25 de junho de 2014

MISSÃO INTEGRAL - FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA


1.    Evangelização – tese de John Stott[1]
 
John Stott opina que o conceito de evangelização deve distanciar-se de duas falsas concepções. A primeira é que a evangelização “não deve ser definida em termos de resultados [...] Evangelização, na acepção bíblica do termo, não significa ganhar conversos, mas simplesmente anunciar as boas novas, independentemente dos resultados”.
A segunda falsa concepção é que a “Evangelização não deve ser definida em termos de métodos. Não importa como o processo de evangelização se dá, evangelizar sempre significará a proclamação das boas novas do reino.

Assim sendo, o conceito de evangelização “pode e deve ser definido em termos de mensagem”. Na experiência dos apóstolos, tomando como base 1Co 15, podem ser verificados quatro elementos nas “boas novas”:

a) Aconteceram fatos evangelísticos – os apóstolos falavam da vida e do ministério de Jesus.

b) Houve testemunhas evangélicas – os apóstolos proclamaram a morte e a ressurreição de Jesus afirmando que foram testemunhas oculares de tais fatos realizados como obra redentora de Deus (At 2.32; 5.32).

c) Houve promessas evangélicas – promessa de segurança, do perdão de pecados e do dom do Espírito Santo (At 2.38).

d) Houve também exigências de caráter evangélico, a saber, arrependimento e fé (At 2.38; 3.19).



1.2.    Evangelização – tese de René Padilla

“O evangelho de Jesus Cristo é uma mensagem pessoal: revela um Deus que chama um dos seus pelo seu nome. Mas é ao mesmo tempo uma mensagem cósmica: revela um Deus cujo propósito abarca o mundo inteiro. Não se dirige ao indivíduo per se, mas ao homem como membro da velha humanidade em Adão [...] a quem Deus chama para integrar-se à nova humanidade em Cristo, marcada pela justiça e pela vida eterna”.[2]

A evangelização ocorre no contexto do mundo levando em conta as dimensões mais amplas para que não haja distorção da missão. Não se deve perder de vista o contexto onde o não-crente se encontra; portanto, “não se pode falar de salvação sem que se faça referência à relação do homem com o mundo do qual ele faz parte”.[3]



1.3.    Salvação – tese de John Stott

Salvação é resultado da evangelização, pois “o evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16; 1Co 1.21). A tentativa de expressar o conceito de salvação numa linguagem atual conduz, segundo John Stott, a dois erros:

a) O erro de julgar que salvação significa saúde ou integridade físico-mental. A cura de Bartimeu e do leproso a quem Jesus disse: “a tua fé te salvou” não pode confundir salvação com cura. Salvação pela fé é libertação do pecado e não do dano físico.

b) O erro de julgar que salvação significa libertação sociopolítica. As obras sociais e as lutas em favor da justiça e da liberdade não se constituem em meios de salvação, nem a salvação se confunde com tais resultados conquistados. Salvação há sempre de ser a libertação do pecado e de suas consequências eternas.



As Escrituras, quando nos asseguram que somos salvos, nos fazem entender três verdades inconfundíveis:

a) Fomos salvos da ira de Deus, do seu justo juízo sobre nossos pecados. Fomos reconciliados com Deus pela fé em Cristo (Rm 5.1-2), libertos da escravidão do pecado (Rm 6.1-23) e da condenação eterna (Rm 8.1-2).

b) Estamos sendo salvos. Salvação no Novo Testamento é tanto um processo quanto uma dádiva da graça de Deus. Somos exortados a desenvolvermos a nossa salvação (Fp 2.12). A santificação “sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14) é um processo pelo qual “somos transformados de glória em glória” pelo Espírito do Senhor (2Co 3.18; Gl 5.16-26).

c)  Nossa salvação final está no futuro. O objeto de nossa “esperança da salvação” (1Ts 5.8; Cf Rm 8.24) consiste em nossa glorificação que ainda virá. Aguardamos, juntamente com toda a criação, o que Paulo chama de “liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.21). Vivemos a tensão entre o agora e o ainda não.



1.4.    Conversão – tese de John Stott

A conversão ocorre como resposta necessária ao Evangelho. John Stott propõe que “Devemos rejeitar como completamente antibíblica a idéia de que todos os homens foram salvos por Cristo e que a única função da evangelização é levar ao ignorante essas boas novas”.[4]

Somos encarregados do ministério e da mensagem da reconciliação. Deus nos ordena que peçamos às pessoas: “reconciliai-vos com Deus” (2Co 5.18-20). Portanto, pregamos para pessoas que ainda estão perecendo. Mas isso pode nos levar a duas concepções erradas:

a) Conversão não é obra que o homem possa realizar sozinho. A resposta humana ao evangelho resulta da ação do Espírito que age para convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8-11). Além disso, o arrependimento tanto é um dever do homem como um dom de Deus (At 11.18; Ef 2.8; Fp 1.29).

b) Conversão não é renúncia a toda herança cultural. Mesmo sabendo que arrependimento é renúncia, é necessário que se identifique o que o pecador deve renunciar. O que deve ser renunciado são todas as coisas que não procedem do Pai, mas do mundo: “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1Jo 2.15-17). “Conversão não deve tirar o converso do mundo; deve mandá-lo de volta para lá”.[5]

c) Conversão não é o fim; mas um novo começo. À conversão segue o discipulado e o crescimento espiritual, para o alcance da maturidade, cuja meta é atingir a “perfeita varonilidade, à medida da plenitude de Cristo” (Ef 4.13). A conversão é o princípio de uma vida inteiramente nova em Cristo, na igreja e no mundo.



1.5.    O significado de “evangelho” – tese de René Padilla
 

A vida e a missão da igreja não estão relacionadas com a relevância, mas com o conteúdo do evangelho, diz Padilla. E, referindo-se à sua aplicação à vida e à realidade contextual do homem, acrescenta: “Obviamente, há lugar para a consideração das maneiras pelas quais o evangelho satisfaz às necessidades do homem no mundo contemporâneo [...] O que do evangelho determina o como de seus efeitos na vida prática”. [6] As condições para uma evangelização efetiva são três:

a) A certeza quanto ao conteúdo do evangelho;

b) A resposta ao evangelho. “A genuinidade da conversão de uma pessoa depende diretamente da genuinidade do evangelho ao qual ela respondeu em arrependimento e fé. Um evangelho espúrio só pode dar como resultado uma conversão espúria” [7];

c) Uma experiência do evangelho. “A experiência do evangelho é uma experiência religiosa, mas nem toda experiência religiosa é uma experiência cristã, exceto aquela que surge do evangelho”. [8]



1.5.1. Uma mensagem escatológica

O mundo que serviu de palco para a pregação do evangelho inicialmente era um mundo de expectativas messiânicas. Os escritos apocalípticos judeus, independentemente de sua canonicidade, refletem a visão, a crença e a esperança judaica reafirmadas nos escritos do Novo Testamento. A vinda de Jesus como o Messias prometido reflete o cumprimento das Escrituras do Antigo Testamento. “Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.14-15). Jesus proclama que o dia escatológico efetivamente amanheceu. Suas palavras colocam em relevo os seguintes fatos relativos ao evangelho:

a) A proclamação do evangelho marca o kairos, o tempo determinado por Deus para dar cumprimento a seu propósito. Chegou a hora decisiva da história da salvação! A esperança dos profetas está se realizando!

b) O conteúdo do evangelho não é uma nova teologia ou um novo ensinamento acerca de Deus, mas um evento: a vinda do Reino.

c) A referência tanto ao reino de Deus como ao evangelho faz eco a Isaías 52.7. Jesus se vê como o arauto da nova era na qual se cumpre o anúncio de Isaías: “Teu Deus reina”!



A proclamação do evangelho é inseparável do chamado ao arrependimento e à fé. A característica mais distintiva do ensinamento de Jesus quanto ao reino de Deus é que a era do reino já se faz presente no mundo por meio de sua pessoa e seu ministério (Mt 12.28).

O reino como realidade presente também é o tema que Jesus confia primeiro aos Doze (Mt 10.7; Lc 9.2, 6) e posteriormente aos Setenta (Lc 10.9-11). O reino será também o tema da pregação cristã até o fim da presente era (Mt 24.14; cf. Mc 13.10). Por isso, Filipe pregou em Samaria “a respeito do reino de Deus e do nome de Jesus Cristo” (At 8.12) e Paulo, na Sinagoga de Éfeso, “falava ousadamente [...] com respeito ao reino de Deus” (At 19.8) e que em Roma ele pregou o reino de Deus (At 28.23, 31). Pedro no dia de Pentecoste afirmou que Jesus, depois de ter sido “exaltado à destra de Deus”, foi feito “Senhor e Cristo” (At 2.33, 36). A ênfase de Pedro é clara: Jesus está no trono, chegou a era messiânica.



1.5.2. Uma mensagem cristológica

Não resta dúvida que Cristo é o centro do kerigma apostólico (At 5.42; 8.5; 9.20; 1Co 1.23; 2Co 2.12; 4.5; 9.13; 10.14; Fp 1.15). A chave para a compreensão do evangelho de Jesus está no significado dinâmico de “reino” (basiléia). O reino proclamado por Jesus é o poder de Deus em ação entre os homens por meio de sua pessoa e seu ministério. Na terra ele revelou seu poder para restaurar o homem por completo, perdoando os seus pecados e devolvendo-lhe a integridade e a saúde física (Mt 9.6; cf. Mc 2.10; Lc 5.24). O evangelho é apresentado como o poder restaurador de Deus por meio de Jesus Cristo. A pregação do evangelho há de anunciar não somente a morte e ressurreição de Jesus mas também sua exaltação como Soberano do universo, o Senhor de tudo e de todos (Fp 2.9-11).



1.5.3. Uma mensagem soteriológica

A proclamação do advento do reino de Deus por meio de Jesus significa o anúncio de que Deus está atuando na história por meio da pessoa e da obra de seu Filho. O Messias encarna o cumprimento da esperança veterotestamentária. Mas o cumprimento das promessas de Deus não ocorre em termos de vitória política e nacional de Israel. Sua vitória é de dimensões universais.

O exorcismo era um sinal de que, em antecipação à destruição de Satanás e suas hostes no fogo eterno (Mt 25.41), Deus invadiu a esfera de ação de Satanás, como quem entra na casa do homem forte e o amarra antes de saquear-lhe seus bens (Mt 12.29). Seus milagres de cura são sinais que apontam para a vinda do fim, quando a morte será absorvida pela imortalidade.

Como o Filho do Homem que traz consigo o Reino de Deus, ele tem poder para perdoar pecados (Mc 2.10; cf. Lc 7.48). Sua mensagem revela um Deus que tomou a iniciativa na busca dos perdidos, a fim de colocá-los sob seu governo (Mc 2.15-17; Lc 15), numa nova relação na qual Deus é reconhecido como Pai (Mt 6.32-33; Lc 12.30). Na perspectiva do Novo Testamento, a salvação (soteria) que o evangelho traz é libertação de tudo que interfere no cumprimento do propósito de Deus para com o homem.

Em detalhes, a salvação significa:

a) Salvação é libertação das conseqüências do pecado – condenação (Mc 16.16; cf. Rm 8.1-2); juízo (Jo 12.47; Rm 5.21); perdição (Mt 16.25; Mc 8.35; Lc 9.24; 1Co 1.18); morte (Rm 1.32; 6.23; 2Co 7.10; Tg 5.20); ira (Rm 2.5; 5.9; 1Ts 5.9; Ef 2.3).

b) Salvação é libertação do poder do pecado – os remidos são transportados por Deus do império das trevas para o reino do Filho amado de Deus (Cl 1.13). Eles recebem nova vida “em Cristo” (Rm 5.17, 21; 6.23; 8.2; Cl 3.3-4; Fp 1.21; 1Ts 5.10) e esta salvação envolve pertinência ao povo de Deus (Rm 4.16; Gl 3.27-29), transformação moral e o dom do Espírito Santo.

c) Salvação inclui uma completa restauração do homem como a imagem de Deus, que já ocorre como um processo de santificação (2Co 3.18).



1.6.    A evangelização e o mundo – tese de René Padilla

Qual a visão cristã de mundo? Seja ele o que for, devemos vê-lo como Deus o vê e nos dirigir a ele como enviados de Deus, visando o alcance dos seus eternos desígnios. Uma concepção bíblica e notável de mundo é apresentada por René Padilla da seguinte forma:



1.6.1. “O mundo é a soma total da criação, o universo, os céus e a terra que Deus criou no princípio e que recriará no final”.

“O mundo foi criado por Deus por meio do Logos (Jo 1.10), e fora do Logos nada do que tem sido feito se fez (Jo 1.3). O Cristo proclamado pelo evangelho como o agente da redenção é também o agente da criação de Deus. E é simultaneamente a meta para a qual se dirige todo o universo (Cl 1.16) e o princípio de coerência de toda a realidade, tanto material como espiritual (Cl 1.17)” [...] O evangelho envolve a esperança de ‘um novo céu e uma nova terra’ (Ap 21; cf. 2Pe 3.13). Conseqüentemente, a única evangelização autêntica é a que se orienta para esta meta última da ‘restauração de todas as coisas’ em Jesus Cristo, prometida pelos profetas e proclamadas pelos apóstolos (At 3.21)”.

1.6.2. “Num sentido mais limitado, o mundo é a presente ordem de existência humana, o contexto espaço-temporal da vida do homem”.

“Este é o mundo dos bens materiais, onde os homens se preocupam com “coisas” que são necessárias, mas que facilmente se convertem em um fim em si (Lc 12.30). A ‘ansiosa inquietude’ por estas coisas é incompatível com a busca do reino de Deus (Lc 12.22-31) [...]. De nada lhe serve ganhar ‘todo o mundo’ e se destruir ou perder a si próprio (Lc 9.25; cf Jo 12.25) [...]. Anunciar o evangelho é anunciar a mensagem de um reino que não é deste mundo (Jo 18.36) e que, portanto, não ajusta sua política à dos reinos da terra. De um soberano que rejeitou ‘todos os reinos do mundo e a glória deles’ (Mt 4.8; cf. Lc 4.5) para instalar o seu próprio sobre a base do amor. De um reino que se faz presente entre os homens aqui e agora (Mt 12.28), por meio de um que não procede deste mundo, mas ‘de cima’, de uma ordem que se estende mais além do transitório cenário da vida humana (Jo 8.23)”.



1.6.3. “O mundo é a humanidade, reclamada pelo evangelho, mas hostil a Deus e escravizada pelos poderes das trevas”.

Dois aspectos deste conceito são destacados por Padilla:

a)  O mundo reclamado pelo evangelho.

O propósito salvífico de Deus é universal, pois contempla toda a humanidade (1Tm 2.4). A salvação não tem concepção sectarista, pois Cristo é identificado no Novo Testamento como “o Salvador do mundo” (Jo 4.42; 1Jo 4.14; 1Tm 4.10) e para este fim – o de salvar o mundo – ele foi enviado (Jo 3.17). O mundo é o alvo do amor de Deus (Jo 3.16) e Cristo como “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29) e se revelou como “luz do mundo” (Jo 1.9; 8.12; 9.5). Ele é a propiciação não só pelos nossos pecados, “mas ainda pelos do mundo inteiro” (1Jo 2.2; cf. 2Co 5.19).

A universalidade do propósito salvífico divino nada tem a ver com o universalismo propugnado pelos teólogos contemporâneos. A proclamação de Jesus como “o Salvador do mundo” não é uma afirmação nem promessa de que todos os homens sejam salvos, mas um chamamento a todos para crerem naquele que morreu pelos pecados do mundo.

Da universalidade do evangelho deriva a universalidade da missão. O clamor ao mundo por parte do evangelho propagado por Jesus continua por meio dos cristãos. Assim como o Pai o enviou, também ele nos envia ao mundo (Jo 17.18; 20.21). O arrependimento e o perdão dos pecados em seu nome devem ser anunciados em todas as nações (Lc 24.17; cf. Mt 28.19; Mc 16.15). Esta é a exigência do evangelho que dá sentido à história até o final da presente era (Mt 24.14).



b) O mundo hostil a Deus e escravizado pelos poderes das trevas.

O Logos veio ao mundo que por ele foi criado, mas “o mundo não o conheceu” (Jo 1.10). Veio como luz do mundo, “mas os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque suas obras eram más” (Jo 3.19). A grande tragédia do mundo consiste num círculo vicioso de rejeição que o conduz a odiar a Cristo e seus seguidores gratuitamente (Jo 15.18, 24; 1Jo 3.1, 13). A situação do mundo em rebelião contra Deus é tal que Jesus Cristo nem sequer ora por ele (Jo 17.9).

Por trás da rejeição a Cristo há os poderes espirituais hostis aos homens e a Deus (Ef 6.12), pois “o mundo jaz no maligno” (1Jo 5.19). A cegueira dos incrédulos com respeito ao evangelho é o resultado da ação de Satanás, “o deus deste século” (2Co 4.4). Os homens seguem o curso deste mundo determinado pelo “príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef 2.2).

A igreja luta contra as forças espirituais do mal dominadoras deste “mundo tenebroso” (Ef 6.12). O mundo estará conquistado por Cristo, incluindo-o no seu reino “quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder” (1Co 15.24-25).

O mundo é a arena onde Deus – um Deus que atua na história – está travando uma batalha contra poderes espirituais que escravizam os homens. O homem é vítima de uma ordem que o transcende. Dominado pelos podres das trevas, o mundo está, contudo, simultaneamente sob o juízo de Deus.

O mundo é um sistema no qual o mal está organizado contra Deus. O que lhe dá este caráter, no entanto, é sua conexão com Satanás e suas hostes. Tais hostes são identificadas como “os poderosos desta época” (1Co 2.6), “os dominadores deste mundo” (Ef 6.12), os “rudimentos do mundo” (Gl 4.3, 9; Cl 2.8, 20). Esta visão apocalíptica do mundo que permeia o Novo Testamento e aponta para a dimensão cósmica tanto do pecado como da redenção cristã oferece um pano de fundo sem o qual não se pode entender devidamente a obra de Jesus Cristo.








[1] John STOTT. A missão da igreja no mundo de hoje, pp. 38, 42.
[2] René PADILLA, Missão integral: ensaios sobre o reino e a igreja, p. 15.
[3] René PADILLA. Ibdem, p. 15.
[4] John STOTT. Ibdem, p. 50.
[5] John STOTT. Ibdem, p. 52.
[6] René PADILLA. Ibdem, p. 73.
[7] René PADILLA. Ibdem, p. 74.
[8] René PADILLA. Ibdem, p. 74.

MISSÃO INTEGRAL - INTRODUÇÃO


Introdução
Em 1974, em Lausanne, Suíça, ocorreu o mais importante evento eclesiástico do século XX: o Primeiro Congresso Internacional de Evangelização mundial. A igreja propunha reafirmar sua vocação e visualizar os desafios da evangelização de todo o mundo. As teses dos oradores convergiram para o tema da Missão Integral.
O Congresso de Lausanne, na Suíça, produziu nos cristãos um impacto de tão grandes proporções que os participantes, dentre as mais renomadas denominações ali representadas, firmaram um pacto, onde ficou descrita a visão missionária da igreja no mundo atual. É neste contexto histórico que a concepção de Missão Integral torna-se algo bem maior que um simples conceito teológico.
A Igreja assumiu uma postura e uma imagem perante o mundo de agente transformador, para exercer sua influência no contexto em que atua. O conceito de evangelização estende-se para além da tarefa de ganhar almas; constitui-se numa estratégia divina de salvação integral que culmina na transformação de vidas que se submetam ao senhorio de Jesus Cristo e à soberania de Deus, para o exercício da missão cristã no mundo.
A Missão Integral da Igreja, portanto, é reconhecida como a tarefa de levar o evangelho todo a todos os homens (de todas as etnias) e ao homem todo. A igreja precisa reconhecer que tem no mundo uma responsabilidade de caráter social que, no exercício de sua missão, jamais deve estar divorciada da evangelização. Outrossim, a igreja deve reconhecer que tem uma função política através da qual educa os cidadãos da pátria celestial a exercerem sua cidadania terreal no uso responsável de sua liberdade, defendendo o direito e a justiça, prestando assistência aos desamparados e contribuindo para o estabelecimento da ordem social.
Não se concebe mais a idéia de evangelização ou de missão sem levar em conta o homem como um todo e o contexto em que ele está inserido. René Padilla, um dos oradores do congresso, considerou que “o contexto no qual se evangeliza é tão importante quanto qualquer outra coisa, ao se decidir acerca do significado do evangelho para aquele mesmo contexto”.[1] Isto significa que a evangelização não pode estar alienada da realidade. Por esta razão, a Missão Integral da Igreja está alicerçada sobre três pilares:
a)  O compromisso com todo o desígnio de Deus;
b)  O alcance de cada ser humano em sua totalidade;
c)  A transformação social do contexto em que a pessoa vive.

Missão Integral implica na contextualização do evangelho. Isto quer dizer que a mensagem proclamada deve atender às necessidades, às inquietações e aspirações prementes da pessoa humana, em todas as áreas de sua vida e do contexto em que vive. A concepção de Missão Integral deve também reafirmar as seguintes convicções:
a)  O compromisso com a autoridade das Escrituras;
b) Sem Cristo, todo ser humano está perdido e sem esperança de salvação;
c)  Só há salvação em Jesus Cristo;
d)  O testemunho cristão engloba a proclamação e as obras.

“A fé sem obras é morta. A fonte da salvação é a graça. O terreno é a expiação. O meio é a fé. A evidência são as obras” disse Billy Graham no referido Congresso de Lausanne.[2] Evangelização não pode estar dissociada da responsabilidade social. A ação social é a aliada inseparável da evangelização. Mas aqui há o risco de se cometer três erros, como disse Billy Graham: “O primeiro é negar que tenhamos qualquer responsabilidade social como cristãos [...] O segundo erro é permitir que a preocupação de ordem social absorva todo o nosso tempo, tornando-se nossa única missão [...] O terceiro erro consiste na identificação do Evangelho com algum programa político ou cultural particular”. [3]


1.  A Identidade Missionária da Igreja (1Pe 2.9)
O conceito de missão eclesiástica deriva do atributo do apostolado da igreja. De acordo com 1Pe 2.9, a igreja tem uma identidade e uma vocação missionária que podem ser expressas nos seguintes termos:

1.1.    A igreja é a GERAÇÃO dos ELEITOS de Deus
“Vós sois a raça eleita” é a declaração de Pedro que identifica a igreja como uma comunidade de regenerados. Ela é a segunda raça, a nova criação (2Co 5.17), a nova humanidade (Ef 4.24; Cl 3.10), onde estão congregados todos os filhos de Deus, os nascidos de Deus pela ação do Espírito. Todos estes regenerados estão eleitos e tal eleição implica em vocação. Deus os gerou e os elegeu para um serviço sagrado: a missão.

1.2.    A igreja é a comunidade SACERDOTAL que promove o reino
“O sacerdócio real”, que literalmente significa o reino constituído por aqueles que exercem o ofício de sacerdote, denota o exercício de um duplo ofício: o sacerdotal, pelo qual os santos na igreja exercem, sob a liderança de Cristo como Sumo Sacerdote (Hb 4.14), a mediação entre o mundo e Deus; e o real, pelo qual a igreja se constitui em agência do reino dos céus no mundo das nações.
“Os dois ofícios de rei e sacerdote eram zelosamente conservados um separado do outro em Israel (cfr. 2Cr 26.16-21), mas em Cristo eles dois se combinam. Cristo é sacerdote entronizado rei (Zc 6.13) e todos quantos O seguem são reis e sacerdotes para Deus. Tudo quanto o sacerdote era nos tempos do Velho Testamento, em sua relação com Deus e os homens, o cristão deve ser na sua coletividade e na sua vida individual".[4]
A igreja é uma comunidade de sacerdotes que reconhece Jesus como seu Sumo Sacerdote (Hb 4.14; 5.9-10; 6.20; 9.11). Cristo exerce sua mediação entre Deus e o homem (1Tm 2.5) por meio da igreja como a agência executora de sua vontade soberana no mundo. Sua representatividade é definida pela forma como os regenerados são designados como “embaixadores de Cristo” (2Co 5.20) e, ao mesmo tempo, incumbidos da missão de reconciliar o mundo com Deus. Neste sentido, a igreja é instância da autoridade divina no mundo.

1.3.    A igreja é a comunidade dos SANTOS constituídos em nação
A expressão “nação santa” (eynov agion) denota a idéia de que os santos foram constituídos em nova nação. Isto significa que Deus, a semelhança do que fez com Israel na aliança do Antigo Testamento (cf. Ex 19.5), constituiu a igreja, a qual é o novo povo santo, em uma nova nação inserida no mundo das nações. O termo também conota a nova cidadania dos santos, cuja “pátria está nos céus” (Fp 3.20; Ef 2.19; 1Pe 2.11).
A expressão “povo adquirido” (laov eiv peripoihsin = povo de possessão) denota a idéia de resgate, portanto, a igreja é o povo resgatado, isto é, um preço foi pago pela sua liberdade (1Co 6.20; 7.23). Assim sendo, a igreja se tornou o “povo de propriedade exclusiva de Deus” (1Pe 2.9), que uma vez liberto do cativeiro do pecado e do “império das trevas” foi transportado para “o reino do Filho amado de Deus” (Cl 1.13).
A implicação disso é que todos os santos são constituídos em cidadãos do reino divino, o qual foi estabelecido por Cristo aqui na terra (cfr. Ap 5.9-10). Por isso, os cristãos vivem e agem no mundo segundo os valores do reino celeste. São agentes divinos que exercem sua nova cidadania através da missão de promover, xpandir e consolidar o reino de Deus entre os homens.
Como súditos do reino e “embaixadores de Cristo” no mundo das nações (2Co 5.20), os santos são porta-vozes oficiais de Deus e de Cristo no mundo, incumbidos da missão de reconciliar o mundo com Deus, proclamando “as grandezas daquele que os chamou das trevas para sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9).

2.  Conceito de Missão
A identidade missionária da igreja é designada por sua natureza apostólica. Como disse Johannes B. Blauw, “não existe nenhuma outra igreja senão a igreja enviada ao mundo e não há outra missão a não ser a da Igreja de Cristo”.[5]
A apostolicidade é o mais relevante atributo missiológico da igreja. Dele deriva o conceito de missão expresso por Warneck: “Por missão cristã entendemos a atividade conjunta da cristandade, buscando a implantação e a organização da igreja cristã entre os não-cristãos. Tal atividade denomina-se missão, pois baseia-se na força do envio do chefe da igreja cristã, é realizada por emissários (apóstolos, missionários) e seu objetivo será atingido assim que não seja mais necessário outro envio”.[6]
Para John Stott,
Missão quer dizer atividade divina que emerge da própria natureza de Deus. Ora, o Deus vivo da Bíblia é um Deus que envia; eis aí, portanto, o significado da palavra. Ele enviou seus profetas a Israel, e enviou o seu Filho ao mundo. Este, por sua vez, enviou os apóstolos, os setenta e a igreja. Enviou também o Espírito Santo à igreja e hoje o envia aos nossos corações. Assim, a missão da igreja resulta da própria missão de Deus, e nela tem de ser modelada. ‘Assim como o Pai me enviou’, disse Jesus, ‘também vos envio a vós’ (Jo 20.21; cf. 17.18).

A continuar...





[1] René PADILLA. Missão integral, pp. 7, 8.
[2] Billy GRAHAM. A missão da igreja no mundo de hoje, p. 21.
[3] Billy GRAHAM. Ibdem, pp. 22, 23.
[4] F. Davidson. O novo comentário da bíblia, p. 1408.
[5] Johannes B. BLAUW. A natureza missionária da igreja, p. 122.
[6] Gustavo WARNECK, citado por Karl Muller em sua obra Teologia da Missão, 1995, p. 39.