezo a pessoa do Deus Santo, Justo, Misericordioso e Soberano. Assim, o ato da recusa humana exige de Deus um ato de sua justiça retributiva de natureza judicial (Hb 2:1-3; Rm. 1:18, 28-32). Diante disso, questionamos: Quais as implicações práticas da justiça de Deus? Como resposta, Francisco Lacueva[2] propõe o seguinte:
A justiça de Deus é simplesmente o exercício de sua santidade na relação com a criação. A justiça divina, neste caso, combina com a “bondade majestática” de Deus, mas não se identifica com o amor. A justiça de Deus não pode dar lugar à mera indulgência ou à conivência. Esperar que a misericórdia de Deus, no final, alcançará as exigências de sua justiça é o erro que o diabo procura inculcar nos inconversos, olvidando a severa advertência de Hb 2.2-3: “Porque se a palavra dita por meio dos anjos foi firme, e toda transgressão e desobediência receberam JUSTA RETRIBUIÇÃO, como escaparemos nós se negligenciarmos tão grande salvação?” A justiça de Deus se manifesta em um Deus justo governador do mundo e que “retribui a cada um segundo as suas obras” (Ap 22.12; cf. Ap 2.23). Por isso, faz-se necessário distinguir em Deus: (a) Uma justiça que manifesta a retidão e a equidade com que Deus governa o mundo, impõe suas leis e as sanciona (cf. Rm 1.32); (b) Uma justiça que remunera, não porque o ser humano não pode exigir de Deus nenhuma retribuição nem salário (Lc 17.10), mas porque Deus se tem comprometido com promessa de fidelidade a dar, ao que vencer, a “coroa da justiça” (2Tm 4.8; Ap 3.11); (c) Uma justiça que castiga aos transgressores da lei, pois a ira de Deus pende sobre todos quantos se opõem de forma iníqua à penetração da verdade em seus corações (Rm 1.18). Mas ainda que esta mesma justiça conserva-se temperada pela misericórdia, posto que o Deus Santo, que é Amor e Justiça-nossa ao mesmo tempo, sempre pune o que desmerecemos com nossos pecados e infidelidades. Desta forma, a justiça divina está sempre pronta a castigar o mal, mas não a premiar o bem.

Há uma tenção entre o amor e a justiça de Deus? Como Deus é o Bem Absoluto e a excelência da perfeição e da santidade, todos os seus atributos operam em absoluta harmonia. Nenhum atributo se contrapõe a qualquer dentre os demais. Deus é perfeitamente íntegro. São as nossas concepções pessoais e deduções “lógicas” oriundas de nossa estrutura cognitiva que entram em conflito, quando refletimos sobre os atos de Deus.
Amor e justiça são atributos que se integram de tal forma que nenhum ato de justiça tem o reconhecimento de Deus sem que esse ato não manifeste verdadeiro amor. Por outro lado, nenhuma obra de amor tem qualquer validade para Deus sem que a justiça seja sua verdadeira causa. Em outras palavras, não há amor sem expressão da justiça nem justiça sem expressão do amor. “A justiça de Deus exige que a pena do pecado seja paga. O amor de Deus, porém, deseja que sejamos restaurados à comunhão com ele”.[3] O sacrifício de Cristo é a expressão máxima do amor de Deus e satisfação plena de sua justiça.

Conclusão
Deus é um ser, cuja natureza e caráter expressam a perfeição absoluta. Seus atributos ônticos designam tudo que Ele é, isto é, revelam sua natureza constitutiva. Seus atributos operativos definem tudo que ele faz – as obras que realiza em toda a sua criação. Seus atributos morais não só descrevem o seu caráter, mas também revelam como Ele se comporta. Sua conduta é pautada por sua bondade, santidade e justiça. Glória e honra sejam atribuídas a Ele eternamente, amém.





[1] BRUNNER, Emil. apud da SILVA, PAULO W. Ética cristã. Rio de Janeiro: JUERP, 1989, p. 11.
[2] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. pp. 119 a 121.
[3] ERICKSON, M. Introdução à teologia sistemática, p. 126.

31 de outubro de 2013

TEONTOLOGIA - CAPÍTULO VI - OS ATRIBUTOS OPERATIVOS DE DEUS


Pr. José Vidigal Queirós
Introdução
Enquanto os atributos ônticos dizem respeito ao ser de Deus (natureza divina), isto é, a tudo aquilo que Deus é em sua essência, os atributos operativos descrevem os aspectos das obras divinas e à forma como Deus age (opera). Os atos de Deus, segundo as Escrituras, são manifestos como livres e eficazes, derivam de sua vontade pessoal e fundamentam-se em sua autoridade suprema pela qual exerce sua soberania. A identificação dos atributos operativos de Deus é obtida através da resposta à questão: O que Deus faz?
1.       Deus pensa – Verdade
          O objeto que se constitui no âmago do pensamento de Deus é a Verdade. A integridade (perfeição) de Deus não lhe possibilita idealizar a mentira e a hipótese do erro. Em Jo 18:37 Jesus disse: "... eu vim dar testemunho da verdade; todo aquele que é da verdade ouve a minha voz". Mas em que consiste tal "testemunhar da verdade”?
          Testemunhar da verdade, segundo Jesus, seria revelar ao homem a mais absoluta e pura Verdade que estava na mente de Deus, e que, por conhecê-la, o homem encontraria a verdadeira liberdade (Jo 8:32) e, consequentemente, seria santificado pela "Palavra da Verdade" (Jo 17:17-19).
Mas o que é a Verdade?  O conceito de verdade pode ser descrito da seguinte forma:
a)   A expressão fiel, completa e pura de tudo que existe; ou ainda, a manifestação autêntica da realidade; é a essência da realidade;
b)  O princípio pelo qual se explica, comprova e consuma os fatos.
1.1.    A verdade de Deus
           Mas, e a verdade de Deus? O conceito de verdade, segundo Lacueva [1], caracteriza-se por três aspectos: ontológico, lógico e ético.
a)   A verdade ontológica – “a realidade das coisas é transcendente e se manifesta em múltiplas e mutáveis facetas, não sendo possível captá-las com nossa mente limitada toda a verdade objetiva que se encerra em um ser”. Significa dizer que, devido às nossas limitações e distorções da percepção sensorial, jamais poderemos conhecer a realidade intrínseca das coisas que nos cercam.
b)  Verdade lógica – “é a objetividade ou relação adequada com os vários aspectos fenomenológicos da realidade formada em nossos juízos (através de nossa percepção e ideação) acerca da dita realidade. O fato de que cada um de nós [...] apreendamos distintos aspectos da realidade faz possível a diversidade de opiniões e o contraste de percepções a respeito da mesma realidade”.
c)   A verdade ética – “é a veracidade ou adequação entre o que pensamos e o que decidimos ou fazemos. Sem dúvida, esta é a principal, segundo a Bíblia. O conceito hebraico de verdade equivale a segurança baseada na fidelidade a promessas (a verdade de Deus) ou a normas (verdade do homem). Daí que mentira e mentiroso (Jo 8.44; Ap 21.8, 27) não indica só um dizer o que se sabe que é falso, senão um fazer o que é abominável”.
1.2.    Deus é a verdade [2]
           O fato de que Deus seja “o único Deus verdadeiro” (Jo 17.3) nos dá a medida da verdade ontológica de Deus: é o único que merece esse nome, pois só ele responde ao conceito genuíno de verdadeiro Deus (Jo 3.33). O fato de que o Criador seja, como disse Jesus, o "Deus Verdadeiro" – "A vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro..." (Jo. 17:3) – nos faz conhecer uma das condições para a salvação e nos dá a medida da Verdade Ontológica de Deus. Deus não só é verdadeiro (autêntico), mas também é a própria Verdade Transcendental e fonte de tudo o que existe de verdade. Por isso, não pode ser autor do pecado, porque o pecado é a Mentira Radical. Quando Jesus disse: "Eu sou... a verdade..." (Jo 14:6), ele certamente quis dizer que era a expressão perfeita e não uma reprodução deformada ou limitada do caráter de Deus. Quis provar a sua divindade e, provavelmente, também identificar-se como sendo:
a)  O "princípio verdadeiro" pelo qual se explica a origem da vida;
b)  O “meio verdadeiro" pelo qual o homem pode reintegrar-se, reconciliar-se e realizar-se em Deus;
c)  O "fim verdadeiro" no qual se consuma o propósito da existência do homem e a vontade de Deus.
          Berkhof apresenta a veracidade de Deus sob três aspectos:
a)   No sentido metafísico – em Deus, a ideia da divindade se concretiza perfeitamente. Ele é tudo como Deus deveria ser e, como tal, distingue-se de todos os deuses, assim chamados, os quais são chamados ídolos, nulidades e mentiras (Sl 96.5; 97.7; 115.4-8; Is 44.9-10).
b)   No sentido ético – como tal, revela-se como realmente é, de modo que a sua revelação é absolutamente confiável (Nm 23.19; Rm 3.4; Hb 6.18).
c)   No sentido lógico – em virtude disto, Deus conhece as coisas como realmente são. Sua verdade é alicerce de todo conhecimento. Ele é a fonte de toda a verdade, não somente na esfera da moral e da religião, mas também em todos os campos da atividade científica. Há muitas passagens que testificam da veracidade de Deus (Êx 34.6; Nm 23.29; Dt 32.4; Sl 25.10; 31.6; 65.16; Jr 10.8, 10, 11; Jo 14.6; 17.3; Tt 1.2; Hb 6.18; 1Jo 5.20-21).
          A imanente e infinita verdade de Deus nos leva a duas consequências de extrema importância:
a)   Como o objeto do entendimento é a Verdade, Deus pode ser conhecido pelo homem, pois ele é a verdade personificada (Jo. 8:32);
b)  Como Deus é a "Verdade Transcendental" e infinita, Deus não pode ser compreendido por nenhuma de suas criaturas (Rm. 11:33).
1.3.    Deus conhece toda a verdade [3]
          Com referência à natureza do conhecimento de Deus, Berkhof o classifica em arquétipo, para designar que Deus conhece o universo como um projeto anterior à sua existência material; intuitivo, não necessitando de demonstração discursiva; inato e imediato, não resultando de observação ou de um processo de reflexão lógico-científica; simultâneo e não sucessivo; completo e não parcial como ocorre no homem. [4]
          No que se refere à abrangência, o conhecimento divino é pleno, perfeito, exaustivo e eterno. Desta forma é que se expressa a ONISCIÊNCIA de Deus. Isto significa que Deus conhece não somente a aparência, mas também a essência de todas as coisas (Sl 139.1-18). A Onisciência divina não se caracteriza somente por sua abrangência e intensidade, mas também por sua extensão no tempo. Deus conhece não só o oculto, mas também tudo que há de ser e suceder. Assim é que se caracteriza a PRESCIÊNCIA de Deus. O que há de ser e tudo que haverá de ocorrer, inclusive as ações livres do homem, são do conhecimento de Deus. O Supremo Criador conhece todas as coisas futuras que são meramente possíveis, mas que ainda não se tornaram reais. Toda advertência de Deus é uma declaração de perigo e de mal que ele conhece que se seguirá a uma escolha errada.
          A profecia distingue-se da previsão. Esta denota a expectativa do que será fundamentada nas circunstâncias históricas do passado e do presente, cuja concretização é incerta. A profecia consiste na provisão revelada do que Deus de antemão já providenciou para o futuro; portanto, sua concretização é inevitável, pois está alicerçada na vontade soberana e no eterno desígnio de Deus. Profecia é a revelação, não do que Deus espera que ocorra, mas do que Deus determinou que aconteça.
          O que Deus decidiu sobre o futuro deriva de sua presciência. Se Deus não tivesse presciência de tudo o que o homem livremente decidirá fazer, estaria limitado pelas circunstâncias, seria surpreendido pelo homem, e só poderia definir o curso do universo, violando de forma arbitrária a liberdade humana. Mas Deus age conforme o que planejou.  Tudo que Deus planejou compõe o conhecimento arquétipo de Deus. Falando sobre o conhecimento arquétipo divino, Chafer assim se expressa:
O conhecimento arquétipo divino diz respeito a tudo que Deus planejou para o Universo antes dele ser trazido à existência, ou tornado real pelo seu poder criador onipotente. Os arquétipos do Universo existiram desde a eternidade na mente de Deus, e a criação foi apenas o exercício da ONIPOTÊNCIA pela qual a realidade veio a existir em relação àquilo que a onisciência havia concebido.[5]
          Toda verdade objetiva está patente aos olhos de Deus. Deus sabe tudo de uma maneira perfeita e única em uma só ideia eterna e exaustiva (completa). A identidade ontológica entre a mente divina e a verdade infinita faz que Deus se conheça a si mesmo de uma maneira perfeita. Deus se conhece e se compreende a si mesmo de uma maneira perfeita. Esse conhecimento pleno de si mesmo, de tudo e de todos simultaneamente, é que nos faz reconhecê-lo como um ser ONISCIENTE (1Sm 2.3; Jó 12.13; Sl 94.9; 139.1-6; Is 29.15; 40.27-28). Esse conhecimento é eterno, pois Deus conhecia a todos os seres antes mesmo de criá-los. Portanto, seu conhecimento antecede a criação (Pv. 8:22-31). Este conhecimento também é "intuitivo" (sem necessidade de discutir), é "simultâneo" (sem necessidade de ideias) e "exaustivo" (sem perder nenhum detalhe). Nisto consiste a ONISCIÊNCIA de Deus.
          Por ser Deus eterno, para ele não há tempo passado nem futuro; tudo é presente. Não nos estranhará, portanto, que ele conheça o que para nós é futuro. Cabe, então, uma pergunta: "Os atos humanos são conhecidos porque vão suceder ou vão suceder porque são conhecidos, isto é, determinados por Deus?" Se Deus conhece tudo que vai suceder, porque o vê sucedendo, sua ciência segue "atrás" dos fatos. Não é Deus que programa toda a história (embora a controle), mas sabe antes o que o homem fará e o que pensa fazer (Sl. 139:4; Jr. 17:10; Mt. 6:7-8). Se os atos do homem fossem programados por Deus, onde estaria a liberdade humana?
1.4.    Concepção bíblica do conhecimento de Deus
          Conhecimento é o saber que, no homem, resulta de um processo de aprendizagem; mas, em Deus, é um atributo inerente à sua natureza pelo qual Deus sabe de todas as coisas em todo lugar simultaneamente, tanto no que se refere ao passado, como ao presente e ao futuro. O que Deus sabe não foi aprendido, pois ele mesmo é a fonte geradora e o agente realizador da “ideia concretizada do universo”, em sua macro extensão e em sua micro dimensão. Cada átomo da matéria é um elemento da ciência e da invenção divina.
          A Escritura testemunha da ciência de Deus em dois aspectos: a sabedoria criadora que idealizou e concretizou o universo visível e invisível (Pv 8.2-31); e o conhecimento exaustivo de tudo que nele ocorre (Hb 4.13). Vejamos o que nos diz a Palavra de Deus:
a)  “Até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa” (Sl 139.12).
b)  “O que fez o ouvido acaso não ouvirá? E o que formou os olhos será que não enxerga?” (Sl 94.9).
c)  “Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos” (Sl 139.1-2).
d)  “Os olhos do Senhor estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons” (Pv 15.3).
e)  “O além e o abismo estão descobertos perante o Senhor; quanto mais o coração dos filhos dos homens!” (Pv 15.11).
f)  “Grande é o Senhor nosso e mui poderoso; o seu conhecimento não se pode medir” (Sl 147.5).
g)  “Ó casa de Israel; porque, quanto às coisas que vos surgem à mente, eu as conheço” (Ez 11.5).
h)  “Diz o Senhor, que faz essas coisas conhecidas desde séculos” (At 15.18).
i)   “E quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados” (Mt 10.30).
          Deus conhece todas as coisas exatamente como são e virão a ser. Sua ciência é presciência. Enquanto a ciência do homem é produto do passado (tudo que sabe foi aprendido), a ciência de Deus determina o futuro (Is 44.6-8). É exatamente por esta razão que Deus tem sob seu controle os atos livres dos homens e conduz a história para o fim que ele determinou, segundo o seu eterno desígnio. “Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado, não o posso atingir” (S 139.6), diz o salmista, reconhecendo a magnitude infinita da ciência divina, a perfeição absoluta de Deus; e sentindo-se ínfimo, insignificante diante de seu Criador.
          Dissertando sobre a onisciência divina, Hodge declara:
A onisciência de Deus procede de sua onipresença. Como Deus enche céu e terra, todas as coisas se realizam em sua presença. Ele conhece nossos pensamentos muito mais do que nós mesmos os conhecemos. Esta plenitude do conhecimento divino é tomada em termos axiomáticos em todos os atos de culto. Oramos a um Deus que, cremos, conhece nossa situação e desejos, ouve o que dizemos e pode satisfazer todas as nossas necessidades. A menos que Deus seja assim onisciente, não poderia julgar o mundo consoante sua justiça. Fé neste atributo, em sua inteireza, é, portanto, essencial até mesmo na religião natural. [6]
 
1.5.    Deus sempre diz a verdade e age conforme a verdade[7]
          O hebraico do Antigo Testamento nos oferece uma constelação de vocábulos da mesma raiz que ilustram maravilhosamente o que é a vontade de Deus: hemet = verdade; ‘hemunah = fidelidade (Sl 92.2), onde se une a misericórdia, formando um binômio que equivale ao de graça e verdade de (Jo 1.14); como última raiz, está o verbo ‘amán = estar seguro, de onde derivam ‘omém = arquiteto e ‘amém = em verdade, assim seja. A verdade de Deus, na História da Salvação, é a fidelidade de suas promessas; promessas de salvação, de redenção, de bênção. Tanto é que, ainda em meio de suas Lamentações, Jeremias recorda que “suas misericórdias não têm fim. Elas se renovam a cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.22-23).
 
2.  Deus quer – Amor
          Antes de apresentarmos o conceito bíblico-teológico de amor, vejamos, em primeiro lugar, a relação entre querer e poder. Na experiência humana, nossa conduta é fruto de nosso querer, que é determinado pelo peso dos valores.[8] Toda ação requer uma compensação do esforço, a previsão de algo que satisfaça nossos desejos. A Filosofia Medieval chama isso de “causa final”, por ser a última na execução; mas a primeira na intenção.
          Assim pensando, a finalidade que Deus teve para com sua obra da criação do mundo foi fruto de sua vontade e expressou uma intenção. Os meios para alcançar determinados fins são fatores que definem o caráter ético da conduta. Tais meios são, por si só, uma sequência de fins relativos, subordinados ao fim último.[9]
          O que significa a vontade de Deus? A vontade de Deus, conforme é descrita pelas Escrituras, inclui três elementos: volição, poder e amor. Normalmente os teólogos concebem a ideia de vontade como equivalente ou relacionada ao propósito ou determinação de Deus. Parece que o apóstolo Paulo, em Efésios 1.5,11 e Fp 2.13, quis transmitir tal ideia. A vontade de Deus é livre. Um ser só é realmente livre quando tem liberdade para agir ou não agir, segundo o propósito de sua vontade. Assim, pois, Deus é livre para agir, para criar ou não criar. Deus é livre para fazer o universo continuar existindo ou fazê-lo cessar de existir. Ele é livre para cumprir suas promessas e as cumpre porque livremente decidiu cumpri-las.
          A vontade de Deus se expressa livremente através dos seus atributos morais e o amor é a expressão máxima da vontade livre de Deus. O amor de Deus não pode ser confundido com a forma de expressão do amor humano. Por esta razão, precisamos entender com profundidade o real sentido do amor divino expresso nas Escrituras. Ao ser criado à imagem e semelhança de Deus, o homem foi dotado da capacidade de amar. Por isso, é possível compreender o sentido do amor divino partindo da ideia que, em nossa consciência, formamos do significado do ato de amar.
          Tentando introduzir o conceito de amor de Deus, Lacueva é de parecer que para entendermos o que é realmente "amar", precisamos descobrir o significado de "bem" e qual a sua relação com a vontade e a liberdade. O bem é o objeto da vontade.  Aquilo que parece bom é o que todos desejam para si.  Diante disso, a vontade não é livre para querer o que parece como Mal Absoluto. Tampouco é livre para deixar de querer o Bem Absoluto. Esse bem absoluto o homem o conhece sob o aspecto de Felicidade. A Liberdade de decidir requer que o mal e o bem se achem juntos na balança de cada decisão. O "Pró" e o "Contra" são necessários para a deliberação. A fascinação do mal com aparência do bem corrompe a essência da liberdade com o "óxido da libertinagem". Por isso, só em sua inocência original foi o homem verdadeiramente livre. [10]
          Prosseguindo em seu raciocínio, Lacueva ilustra tal fato afirmando: “Agostinho de Hipona, contrapondo o Bem e o Mal como duas cidades em luta, disse: ‘estas cidades estão constituídas por duas atitudes distintas e estas duas distintas atitudes procedem de distintos amores: o amor de Deus que culmina na negação de si mesmo e o amor de si mesmo que culmina na negação de Deus’". [11]
          Amar, portanto, não se limita a um sentimento, não está separado da vontade e não pode ser demonstrado sem a liberdade interior. O amor é, em geral, a tendência para o bem. Esta tendência recebe três nomes distintos, segundo três referências distintas ao bem: amor de complacência, que se deleita no bem existente; amor de benevolência, que realiza o bem existente; amor de concupiscência, que deseja o bem para o proveito próprio.
          Ontologicamente, uma coisa é boa quando satisfaz ao conceito ideal que determina sua íntima essência. Assim pensando, podemos dizer que Deus, como Ser Supremo Perfeito, é o Bem Absoluto. É neste sentido que devemos interpretar as palavras de Jesus: “Ninguém é bom, senão um só, que é Deus” (Mc 10.18). Como Bem Absoluto, Deus é a fonte de todo bem. “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, do Pai das luzes” (Tg. 1.17).
          A Bíblia diz: "Deus é amor" (1Jo 4:8, 16) e o diz referindo-se ao homem como objeto desse amor. Deus ama no homem natural sua imagem ainda que esteja deteriorada pelo pecado; e no crente sua semelhança, conforme Rm. 8:29; 1Jo 3:2. Por outro lado, Deus aborrece, com o ímpeto de sua vontade, unicamente o pecado, pelo único atentado direto contra o Deus Bom. Mas Deus segue amando, com um amor cheio de compaixão e misericórdia, ao mundo pecador (Jo. 3:16).
          Quando a Bíblia declara que Deus é amor, ela transmite ao homem um conceito tanto de Deus como do próprio amor. Deus é o "Amor Personificado" e amor é um atributo divino (qualidade inerente ao caráter de Deus) que se manifesta nos seus atos redentivos. Deus ama, não porque "quer" fazer o bem, mas porque "o amor é a essência do ser de Deus" (caráter). Ele mesmo é a razão e o propósito de amar. Com respeito ao amor de Deus, as Escrituras revelam que:
a)  O amor é a expressão magna da bondade de Deus. Portanto, não há outro motivo que explique ou justifique os atos redentores de Deus (Rm 5.6-8; Ef 2.4-5).
b)  O amor é o elo de toda e qualquer relação entre os crentes e entre o crente e Deus (Mt 22.36-40).
c)  O amor de Deus, reproduzido em nossos atos de bondade, é prova de nossa regeneração e de nossa filiação a Deus (1Jo 3.11-18; 1Jo 4.7-21).
          Resumindo, podemos afirmar que a vontade de Deus, que é boa, agradável e perfeita (Rm 12.2), é realizada em virtude de seu eterno propósito redentivo revelado em Cristo (Ef 1.5-11). Uma vez que Deus deseja (tem vontade de) que todos sejam salvos (1Tm 2.3-4), tal vontade se realiza por meio do sacrifício de Cristo, como expressão máxima do amor divino (Jo 3.16; Rm 5.6-8; Ef 2.4-5).
3.       Deus pode – Poder
          Poder e vontade são duas forças interligadas. A vontade libera o poder e o poder realiza a vontade. Querer é optar por algo com o desejo de consegui-lo. Neste sentido, querer é um ato da vontade. Todo querer eficaz é uma tendência para o bem. Para o crente, a segurança de obter o desejado está garantida aos que estão em Cristo (Jo. 15:7, 16) e pedem, ajudados pelo Espírito Santo, conforme a vontade de Deus. Esta é a única forma para o homem de participar do Poder Soberano de Deus.
          Em Ef. 1:11 é nos dito que Deus faz todas as coisas segundo o desígnio de sua vontade, de acordo com um propósito. Isto nos leva à conclusão de que em Deus se dá um processo de deliberação, decisão e execução parecido com o nosso. A vontade de Deus alcança seus objetivos com um ato de seu querer, o qual é por si mesmo eficaz, isto é, poderoso.
3.1.    Deus é onipotente
          As Escrituras dão testemunho do soberano e infinito poder de Deus: “Eu sou o Deus Todo-Poderoso” (Gn 17.1). “Vede, agora, que Eu Sou, Eu somente, e mais nenhum deus além de mim; eu mato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar alguém da minha mão” (Dt 32.39). “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Ainda antes que houvesse dia, eu era; e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá? (Is 43.13). “Para Deus, tudo é possível” (Mt 19.26). “Jesus, porém, fitando neles o olhar, disse: Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível” (Mc 10.27).
          A ONIPOTÊNCIA divina é um atributo que pode ser descrito da seguinte forma: “Deus é a Causa Primeira, Absoluta, Infinita, Necessária e Suficiente, de tudo quanto tem razão de ser”.[12] Deus sempre pode mais do que faz. O atributo da onipotência divina consiste em que o poder de realização divino não está nem condicionado a fatores externos à sua natureza. Em suma, Deus faz tudo que lhe apraz.
           Diferente de nós, Deus não necessita de “meios” para a consecução de seus fins. Ele quer e ele faz. Ele disse: “Haja luz!” e houve luz. Se há um meio, esse meio é a sua vontade, que é sempre eficaz. Não há restrições à vontade divina que detenha sua capacidade de agir como quer e realizar o que pretende. Por um ato exclusivo de sua vontade soberana tudo veio a existir. “Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir”. (Sl 33.9).
3.2.    "Deus faz tudo o quer?"
          Para responder a esta pergunta é preciso antes fazer uma distinção. Ainda que a vontade de Deus é todo-poderosa recebe três nomes distintos, segundo sua peculiar relação com três classes de objetivos: vontade diretiva, vontade preceptiva e vontade permissiva.
a)  Vontade Diretiva – visa o efeito que Deus deseja conseguir, o qual está garantido pela eficácia de seu soberano poder, ao qual nada ou ninguém resiste (Is. 43:13; 46:10; At. 5:39; Hb. 6:17).
b)  Vontade Preceptiva – visa o cumprimento dos mandamentos divinos por parte de um ser criado. Com ela Deus manda ou ordena que realize algo. Este algo, em primeiro lugar, cumpre-se condicionalmente quando Deus faz depender o resultado final da vontade do homem. Neste caso, nem sempre rompe a resistência do homem, como é o caso de At. 17:30 que diz: "Deus... manda a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam", mas nem todos se arrependem. Em segundo lugar, cumpre-se voluntariamente como em Js 11:9, 15. Finalmente, não se cumpre, porque Deus não deseja que se realize o ato, mas que se manifeste a disposição do sujeito. Caso típico é o do sacrifício de Isaque que Deus ordenou a Abraão, mas impediu no último momento (Gn. 22:10-13).
c)  Vontade Permissiva - quando Deus não impede um mal físico ou moral. Isto não quer dizer que haja certa cumplicidade de Deus ou que ele mesmo seja o autor do mal. Para entendermos isso, precisamos considerar que:
§  Deus tem o controle das ações livres de todo ser mortal e, portanto, também das ações pecaminosas (Gn. 45:5; Ex. 10:1, 20; Is. 10:5-7; e, sobretudo, At. 2:23).
§  A permissão do mal não faz de Deus o autor do pecado, posto que Deus aborrece o mal com toda a infinita força de seu santo caráter, mas que só o tolera com desgosto por haver feito o homem dotado de liberdade (Gn. 45:5; 50:19-20; Ex. 14:17; Is. 66:4; Rm. 9:22; 2Ts 2:11);
§  Muitas vezes Deus impede positivamente o mal, ou ainda, refreia o pecador (Gn. 4:6-7; 20:6-7; Jó 1:12; 2:6; Sl. 76:10; Is. 10:15; At. 7:51);
§  Deus sempre tem o timão de nossas vidas e de toda a história; de modo que passa por alto ou tolera certos males, fazendo que seu efeito, não sua malícia, resulte em um bem maior (Gn. 50:20; Sl. 76:10; At. 3:13).
          Deus manifesta seu poder de forma soberana. Deus se identifica como "El-Shaddai" (Deus Todo-Poderoso) e nesta expressão está identificado o atributo da "Onipotência" divina. A Bíblia nos oferece copiosos testemunhos deste soberano poder de Deus (Gn. 17:1; 18:4; Dt. 32:39; Sl. 115:3; Is. 45:13; Mt. 19:26).
          Para descrever este atributo, podemos dizer seguramente que Deus é a "Causa Primeira, Absoluta, Infinita, Necessária e Suficiente" de tudo quanto tem razão de ser. Pela criação, preservação e intervenção em tudo o que existe e sucede, todo o ser de todos os seres criados é efeito da "causalidade" divina (At. 17:25-28).
          O poder de Deus está limitado pela seguinte razão: o poder de Deus não conhece outro limite além do "Absurdo" pela simples e completa razão de que o "absurdo" é o "não-ser", a "não verdade" e o "não-bem". Por esta razão, podemos dizer que Deus não pode:
§     Criar outro Deus igual a ele (1ª classe de absurdos) porque ainda que Deus empregasse seu infinito poder em tamanha tarefa o resultado seria uma "feitura" sua, algo criado, já que, para ser Deus Verdadeiro há de ter em si mesmo a razão de sua própria existência.
§     Realizar o que implica uma contradição conceptual ou impossível metafísico (2ª classe de absurdos) – em outras palavras, algo que repugne à noção de "Ser"; por isso, não pode mentir, arrepender-se, deixar de existir, etc., porque tudo isto implica um "Não-Ser": algo que contradiz a Verdade, ao Bem, à Santidade, etc. do ser de Deus (Nm. 23:19).
§ Mudar de condição ou de decisão. Tudo o que Deus pensa, decide e faz sucede invariavelmente, porque se efetua desde a imutável eternidade de Deus. Quando decidiu criar, encarnar-se, humilhar-se (Gn. 1:26-27; Jo. 1:14; Fp. 2:7, 8) já não pôde (nem pode) voltar atrás, nem em suas decisões, nem em suas promessas. Em sua imutabilidade é que se fundamenta sua fidelidade e nossa segurança (Nm. 23:19; 2Tm 1:12; 2:13; Tg. 1:17).


[1] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 82
[2] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. P. 86.
[3] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 87.
[4] BERKHOF, L. op. cit. p. 69.
[5] J. S. CHAFER. op. cit. pp. 218, 219.
[6] HODGE, C. op. cit. pp. 299, 300.
[7] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 90.
[8] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 92.
[9] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 92.
[10] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. pp. 93 a 94.
[11] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 94.
[12] FRANCISCO LACUEVA. op. cit. p. 101.