15 de abril de 2014

O DIREITO DE DEUS


Pr. José Vidigal Queirós

Introdução

O tema ora abordado flui dos Estatutos da Aliança que, segundo o Antigo Testamento, definem o aspecto legal da vida sob a autoridade de Deus. Isto pressupõe o estabelecimento de um sistema através do qual a ordem social, na vida do povo de Deus, deveria ser regida por dois princípios: o direito e a justiça. Ao direito correspondia o dever, tanto individual como coletivo, do povo de Deus reger sua vida, segundo o princípio da justiça. Para tanto, a lei divina demarcava os limites e estabelecia os princípios pelos quais a natureza espiritual e moral do homem haveria de ser moldada, para conformar-se aos aspectos descritivos da natureza do ser de Deus.

O referencial bíblico que embasa este estudo encontra-se em duas passagens da profecia vetero-testamentária: Isaías 58.1-2 e Jeremias 5.4-5. Em ambos os textos, os profetas denunciam com ênfase o desprezo que Israel demonstrou pelo “direito do seu Deus”. Antes de tudo, é necessário frisar que o objetivo aqui não consiste numa exposição exegética do significado do termo direito de Deus encontrado nestas passagens bíblicas, mas em apresentar uma concepção teológica plausível do direito como o elemento designativo da dignidade divina que, pela jurisprudência do próprio Deus, é estendida também a cada ser humano que compartilha com o seu Criador os mesmos atributos.



1.      Direito e justiça, segundo a Tôrah

O termo direito está atrelado ao princípio fundamental da justiça, prescrito pela lei divina. Eichrodt, ao referir-se ao tema bíblico do direito no contexto da legislação mosaica, declara que “se perguntarmos pela natureza singular do direito mosaico, comparando-o com o de outros povos antigos, a primeira coisa que se há de destacar é a ênfase com que todo direito se refere a Deus. Todo o direito, e não somente o cultual, aparece como uma exigência direta de Deus; violá-lo é um sacrilégio contra Yahweh”.[1] Neste sentido, o direito, no contexto da Antiga Aliança, é instituído e sustentado por Deus através dos seus “mandamentos, estatutos e juízos”, prescritos na Tôrah.

Distinto do Código de Hamurabi, que se “autodenomina obra do próprio rei”, opina Eichrodt, “em Israel, ao contrário, a conexão entre religião, lei e moral está mais viva; todo atentado contra a lei é entendido como um pecado contra Deus; o legislador divino é quem tem a palavra em todo momento; a obra do legislador humano fica pulverizada após ele”.[2] A legislação divina, promulgada a Israel pela mediação de Moisés, demonstra a superioridade da vida humana diante de todas as coisas. Ela mostra um profundo sentido de justiça; “sua explicação não pode se achar em outra coisa que não seja o conhecimento de um Deus que criou o homem à sua imagem e que por isso, ainda quando este se torna digno, o defende em sua dignidade humana e respeita o seu direito à vida”.[3]

A concepção teológica de direito requer um exame das Escrituras, onde os termos usados na linguagem jurídica vetero-testamentária expressam a vontade de Deus para com o seu povo eleito. Inicialmente, três passagens bíblicas serão consultadas. A primeira é Ex 23.6: Não perverterás o direito (משפט mishpat) do teu pobre na sua demanda. Guarda-te de acusares falsamente, e não matarás o inocente e justo (צדיק tsaddiyq); porque não justificarei (צדק tsadaq) o ímpio.

O imperativo divino – “não perverterás o direito do teu pobre” – denota a proibição de qualquer ato que viole o direito (משפט mishpat) instituído por Deus em sua lei, pois isto fere a dignidade humana. A condição de pobreza não se constitui num status social que inferioriza o ser humano, considerando-o digno de menosprezo, isto é, destituindo-o do valor que ele tem e da dignidade que a lei divina lhe atribui. Sentenciar à morte um justo (צדיק tsaddiyq) por ser pobre constitui-se num ato de perversidade. Até mesmo uma falsa acusação é reputada como intolerável e, por esta razão, Deus jamais justificará o perverso.

Na segunda passagem, Lv 19.15, a lei divina estabelece o princípio da imparcialidade no julgamento: Não farás injustiça (עול ̀avel) no juízo (משפט mishpat), nem favorecendo o pobre, nem comprazendo ao grande; com justiça (צדקה ts ̂edaqah) julgarás (שפט shaphat) o teu próximo”.[4] Isto claramente deve significar que a imparcialidade no julgamento só pode ser garantida onde prevalece a justiça. Nenhum réu no tribunal, ainda que seja um pobre, cuja condição de miséria inspire compaixão, deve ser privilegiado no julgamento. A lei divina promulga que tanto o rico quanto o pobre estão em pé de igualdade; e, em juízo, devem ser qualificados como sujeitos responsáveis pelos seus atos.

A terceira passagem, Dt 16.19-20, confirma o princípio da imparcialidade no julgamento, garantindo a preservação do direito. Com mais clareza e precisão, o texto declara: “Não torcerás a justiça (משפט mishpat), não farás acepção de pessoas, nem tomarás suborno; porquanto o suborno cega os olhos dos sábios e subverte a causa dos justos (צדיק tsaddiyq). A justiça (צדקה ts ̂edaqah) seguirás, somente a justiça (צדקה ts ̂edaqah), para que vivas e possuas em herança a terra que te dá o Senhor, teu Deus”.

Nestes versículos, o vocábulo justiça é designado por dois termos em hebraico: mishpat e tsedeq, sendo que o primeiro (mishpat), no versículo 19, denota, preferencialmente, o direito a ser preservado, isto é, não distorcido (pervertido), como expressa Dt 27.19: “Maldito aquele que perverter o direito (משפט mishpat) do estrangeiro, do órfão e da viúva”. O segundo (tsedeq) exprime com precisão o real sentido de justiça, ou seja, agir com retidão sem inclinações tendenciosas.

O termo hebraico (משפט mishpat), traduzido como direito, origina-se da raiz verbal (שפט shaphat) que, de acordo com os respectivos paradigmas verbais, denota: (Qal) = agir como legislador ou juiz, decidir controvérsia; (Nifal) = entrar em controvérsia, pleitear; (Poel) = juiz, oponente em juízo.[5] Desta forma, mishpat, neste contexto e em outros semelhantes, denota julgamento ou juízo porque exprime uma ação judicial pela qual Deus vindica a justiça em defesa da causa de uma vítima inocente de atos de maldade cometidos por um perverso, a fim de fazer prevalecer o direito do justo que se vê indefeso diante do seu oponente. O mandamento divino impõe a todos o dever de agir com retidão no trato com o próximo. A dignidade do justo deve ser respeitada acima de tudo. Portanto, é pela imposição do dever de cumprir a lei que o direito se estabelece.

No Decálogo, quando Deus proíbe matar, ele estabelece o direito individual à vida; quando proíbe furtar, estabelece o direito individual à posse da propriedade, por ter sido adquirida por meio do trabalho honesto e o desgaste da vida. Quando proíbe dar falso testemunho contra o próximo, estabelece o direito individual que todos têm de preservação de sua integridade moral, visando proteger a reputação do justo. Isto ocorre porque, ao criar o homem à sua imagem e semelhança, Deus lhe atribuiu dignidade, compartilhando com ele seus atributos. Por esta razão, a lei divina impõe a cada ser humano a obrigação de pautar sua conduta de forma compatível com a conduta divina. “Sereis santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 19.2).



 2.      A vindicação do direito violado

Quando o homem viola o direito do seu próximo também viola o direito divino. Este é um fato comprovado na história de Israel. Constituído em uma sociedade teocrática, Israel era um país regido por leis divinas. A religião, através de seus preceitos morais estabelecidos pela tôrah, impunha um sistema de valores pelo qual as estruturas sociais, as esferas de poder e a vida econômica eram conduzidas. A tôrah compunha-se do Decálogo, de um Código Civil e Penal e de um Código Litúrgico. Este conjunto de instruções, leis, preceitos morais e religiosos serviu como a Constituição Nacional dos hebreus.

O Decálogo define o padrão das relações entre o indivíduo e Deus, sua família e seu semelhante (Ex 20.1-17), porque “a vida humana era considerada valiosa porque a raça humana foi feita à imagem de Deus, e assim sendo, a vida se baseava no caráter de Deus”.[6] Os direitos humanos, promulgados no decálogo, testificam do direito que Deus tem de que sua autoridade seja reconhecida e sua vontade soberana seja acatada, de tal forma que a conduta da criatura humana retrate o caráter do seu Criador. O Código Civil compreende as leis que regulamentam o procedimento do povo quanto às questões de natureza jurídica (Ex 21 a 24). Finalmente, o Código Litúrgico, onde estão definidas leis que determinam o comportamento e as obrigações religiosas do povo, regulamentava o culto a Deus, oficializado pelo sistema sacerdotal levítico (Ex 25 a 31), responsável pela consolidação da teocracia.

Com o estabelecimento da monarquia, séculos depois da jurisdição de Moisés, Israel viveu o período mais tenebroso de sua história. “A monarquia parece o conjunto de todos os males”, disse José L. Sicre.[7] A pior de todas as crises ocorreu no século VIII, no qual foi instalado um sistema econômico explorador e alienante, pelo qual o aparelho administrativo se tornou o principal responsável pelas injustiças sob todos os aspectos e níveis de gravidade. Abusos excessivos eram cometidos contra a população carente e desprotegida. Beneficiados pelo esquema de corrupção, os magistrados garantiam a impunidade dos gedolim (os grandes, os poderosos, os maiorais) pelos crimes por eles praticados sob a proteção de leis injustas (Is 10.1-2) e a custo do suborno (Am 5.12; Mq 7.3). A concentração do patrimônio em mãos dos gedolim era obtido por meios quase sempre desonestos e pelo uso da violência. “Se cobiçam campos, os arrebatam; se casas, as tomam; assim, fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à sua herança” (Mq 2.2); ou, como disse Isaías, “ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra!” (Is 5.8).

O estado de miséria provocado pelo sistema levou a população ao endividamento e à miséria. Levados a julgamento, os juízes, subornados pelos credores, sentenciavam os devedores a serem vendidos como escravos para que a dívida, até mesmo de um par de sandálias, fosse paga: “Porque vendem o justo por dinheiro e o necessitado por um par de sandálias” (Am 2.6). Confrontando os poderosos, Amós declarou que eles “pervertem o caminho dos mansos” (Am 2.7); e, lançando em rosto seus crimes, denunciou: “esmagais os necessitados” (Am 4.1). Isto retrata o desprezo com que os poderosos tratavam os fracos e indefesos, violando e negando criminosamente seus direitos.

Os oráculos de Isaías registram que os legisladores prescreviam “leis de opressão, para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!” (Is 10.1-2). Miquéias revela que os componentes da máquina administrativa estatal (governantes, juízes, sacerdotes e profetas) montaram um forte esquema de corrupção tal que, para alimentar a ganância, agiam de forma inescrupulosa: “Os seus cabeças dão as sentenças por suborno, os seus sacerdotes ensinam por interesse, e os seus profetas adivinham por dinheiro; e ainda se encostam ao Senhor, dizendo: Não está o Senhor no meio de nós? Nenhum mal nos sobrevirá” (Mq 3.11). “As suas mãos estão sobre o mal e o fazem diligentemente; o príncipe exige condenação, o juiz aceita suborno, o grande fala dos maus desejos de sua alma, e, assim, todos eles juntamente urdem a trama” (Mq 7:3).


3.      O direito de Deus conculcado

O capítulo 58 de Isaías expressa o repúdio divino pelo falso culto, próprio de uma religião sem compromisso: Clama a plenos pulmões, não te detenhas, ergue a voz como a trombeta e anuncia ao meu povo a sua transgressão e à casa de Jacó, os seus pecados. Mesmo neste estado, ainda me procuram dia a dia; têm prazer em saber os meus caminhos; como povo que pratica a justiça e não deixa o direito do seu Deus (Is 58.1-2). Esta passagem suscita uma questão: Em que consiste o direito (jpvm mishpat) de Deus? O Antigo Testamento, em toda a sua abrangência, sugere que o direito de Deus se expressa por meio do que Deus vindica para si mesmo: sua própria glória, a posse da criação e a obediência à sua lei.

A glória de Deus reside no seu santo caráter e no seu santo nome Yahweh. Deus é digno de que seu nome seja honrado. “Salmodiai a glória do seu nome” (Sl 66.1); “Não a nós, Yahweh, não a nós, mas ao teu nome dá glória” (Sl 115.1); “Tributai a Yahweh a glória devida ao seu nome” (1Cr 16.29; Sl 96.8). Estas são expressões de louvor dos adoradores que reconhecem a dignidade de Deus e honram o seu nome. Em Isaías, por duas vezes, Deus vindica sua dignidade ferida pelo pecado da idolatria cometido pelo seu povo através do culto aos deuses cananeus: “Eu sou o SENHOR (hwhy Yahweh), este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura” (Is 42:8). “Por amor de mim, por amor de mim, é que faço isto; porque como seria profanado o meu nome? A minha glória, não a dou a outrem” (Is 48:11). Porque seu nome é Yahweh, Deus tem o direito a que seu nome seja honrado. Invocar Baal ou outro deus qualquer, mais que profanação, é agressão brutal e infame ao caráter divino; é calcar aos pés a dignidade e a honra do “Santo de Israel”.

Outrossim, Deus vindica para si o direito de posse sobre tudo que existe: Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha(Ex 19.5). “A Yahweh pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” declara o salmista sob a inspiração do próprio Deus (Sl 24.1). Todas as coisas, no céu e na terra, lhe pertencem por direito de criação (cf Ex 19.5; Is 45.12, 18), por direito de preservação (cf Is 46.3-4; Sl 36.6; Ne 9.6) e por direito de redenção (cf Is 43.1; 49.26).

Finalmente, Deus vindica para si o direito a que sua lei seja obedecida. A tôrah é o testamento da aliança de Deus com o seu povo. Em sua aliança com Abraão, Deus prometeu gerar uma “grande nação” por meio da qual “todas as famílias da terra” haverão de ser abençoadas (Gn 12.1-3). A tôrah foi promulgada com o fim de habilitar Israel para o cumprimento do propósito divino no mundo. Os “mandamentos, estatutos e juízos” (Dt 6.1) constituíam o conjunto de instruções e normas que haveriam de reger a vida nacional dos hebreus que, no Sinai, lhe prometeu obediência. Portanto, Deus tem o mérito de vindicar o direito a que sua lei seja obedecida.



Conclusão

Alicerçado nos Estatutos da Aliança, promulgados por Yahweh ao seu povo Israel, o direito e a justiça estão atrelados de tal forma que cada um existe em função do outro. As instruções, leis e normas éticas, prescritas na tôrah, estabelecem que o padrão de relações de cada indivíduo com seu próximo fundamenta-se no padrão de relações do homem com Deus. O sistema através do qual a ordem social é instaurada emana das prescrições da lei divina. A vida do povo de Deus há de ser regida pelos princípios do direito e da justiça. Ao direito corresponde o dever imposto pela lei divina de que a justiça, e somente a justiça, seja o parâmetro pelo qual a conduta humana deva ser medida. Criado à imagem e semelhança do Criador, o homem é um ser pessoal dotado de livre-arbítrio e, por esta razão, responde perante Deus como sujeito responsável pelos seus atos. O Supremo Legislador e Juiz do Universo é o único que realmente detém o mérito do direito que concede ao homem e que também reivindica do homem: direito a que Seu nome seja honrado, direito de posse da criação e o direito a que sua lei seja obedecida.










[1] EICHRODT, Walther. Teologia do antigo testamento. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 59.
[2] EICHRODT, Walther. Op. Cit., p. 59.
[3] EICHRODT, Walther. Op. Cit., p. 63.
[4]SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL. (1999; 2005). Biblioteca digital da bíblia, Léxico Hebraico e Grego de Strong.
[5] SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL. Biblioteca digital da bíblia. Léxico Hebraico e Grego de Strong
[6] KAISER JR., Walter. Teologia do antigo testamento. São Paulo: Vida Nova, 1996, p. 120.
[7] SICRE, José L.. A justiça social nos profetas. São Paulo: Paulinas, 1990, p. 81.

13 de dezembro de 2013

MINISTRO EXEMPLAR



Rev. Martin Luther King Jr.
Atos 20.17-38

Pr. José Vidigal Queirós


Introdução
Exmo. Sr. Presidente da Junta Administrativa do Seminário Teológico Batista em São Luís, Pr. Antônio Câmara Souza; Magnífico Reitor, Pr. Anderson Cavalcanti; Preclara Deã Acadêmica, Profa. Gilcilene Falcão; Colendo Corpo Docente, Digníssimo Orador Oficial desta turma de formandos, Sr. Francisco Alves; Diletos Concludentes, Digníssimos Pastores e Líderes aqui presentes, minhas senhoras e meus senhores.
Quero expressar a minha sincera gratidão pela honra que me é conferida ao ter assento nesta magna solenidade e poder assomar a esta tribuna sagrada, para dirigir-lhes a palavra. Em virtude da relevância e seriedade deste momento, quando mais uma equipe de líderes cristãos flui de sua graduação acadêmica para o exercício de sua respectiva função na hierarquia eclesiástica, quero fazer uso das Sagradas Escrituras, como fonte precípua da teologia cristã, para discretear o tema de minha fala: Ministro Exemplar.
No capítulo 20, versículos 17 a 38, do livro de Atos dos Apóstolos, encontramos o registro do discurso do apóstolo Paulo pronunciado aos presbíteros da igreja de Éfeso, onde ele fez uso de seu testemunho pessoal para abordar o tema da exemplaridade do ministério pastoral na esperança de que aqueles ministros alcançassem o padrão da excelência no exercício do seu ministério. Contextualizando o discurso de Paulo, quero propor aos formandos aqui presentes que a dignidade do ministério pastoral manifesta-se pela exemplaridade da vida de quem o exerce. O apóstolo Paulo apontou três princípios que regem o ministro exemplar.

1.       As virtudes de um ministro exemplar fluem através do seu caráter

Em sua fala aos presbíteros de Éfeso, Paulo revelou sua ousadia em apresentar-se como um referencial para aqueles homens. Propôs a eles que a primeira virtude manifesta pelo caráter de um ministro exemplar consiste no amor incondicional e irrestrito que deve ter por Jesus - Vós bem sabeis de que modo me tenho portado entre vós sempre, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, servindo ao Senhor com toda a humildade, e com lágrimas e provações que pelas ciladas dos judeus me sobrevieram...” (v. 19).
Nada, absolutamente nada, é mais forte que o amor. Ninguém, absolutamente ninguém além daqueles que amam a Jesus, exerce com dignidade o ministério pastoral. Amor é a energia espiritual celeste que flui da natureza constitutiva divina, pervade a alma dos regenerados, e os move à atitude de auto entrega, arremessando-os no altar do altruísmo. Amor é a obsessão pelo bem; portanto, os ministros exemplares são movidos de forma irresistível por uma ideia fixa: servir a Jesus. Esta é sua razão de viver e morrer.
A segunda virtude que manifesta o caráter de um ministro exemplar é a força exuberante de sua coragem. Agora, eis que eu, constrangido no meu espírito, vou a Jerusalém, não sabendo o que ali acontecerá, senão o que o Espírito Santo me testifica, de cidade em cidade, dizendo que me esperam prisões e tribulações, declarou Paulo aos presbíteros de Éfeso (vv. 22-23).
Ser corajoso não significa ser valentão. Enquanto o valentão caracteriza-se pela exibição agressiva e narcisista de sua virilidade e vigor físico para causar medo, o corajoso revela-se por sua firmeza e disposição em confrontar tudo e todos que o adversam, mesmo tendo consciência dos riscos de danos e dores que está sujeito a sofrer. Assim sendo, podemos afirmar sem margem de erro que coragem é a força que nos move ao cumprimento do dever, mesmo quando morremos de medo. Este foi o exemplo de Jesus, que mesmo “cheio de pavor” (Mc 14.33), como diz e Evangelho de Marcos, decidiu fazer a vontade do Pai, entregando-se à morte pelo meio mais cruel, humilhante e doloroso que o sadismo humano foi capaz de produzir: a cruz.
Deus não está à caça de valentes, mas em busca de corajosos. Ministros exemplares manifestam sua coragem quando resistem com firmeza às ameaças dos que arrogam para si o poder de decisão. Ministros exemplares confrontam ideias, não pessoas. Ministros exemplares manifestam coragem quando, mesmo com o risco de sua própria demissão, não se dobram diante dos impositores que, segundo a vileza de seu caráter, fazem uso da chantagem para dobrarem os homens de Deus.
A terceira virtude que manifesta o caráter de um ministro exemplar é a disposição ao sacrifício de sua própria vida. “Mas em nada tenho a minha vida como preciosa para mim, contando que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus”. Homens de Deus que exercem com dignidade o ministério pastoral abrem mão de privilégios e status para investir sua vida, seus dons e talentos na construção de uma nova humanidade para a glória de Deus.
Em João 12.24-25, Jesus declarou aos seus discípulos: Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo caindo na terra não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á; e quem neste mundo odeia a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna. Isto significa dizer que quem vive para Deus está morto para si mesmo. Portanto, ministros exemplares percorrem sua jornada, mantendo sua vida no altar do sacrifício. Isso ele haverá de realizar movido pelo senso do dever a cumprir “contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus” (v. 24).
Diletos formandos, sejam exemplares no exercício do ministério, manifestando em seu caráter essas virtudes: o amor incondicional a Jesus, a força exuberante de sua coragem, a disposição ao sacrifício da própria vida e o senso do dever a cumprir. Assim, portanto, reafirmo que as virtudes de um ministro exemplar fluem através de seu caráter.
O segundo grande princípio que rege o ministro exemplar é:

2.       As virtudes de um ministro exemplar manifestam-se através do seu discurso

Eloquência não torna o pastor um ministro exemplar. Cataratas retóricas podem também jorrar da boca de um mau caráter. Não é o discurso que faz o ministro; mas o ministro é que faz o discurso. Portanto, um ministro exemplar pode ser identificado pela natureza, conteúdo e propósito do seu discurso.
Vivemos dias difíceis, uma época ameaçadora para a igreja de Deus, pois o nível de mediocridade na pregação tende a proliferar na igreja de Cristo. Contrapondo o perfil dos profissionais do púlpito e dos mercadores do evangelho que ascendem aos níveis de maior escalão no âmbito eclesiástico, o apóstolo Paulo propôs aos presbíteros de Éfeso e a nós hoje que o discurso de um ministro exemplar manifesta quatro aspectos relevantes.
O primeiro deles consiste no conhecimento profundo da revelação divina. No texto já citado, versículos 20 e 21, Paulo disse: “... não me esquivei de vos anunciar coisa alguma que seja útil, ensinando-vos publicamente e de casa em casa, testificando, tanto a judeus como a gregos, o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus. E acrescentou nos versículos 26 e 27: Portanto, no dia de hoje, vos protesto que estou limpo do sangue de todos. Porque não me esquivei de vos anunciar todo o conselho de Deus.
Ministros exemplares são homens que falam com Deus antes de falar com os homens. Ministros exemplares são homens que leem diariamente a Palavra de Deus antes de lerem o jornal. Ministros exemplares são homens que navegam no universo do Espírito antes de navegarem na internet. No segundo módulo do Curso Haggai, um dos professores, fez durante a aula a seguinte declaração: “Alguém disse com certa coerência: Depois que os provedores da internet inventaram o Google, ninguém mais estuda; e depois que inventaram o Facebook, ninguém mais trabalha”.
A superficialidade dos púlpitos atuais resulta diretamente da preguiça e da mediocridade daqueles, cujo ministério sobrevive do plagio. Estes são ministros incompetentes; homens de inteligência atrofiada que buscam fazer sucesso pregando os sermões produzidos por homens iluminados por Deus. São amantes da negligência que, à semelhança de Josué, ocupam-se daquilo para o qual não foram chamados.
Quando Deus nomeou Josué como substituto de Moisés, tudo de mais importante que Deus lhe exigiu foi o seguinte: Não se aparte da tua boca o livro desta lei, antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido (Js 1.8). Significa dizer que Deus chamou Josué para ser profeta e não guerreiro. Seu tempo deveria ser ocupado com o estudo e a meditação na Palavra de Deus. Mas, lamentavelmente, sua inversão de prioridades, trocando o ofício profético pela carreira militar, conduziu a nação de Israel ao fracasso espiritual completo.
Na velhice, quando não mais tinha forças para empunhar a espada, ao ver a nação adorando os deuses dos cananeus, Josué fez ao povo de Israel uma proposta através da qual testificou de seu fracasso: Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; deitai fora os deuses a que serviram vossos pais dalém do Rio, e no Egito, e servi ao Senhor. Mas, se vos parece mal o servirdes ao Senhor, escolhei hoje a quem haveis de servir; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do Rio, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor (Js 24.22-24).
Ministros exemplares conhecem os desígnios de Deus. Ministros exemplares são detentores da sabedoria divina, esmeram-se no estudo e meditação na Palavra de Deus, para proclamarem a mensagem divina com a mesma autoridade dos profetas da antiga aliança que, ao iniciarem seus discursos, afirmavam com autoridade: “Assim diz o Senhor”. Ministros exemplares proclamam não a mensagem que seus ouvintes gostam, mas a palavra da qual todos estão carentes. Seu propósito é nutrir e não divertir.
Não só o conhecimento profundo, mas também o discernimento claro do que deve pregar, marca a exemplaridade dos pregadores enviados por Deus. Paulo declarou aos pastores de Éfeso: “... não me esquivei de vos anunciar coisa alguma que seja útil, ensinando-vos publicamente e de casa em casa...” (v. 20). Lamentavelmente, há muitas igrejas raquíticas espiritualmente, porque a ignorância bíblico-teológica de seus pastores privou o rebanho do Senhor do pão espiritual. O besteirol proclamado dos púlpitos atuais tornou-se o substituto da palavra que nutre, fazendo prevalecer a ignorância e a cegueira espiritual. Ministros exemplares são pastores que têm consciência de sua responsabilidade de nutrir substancialmente o rebanho de Cristo.
O terceiro aspecto que caracteriza o discurso de um ministro exemplar consiste na esperança dos resultados que pretende alcançar: arrependimento e fé. A igreja não existe para promover shows, nem os pastores são chamados para divertir os ouvintes através de seus discursos. A igreja não é a plateia de Deus e os pastores não são animadores de shows e de programas. Muitos templos de igreja já foram transformados em circo, porque o púlpito foi substituído por um picadeiro, onde os artífices do riso e os animadores do espetáculo divertem dominicalmente sua plateia em troca de aplausos.
Ministros exemplares são homens de Deus que instrumentalizam as Sagradas Escrituras – “como martelo que esmiúça a penha” (Jr 23.29)para quebrantar os corações endurecidos, transformando a alegria em tristeza e o riso em lágrimas de arrependimento. Senti as vossas misérias, lamentai e chorai; torne-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria em tristeza é a palavra de Tiago proclamada aos pecadores de corações endurecidos (Tg 4.9).
Não faça do culto um espetáculo; não faça do púlpito um palco. Faça do culto uma manifestação de verdadeiro louvor e verdadeira adoração; faça do púlpito aquilo que ele realmente é: uma tribuna sagrada de onde se faça ouvir com autoridade a voz de Deus por meio da boca de um ministro exemplar. Portanto, meus amados, tudo isso nos leva a acreditar que as virtudes de um ministro exemplar manifestam-se através do seu discurso.
O terceiro princípio que rege o ministro exemplar é o seguinte:

3.       As virtudes de um ministro exemplar manifestam-se através de suas obras

Em sua fala aos presbíteros de Éfeso, o apóstolo Paulo ensinou que as obras de um ministro exemplar manifestam a excelência de sua espiritualidade. Nos versículos 33 a 35, assim ele se expressou: De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes. Vós mesmos sabeis que estas mãos proveram as minhas necessidades e as dos que estavam comigo. Em tudo vos dei o exemplo de que assim trabalhando, é necessário socorrer os enfermos, recordando as palavras do Senhor Jesus, porquanto ele mesmo disse: Coisa mais bem-aventurada é dar do que receber. Homens espirituais são movidos pelo amor e altruísmo, pelo seu senso de responsabilidade para com o próximo e pelos compromissos de sua fé.
As obras de um ministro exemplar revelam a autenticidade de sua vocação. Ele busca imitar Jesus que “veio não para que fosse servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20.28). Os ministros das igrejas atuais estão classificados em duas categorias principais; as outras são derivadas destas duas: vocacionados e mercenários.
O mercenário entra para o ministério, planejando o quanto poderá explorar a igreja para dela tirar bens e riquezas. Movido pela ganância, ele é estimulado a mudar de pastorado quando a próxima igreja lhe oferece melhor salário. Para ele, igreja é o meio pelo qual busca engordar o saldo de sua conta bancária. Ele não está preocupado com o destino dos pecadores, porque vive em função do próximo banquete e do próximo orgasmo.
Em contraposição, o ministro exemplar vê a autenticidade de sua vocação como compromisso com Cristo, o reino de Deus e a missão. Para ele, a igreja é uma agência de promoção do reino de Deus e de transformação social. Movido pela sua paixão pelos pecadores, foge da sedução das riquezas e, pela fé na providência divina, investe sua vida na missão como sua incumbência maior. A salvação dos pecadores e a edificação dos regenerados são o foco de suas atenções e as prioridades que determinam o tempo de suas atividades. Por esta razão, suas riquezas não são constituídas de ouro e prata, mas das “obras que Deus preparou de antemão para que andássemos nelas” (Ef 2.10).
As obras de um ministro exemplar enaltecem a grandeza de sua generosidade. Paulo declarou aos pastores de Éfeso: Vós mesmos sabeis que estas mãos proveram as minhas necessidades e as dos que estavam comigo. Em tudo vos dei o exemplo de que assim trabalhando, é necessário socorrer os enfermos, recordando as palavras do Senhor Jesus, porquanto ele mesmo disse: Coisa mais bem-aventurada é dar do que receber (At 20.34-35).
Amados, o exercício do ministério pastoral exige de nós renúncia, sacrifício e altruísmo. Somos vocacionados para o serviço prestado a Deus em favor dos homens. Somos não somente ministros de Deus, mas também, benfeitores da humanidade. Morremos para nós mesmos, a fim de que outros vivam e vivam eternamente.
Finalmente, as obras de um ministro exemplar atribuem-lhe o mérito de servir como exemplo. Quando Paulo disse aos presbíteros de Éfeso: “Em tudo vos dei o exemplo” (At 20.35), com certeza ele esperava ser imitado e seus imitadores, por sua vez, se tornassem um referencial para os futuros ministros que Deus ainda haveria de vocacionar.
Já chega de pastores cuja utilidade maior é servir como motivo de vergonha e desonra. Como disse Judas, Estes são os escolhidos em vossos ágapes, quando se banqueteiam convosco, pastores que se apascentam a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos; são árvores sem folhas nem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas; ondas furiosas do mar, espumando as suas próprias torpezas, estrelas errantes, para as quais tem sido reservado para sempre o negrume das trevas(Jd 12-13).
Ministros exemplares dignificam o ministério que exercem por meio das obras que praticam. São obras que manifestam a excelência de sua espiritualidade, revelam a autenticidade de sua vocação, enaltecem a grandeza de sua generosidade e atribuem-lhe o mérito de servir como exemplo.

Conclusão
Diletos concludentes, permitam-me reiterar a tese deste discurso: A dignidade do ministério manifesta-se pela exemplaridade da vida de quem o exerce. O ministro exemplar é aquele cujo caráter e obras aprovam seu discurso. A credibilidade no que dizemos depende daquilo que nós somos e fazemos. Sejamos ministros que honrem o ministério, sendo exemplares no caráter, no discurso e nas obras, para que as próximas gerações glorifiquem a Deus pelos ministros que Ele enviou. Ao nosso Deus e Pai e ao Senhor Jesus Cristo sejam a glória, o louvor e honra pelos séculos dos séculos. Amém.