Pr.
José Vidigal Queirós
INTRODUÇÃO
Na primeira palestra, tivemos a oportunidade de refletirmos
no conceito de missão integral e de mundo como campo da missão. Nesta segunda,
vamos focalizar a missão da igreja na cidade pós-moderna. A discussão deste
tema gira em torno da práxis missiológica da igreja local no contexto urbano.
Nesta abordagem final, duas questões haverão de definir o rumo e o conteúdo da
discussão referentes a este tema. A primeira delas suscita a demanda por uma
resposta que nos esclareça sobre qual a atividade essencial da igreja através
da qual ela cumprirá o propósito de Deus para a cidade. A segunda questão diz
respeito às estratégias que ela poderá adotar e que meios e recursos a igreja
dispõe para o desempenho de sua missão urbana.
Igreja e cidade são instâncias bipolares jurisdicionadas
pela sociedade civil que as abriga no mesmo espaço. Isto significa que, de
certa forma, ambas vivem uma história comum, uma vez que as mesmas pessoas são
chamadas a participar da igreja e da cidade. Comunidade cristã e comunidade
civil encontram na sua convivência cidadã o elo da complementaridade. A missão
da igreja na cidade não propõe constituir uma delas por si só – igreja ou
cidade – a imagem e a antecipação do reino de Deus, mas é presumível que a
pedagogia da nova Jerusalém torne-se fonte de inspiração para a construção de
valores e estruturas que viabilizem o exercício da cidadania, segundo os
parâmetros da fé cristã. Neste sentido, a igreja insurge como agente pedagógico
instrumentalizado por Deus para o advento da cidade cristã.
Antes de apresentar uma proposta de missão urbana, é mister
que se tenha uma visão da espiritualidade da cidade onde a igreja se faz
presente. O elemento fundamental que caracteriza esta espiritualidade é
manifesto pelo mal de natureza sistêmica que predomina no ambiente urbano. Os
escritos do Novo Testamento, especificamente as cartas de Paulo, testificam que
os poderes do mal se constituíram em um império no mundo, onde as cidades em
que a igreja se estabeleceu são o palco de sua ação maior. Paulo tinha
consciência de que sua vocação implicava uma conversão dos gentios “da
potestade de Satanás para Deus”. [1]
Portanto, a igreja jamais deve perder de vista a dimensão espiritual em que sua
missão no mundo se realiza.
Segundo a linha de raciocínio de Linthicum concernente ao que ele mesmo denominou de “doutrina de Paulo sobre o mal corporativo”, a cidade encontra-se capturada pelos poderes do mal que se organizaram contra Deus para a destruição. Em sua dimensão espiritual, a missão urbana da igreja retrata uma “batalha entre Deus e Satanás pela cidade”. Os poderes que podem provocar tal destruição na cidade estão sob o domínio de Deus. “Da mesma forma que o trino Deus criou a humanidade e dotou-a com a capacidade de criar a cidade, também criou os sistemas e estruturas que trazem ordem a cada uma delas, assim também criou os principados e potestades que trazem ‘espírito’ aos sistemas e à cidade”. [2] Por isso, admite-se que o mal, embora corporativo, não é irreversível, pois o próprio Deus que, em sua soberania, permite o mal, tem-no também sob seu controle.
Segundo a linha de raciocínio de Linthicum concernente ao que ele mesmo denominou de “doutrina de Paulo sobre o mal corporativo”, a cidade encontra-se capturada pelos poderes do mal que se organizaram contra Deus para a destruição. Em sua dimensão espiritual, a missão urbana da igreja retrata uma “batalha entre Deus e Satanás pela cidade”. Os poderes que podem provocar tal destruição na cidade estão sob o domínio de Deus. “Da mesma forma que o trino Deus criou a humanidade e dotou-a com a capacidade de criar a cidade, também criou os sistemas e estruturas que trazem ordem a cada uma delas, assim também criou os principados e potestades que trazem ‘espírito’ aos sistemas e à cidade”. [2] Por isso, admite-se que o mal, embora corporativo, não é irreversível, pois o próprio Deus que, em sua soberania, permite o mal, tem-no também sob seu controle.
As forças espirituais do mal são usadas por Satanás para o
seu funesto trabalho. Passagens como Ef 6.10-12 e Cl 2.8 são advertências
contra as ameaças sofridas no mundo terreno oriundas do sobrenatural. As
pessoas e os sistemas da cidade são induzidos a seguir “o curso deste mundo” e
o “príncipe da potestade do ar”. [3] A
espiritualidade idólatra, opina Linthicum, “seduz tanto os sistemas de uma
cidade quanto as pessoas que os fazem funcionar.
No que diz respeito à tarefa da igreja, esta consiste em
tornar conhecida a “multiforme sabedoria de Deus” [4] tanto
aos principados e potestades quanto aos governantes e às autoridades dos
sistemas em que habitam. Prosseguindo, Linthicum assevera: “É tarefa da igreja
confrontar as potestades e os sistemas com a chamada bíblica para a justiça e
redenção [...] A igreja deve buscar, através de Cristo, a transformação íntima
da espiritualidade das potestades, da mesma forma que ela busca a salvação de
indivíduos e a libertação dos sistemas”. [5]
O mal corporativo – declara Linthicum – invadiu os sistemas
no seu ponto mais vulnerável: a ânsia de poder que traz como resultado a
opressão dos desamparados; e a avareza que induz à exploração dos fracos e
pobres. Assim, a missão da igreja redunda em uma disputa por libertação tanto
do povo quanto dos sistemas da sociedade humana. Um espírito de sedução
predomina nos sistemas moldando as condições e a forma de vida de indivíduos e
famílias.
Uma nova espiritualidade deve ser formada e a igreja é
agente divino responsável por tal tarefa. A voz e os atos da igreja são os
recursos mais viáveis para a consecução desta meta. A mensagem e a práxis
eclesiásticas são, em tese, canais por onde flui o poder divino capaz de
influenciar as mudanças necessárias para que o reino de Deus seja consolidado
na cidade e no mundo pós-moderno.
Independente do local onde se encontra, a comunidade cristã
sempre haverá de agir no mundo em função do desígnio divino. Sendo a igreja uma
agência de salvação para o mundo, sua mensagem tem caráter libertador e o tema
da proclamação não pode ser outro, senão, o evangelho do reino. A igreja
investe seus dons e recursos na tentativa de viabilizar a concretização deste
reino entre os homens.
A mensagem e sua práxis haverão de estar em perfeita sintonia.
As obras da igreja deverão manifestar os sinais do reino divino e da presença
ativa de Deus através da própria igreja. Em outras palavras, a práxis, tanto
aprova quanto complementa a mensagem que a igreja proclama. Tudo que ela é e
faz deriva de sua vocação, isto é, do chamado e do envio dos quais Deus é o
sujeito.
O ministério urbano da igreja é delineado pelas razões de
sua vocação. O livro de Atos dos Apóstolos começa com o mandato missionário que
Cristo deu aos remanescentes de sua missão terrena. “Sereis minhas testemunhas,
tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia, Samaria e até os confins da terra”
(ARA). [6] A
igreja é povo de Deus a caminho e, em busca dos que se encontram nos confins da
terra, ela começa sua peregrinação pela cidade. Jerusalém foi o ponto de
partida da missão apostólica em toda a Judéia; em seguida, a cidade de Samaria
serve como marco inicial da missão em todo o território da província
samaritana; e, por fim, Antioquia, capital da Síria, é a cidade de onde Barnabé
e Saulo (Paulo) emigram em direção às cidades dos gentios, por todas as
províncias do império, terminando em Roma.
A vocação missionária da igreja é essencialmente urbana e cívica. O Redentor divino ordena a caminhada de Sua igreja em direção à cidade. A primeira delas, Jerusalém, foi motivo de suas lágrimas numa expressão de paixão e dor. No Novo Testamento, Jerusalém é nome dado à velha cidade, onde a igreja começa a missão; e à nova cidade, onde ela termina sua tarefa. Uma das expressões que melhor explica a vocação da igreja para sua missão urbana foi emitida por José Comblin:
A vocação missionária da igreja é essencialmente urbana e cívica. O Redentor divino ordena a caminhada de Sua igreja em direção à cidade. A primeira delas, Jerusalém, foi motivo de suas lágrimas numa expressão de paixão e dor. No Novo Testamento, Jerusalém é nome dado à velha cidade, onde a igreja começa a missão; e à nova cidade, onde ela termina sua tarefa. Uma das expressões que melhor explica a vocação da igreja para sua missão urbana foi emitida por José Comblin:
A Igreja é chamada a assumir a sociedade urbana não por
oportunismo religioso, mas por vocação. É possível que as desordens da
urbanização deixem à Igreja bastantes subprodutos a serem explorados a fim de
dar-lhe um emprego: a recuperação dos produtos marginais da civilização. Sua
vocação é outra. Consiste em aplicar-se à tarefa de salvação da própria cidade
e à salvação da urbanização. Seu papel não consiste em fundar sinagogas à
margem do tecido urbano. Seu papel consiste em criar o povo de Deus a partir do
povo da cidade. [7]
Linthicum vê a vocação da igreja na cidade como sendo
essencialmente espiritual. A cidade capturada por Satanás é alvo e campo da
missão libertadora divina. Os sistemas organizados na cidade estão corrompidos
e somente a ação poderosa divina mudará a situação. Com respeito à vocação
urbana da igreja, ele escreve:
A vocação da igreja na cidade é buscar a transformação
espiritual dessa cidade. Esta transformação incluirá, necessariamente (para que
seja transformação), os sistemas corporativos, as estruturas e seus principados
e potestades. Isto só pode acontecer à medida que a igreja desmascara as
mentiras sobre as quais a cidade está construída [...] A igreja carrega a
responsabilidade de desnudar a verdade sobre os modos como estas estruturas e
seus líderes agem e servem a seus próprios interesses – e chamá-los tanto à
responsabilidade quanto ao arrependimento. É mostrar a esta liderança um novo
céu e uma nova terra de modo que ela tenha uma nova visão da cidade: a cidade
que ela poderia ser sob o senhorio de Cristo. [8]
Não se deve perder de vista que, no propósito de Cristo, a
igreja foi criada para servir como agência de salvação para o mundo. Uma vez
que, no exercício da missão eclesiástica, “as portas do hades” não prevalecerão
contra a igreja de Cristo (MT 16.18), é de se esperar que a missão da igreja
seja espiritualmente beligerante e seu propósito é essencialmente libertador,
pois os libertos são reconciliados com Deus.
O conceito de libertação, segundo o Novo Testamento, tem
suas raízes na história de Israel. A libertação nacional de Israel do cativeiro
egípcio tem dois aspectos: um espiritual – caracterizado pela intervenção
sobrenatural divina – e outro político através da ação de Moisés na organização
política dos hebreus como uma nova nação no mundo. A necessidade desta
intervenção divina foi manifesta pelo clamor dos filhos de Israel que “gemiam
sob a servidão” e “seu clamor subiu a Deus”. [9] No que
concerne ao povo de Deus, as Escrituras afirmam que é Deus quem age para
salvá-lo. É o próprio Deus quem se levanta para trazer libertação, derrubando
impérios na terra.
Linthicum ratifica tal concepção da seguinte forma:
O Velho Testamento, através de sua história, nos ensina que
libertação exige mais do que nossa crença em que Deus pode derribar o
império que domina nossas vidas. Requer mais do que o nosso agir com base nessa
fé. Requer ainda mais do que a vitória de Deus em nós. Nossa libertação,
seja ela nossa própria libertação, a de nossa família, nossa igreja, nossos
negócios, nossa cidade, nossa nação ou do mundo, tem que incluir o difícil e
doloroso trabalho de construir, sob o comando de Deus, um novo modo de vida que
nos estimule a agir com justiça, a amar a misericórdia, e a andar humildemente
com nosso Senhor (Mq 6.8). É assim que se dança a liberdade perante o Senhor. [10]
O fruto da liberdade é a paz. Aqueles que por ela oram
reivindicam a liberdade e o alívio da opressão. Este foi o propósito de
Jeremias ao escrever aos judeus cativos em Babilônia: “Procurai a paz da cidade
para onde vos desterrei e orai por ela ao SENHOR; porque na sua paz vós tereis
paz” (ARA). [11] O termo hebraico shalom traduzido como paz traz uma idéia
abrangente que supera em muito a condição de calma e sossego. Esta palavra
incorpora os múltiplos relacionamentos da vida diária; significa a condição
ideal de vida. Isto inclui boa saúde, prosperidade, segurança, justiça e
contentamento espiritual. A paz da cidade ou da nação designa a ordem social, a
segurança e o bem-estar do povo em geral. Não há shalom
fora de Deus, portanto, a igreja que se preocupa com a cidade intercede
pelos governantes e demais autoridades “para que vivamos vida tranqüila e
mansa, com toda piedade e respeito” (ARA). [12]
No Novo Testamento, a concepção de reino de Deus se
expressa pelo estabelecimento de uma nova ordem no mundo, onde a shalom divina se firma em todos os
níveis das relações humanas. Da mesma forma que a libertação no Antigo
Testamento está centrada no resgate de sob a opressão, assim também a salvação,
no conceito neotestamentário, proclama a shalom
como promessa divina, a qual resultará da transformação operada nos indivíduos
e nas estruturas corporativas da sociedade em relacionamento adequado com Deus.
A missão da igreja na cidade tem como paradigma não só o
ministério urbano de Jesus, mas também seu propósito para com os cidadãos. Uma
visão correta do que Jesus fez pela cidade pode ser contemplada no plano de
Jesus para com Jerusalém. Os evangelhos sinópticos, especialmente Mateus,
revelam que, em primeiro lugar, o plano de Jesus era morrer em Jerusalém,
firmado na convicção que tinha de que “não se espera que um profeta morra fora
de Jerusalém”. [13]
A cidade tão pecadora era também o alvo do amor especial de
Deus. Pode ser legítima a especulação de que Jesus pretendia morrer em
Jerusalém por ela ser o arquétipo do campo de conflito espiritual. Ela não é
simplesmente uma cidade; é também o símbolo de todo lugar onde o pecado reina e
para onde o Senhor envia a igreja em missão libertadora. Jerusalém era o ponto
de reunião de todos os sistemas – religioso, político e econômico – de Israel.
Mais que tudo isso, era o centro espiritual do mundo e o local da habitação
física da lei.
Jerusalém é emblema bíblico de todas as cidades. Morrer em
Jerusalém certamente tinha um significado especial para Jesus. Era morrer no
centro espiritual do mundo. O maior conteúdo profético da Bíblia foi produzido
em Jerusalém e a ela os profetas foram enviados e nela foram mortos. O lamento
de Jesus “Jerusalém, Jerusalém que matas os profetas, e apedrejas os que te são
enviados!...” (ARA) [14] soa
como um clamor divino pelo que tanto já havia sido feito para restaurá-la.
Seguindo o raciocínio de Linthicum, nesta passagem podemos destacar os
princípios fundamentais da teologia bíblica da salvação para a cidade.
Primeiro: “o amor de Deus pela cidade é paciente”. [15]
Embora os profetas enviados por Deus tenham sido mortos pelos habitantes de
Jerusalém, Deus ainda não desistira do seu povo nem da cidade amada que se
constituíra em orgulho nacional de Israel. O pecado que Jesus lamentou não
representa o acúmulo dos pecados individuais. O seu lamento foi expresso em
virtude do pecado corporativo, sistêmico,
de predominância na cidade. Deus ainda continua amando a cidade.
Segundo: “Cristo deseja ver a cidade tornar-se a cidade de
Deus”. [16]
“Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu
próprio ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes” (ARA). [17] Mesmo
tendo sido e continuar sendo hostil, Cristo deseja ver a cidade vir a ele para
tornar-se aquilo para o qual ela haverá de ser: a cidade de Deus.
Terceiro: “a humanidade rejeita a cidade de Deus”. [18] O
coração constrangido de Cristo reflete a dor da rejeição por ele. O poder de
salvação veio até os seus habitantes, mas eles o recusaram de forma hostil e
violenta. O motivo pelo qual a cidade não desfruta da salvação não resulta de
uma omissão divina, mas da rejeição humana. A rejeição a Cristo era de natureza
corporativa; eis a razão porque ele não se dirigiu a indivíduos, mas à cidade.
Quarto: “conseqüências inevitáveis vêem sobre a cidade que
rejeita a Cristo”. [19] “Eis
que a vossa casa vos ficará deserta”. [20] A
destruição viria como juízo de condenação. Cidades serão destruídas por terem
recusado os eventos redentivos que nelas ocorriam. A cidade que rejeita a
oportunidade de salvação que lhe é oferecida está sentenciada ao severo juízo
divino. São qualificadas como dignas de sentença e castigos piores que os
pronunciados sobre Tiro, Sidom e Sodoma. [21]
Esses quatro princípios definem os parâmetros que trazem
luz à compreensão do que Jesus fez pela cidade. A salvação não foi planejada
por causa da maldade do mundo, mas porque o mundo é o ambiente no qual a
humanidade vive e contra o qual ela pecou. Não se deve perder de vista o fato
de que o mundo material participa do destino da humanidade. [22] A
terra amaldiçoada por causa do pecado do homem e os céus onde habitam os
principados e potestades haverão de ser recriados e, assim, haverá “um novo céu
e uma nova terra” [23], nos
quais a “nova Jerusalém”, a cidade de Deus, é paradigma de toda cidade redimida
que haverá de servir como morada de Deus com o homem. [24]
“Somente os sistemas de Deus são capazes de promover nossa
libertação do controle dos sistemas que governam o mundo” – diz Linthicum. [25] O
próprio homem demonizou os sistemas e, por isso, somente Deus pode fazer o que
eles não podem. Na condição em que se encontra, o homem não pode reformar os
sistemas e produzir a vida na qualidade e padrão desejados, porque ele está
enfraquecido pela natureza do pecado.
Cristo envia e convida a igreja a participar daquilo que
ele mesmo fez. Cada discípulo deve tomar a sua cruz e segui-lo até a cidade
para proclamar a mensagem da salvação, sofrer a resistência e as perseguições
por causa da justiça e, caso seja necessário, perder a própria vida. A exemplo
de Paulo, que imitou literalmente a Cristo, é possível que cadeias e
tribulações possam ser o preço a pagar pela missão da igreja na cidade (At
20.23).
Vimos até aqui um resumo de tudo aquilo que justifica a
missão da igreja na cidade. Focalizemos agora os meios e os recursos que a
igreja haverá de empregar na missão, a fim de cumprir o desígnio divino. A
pergunta pelos meios e recursos pelos quais a igreja conseguirá viabilizar o
cumprimento do desígnio divino, em parte, foi respondida na exposição feita
antes sobre a espiritualidade da cidade imposta pelo mal corporativo que seduz,
induz e domina as pessoas da cidade. O que a igreja ainda pode e deve fazer é o
que se pretende apresentar em seguida: a inculturação do evangelho no contexto
urbano.
Inculturar o evangelho na cidade não significa converter
todos os cidadãos à fé cristã, nem mesmo cristianizar
a cidade, fazendo dela uma colônia da igreja. Significa, a priori, impregnar a
cultura com os valores do reino divino propugnados pela igreja através da
proclamação do evangelho, ainda que a comunidade não se converta. A
possibilidade disso deriva do fato de que o homem foi criado à imagem e
semelhança de Deus. Assim sendo, como disse o Dr. Tito Paredes, antropólogo e
diretor do Centro Evangélico Missiológico Andino-Amazônico, Peru, “homem e mulher foram criados com
capacidade para criar e produzir cultura”. [26]
Outrossim, presume-se que o processo de inculturação do
evangelho na cidade não se dará sem que haja alguma ou forte resistência. Não
há nenhuma promessa divina de que a evangelização de uma cidade trará como
resultado a aceitação pacífica e/ou passiva do evangelho por parte dos seus
habitantes. Pelo contrário, há a terrível possibilidade de que, em vez da
aceitação, a recusa hostil seja a resposta à mensagem proclamada pela igreja.
Foi o que aconteceu com Jesus e seus discípulos em Israel. Neste caso,
a orientação de Jesus aos seus discípulos era que, em virtude da urgência da
missão na conquista das “ovelhas perdidas da casa de Israel”, não houvesse
desperdício de tempo com aqueles que não se interessavam pelo reino de Deus nem
pela oferta da graça redentora divina. Partir para a conquista de outra cidade
era a opção urgente da missão. [27] A
cidade que recusasse de forma hostil a mensagem dos enviados de Deus
constituía-se em alvo da ira e do juízo severo divino. [28] Apesar
da possibilidade de que uma atitude inóspita se manifeste contra a igreja, por
outro lado, é também provável que a sociedade civil acate de bom grado a
presença participativa da igreja nas questões da vida pública, em virtude da
ação do Espírito divino na consciência dos homens, levando-os ao reconhecimento
do erro humano perante o Deus Soberano que legisla sobre eles e julga os seus
atos.
Para viabilizar a inculturação do evangelho na cidade,
provavelmente, a alternativa melhor seja a realização de um ministério integral
inculturado na vida urbana. Para isso, é imprescindível que se considere o
contexto do mundo atual. A universalização dos valores culturais, decorrentes
do compartilhamento globalizado dos mecanismos, estruturas e padrões socioculturais
que a pós modernidade produziu, influencia diretamente os cidadãos em geral
(crentes e não crentes) na formação de uma nova mentalidade, que define um novo
modus vivendi e põe em evidência, de
forma paradoxal e progressivamente, o desenvolvimento e a deformação da vida
urbana. O maior risco que a igreja corre neste processo é o de, em lugar da
inculturação do evangelho na sociedade, a igreja seja aculturada pelos valores
e padrões do status quo que definem o
estilo de vida da sociedade civil e que o evangelho propõe substituir pelos
valores do reino. O poder de sedução que induz a cidade ao pecado também atua
sobre os cristãos que nela habitam. Daí a necessidade do preparo espiritual da
igreja em sua vida interna para que sua missão externa seja eficaz. Tal missão
requer uma visão estratégica de adequação dos padrões e estruturas da igreja ao
contexto em que ela atua.
A pergunta pela estratégia que viabilize a inculturação do
evangelho na cidade encontra sua resposta na adequação da igreja aos tempos
atuais. Trata-se de uma adaptação da igreja não ao modus vivendi, mas ao ambiente em que vivem os cidadãos sem que
ponha em risco a preservação dos valores cristãos. Alguns elementos-chave devem
ser levados em consideração, para que se viabilize tal contextualização.
Primeiro, é imprescindível que se tenha em mente a premissa
de que, embora Deus seja o sujeito da missão, a igreja local é agência
executora dessa missão, isto é, ela encarna a missão de Cristo, para auxiliar o
povo de Deus na descoberta e assimilação dos valores compatíveis com o
evangelho do reino.
Segundo, é indispensável que a igreja seja submetida não só
a uma reestruturação dos diversos ministérios por ela exercidos, mas também a
um redirecionamento de suas ações, de
tal forma que estas respondam satisfatoriamente às aspirações mais elevadas da
sociedade civil, tanto em sua dimensão transcendental como também em sua
demanda social, viabilizando a participação coletiva dos crentes nas ações que
dão cumprimento ao desígnio de Deus.
Quaisquer que sejam as mudanças e adequações, estas devem
estar alicerçadas nos princípios que norteiam a missão eclesiástica: (a) a
fidelidade à doutrina bíblica da salvação cuja mensagem deve estar centralizada
na encarnação e na obra redentora de Cristo; (b) a coerência das ações com a
natureza soteriológica da igreja, designada como comunidade messiânica; (c) a
atitude de alerta aos sinais dos tempos que apontam para o fim dos tempos.
O princípio da adequação é elemento decisivo quanto à
realização de tudo que envolve e caracteriza a práxis missiológica da igreja.
Tanto a reestruturação dos diversos ministérios como também o redirecionamento
estratégico de suas ações, focalizando setores específicos da sociedade, onde a
igreja marcará sua presença e sua participação
direta, são os preparativos que culminarão na inserção da igreja na vida de
sua comunidade, preservando sua identidade como sal da terra e luz do mundo.
A inculturação requer inserção.
A situação vigente no contexto nacional demanda a ação política eficaz da
comunidade civil organizada, para que as mudanças necessárias na vida urbana se
concretizem. Para tanto, a igreja, exercendo sua missão profética, deve
tornar-se a voz da cidade em favor da cidade. Isto só é possível por meio da inserção intencional e articulada de membros da comunidade
cristã local, por ela treinados, nos órgãos representativos da comunidade
civil, tais como sindicatos, associações, uniões de moradores, conselhos
municipais, agremiações estudantis, e demais instituições representativas da
sociedade politicamente organizada.
Somente movidos pelo espírito
de serviço que marca a encarnação de Cristo é que os verdadeiros cristãos
se identificam com o Senhor da igreja e cumprem integralmente sua missão no
mundo. Disso depende a credibilidade do evangelho que proclamam externamente e
o vivenciam internamente. Samuel Escobar, num ensaio teológico sobre a
responsabilidade social da igreja, escreveu:
Atividade política e evangelização, ação social e
evangelização, serviço à comunidade e evangelização. Isto é sintoma de
maturidade e evidência da nova vida. É o símbolo da morte para a velha vida e
evidência da nova. Tudo quanto custam em esforço, sacrifício, desprezo,
perseguição por causa da justiça, demonstra que estamos crucificados com Cristo
e que não somos apenas versados em crucificação. [29]
A ação social cristã é a chave que abre a porta das
oportunidades para a evangelização e o discipulado. A diakonia é a expressão ativa do amor de Deus que flui através da
igreja que encarna o espírito de Cristo. O resultado disso, presume-se, será a
empatia social como sinal tanto da aceitação como do desejo da comunidade pela
igreja que quando atinge o status de desejada
é porque antes já se tornou necessária.
É esta igreja necessária que haverá
de ser ouvida.
Mas a adequação que visa a inserção requer planejamento.
Nada além de um plano estratégico que viabilize ações articuladas pode garantir
o êxito da igreja no alcance de sua meta inicial, a de inculturar o evangelho
na cidade. Mas é indispensável que este processo seja conduzido de forma
racional sob a égide do Espírito Santo. Isto será realmente concretizado a
partir do momento em que os membros da igreja estejam conscientes do seu real
papel como cidadãos do reino de Deus atuando no mundo dos homens.
A viabilidade do plano dependerá da premissa que norteará o
processo de planejamento e que pode ser expressa da seguinte forma: Cidadãos se tornam cristãos através do
ministério de cristãos que se tornam cidadãos. O plano necessitará de uma
plataforma que servirá como base de apoio para todas as ações que a igreja
local haverá de realizar na conquista do objetivo principal de sua missão na
cidade. Tal plataforma pode ser construída sob os seguintes pilares: (a) o
Senhor da igreja é o sujeito da missão
e cada crente, no seio da igreja, tem sobre si o encargo desta missão; (b) a
atividade cívica da igreja realizar-se-á através de grupos organizados em equipes de ministérios específicos, que
estejam articulados com os movimentos
populares e forças da comunidade civil para agirem legitimamente em prol de
causa justa respaldada pelo evangelho; (c) as ações que mobilizarão a igreja
serão orientadas de dentro para fora,
isto é, do templo para a comunidade e não da comunidade para o templo; (d) um espírito renovador deve ser cultivado
para alimentar a coragem de romper com os velhos paradigmas que mumificam a
igreja.
A grande preocupação aqui consiste no risco que a igreja
corre de enveredar pelas vias da política partidária, pela qual a comunidade
política demonizada, fazendo uso dos seus mecanismos de sedução, venha
corromper a liderança eclesiástica através da troca negociada de interesses. A
igreja jamais deve despojar-se de tudo que a qualifica como instrumento da
graça salvadora divina; de tudo que a leva a “pensar nas coisas que são de
cima”[30], a
fim de que não venha a cair na cilada do maligno que só cogita das coisas dos
homens. [31] Provavelmente, foi
pensando assim que Comblin escreveu: “o papel da Igreja não é o de proporcionar
planos de urbanismo, nem programas políticos. Outros podem fazê-lo. A Igreja
não é necessária para isso”. [32]
Diante disto, é imprescindível que se tenha consciência de qual deva ser o
elemento central da missão política da igreja e também de que deve submeter as
estratégias de ação a este elemento.
Em sua reflexão sobre a missão urbana da igreja, José Comblin visualiza a cidade como elemento da pedagogia divina. Ele crê que Deus educa os homens por meio da igreja, embora não de maneira exclusiva. Ao contrário disso, o preconceito de que as realidades profanas nada têm a ver com o plano divino foi resultado de uma formação leiga. Em virtude disto, não se concebe bem a cidade sem que ela seja interpretada à luz da pedagogia divina. Da mesma forma, não é possível adquirir uma compreensão dessa pedagogia, como também da própria igreja, sem que se tenha a experiência do fenômeno urbano. [33] Comblin compreende que a “pedagogia de Deus se exerce através da história e das instituições. Nós a vemos aqui na história tomada como instituição e na história da cidade”. [34]
A vida na cidade industrializada polarizou socialmente o homem transformando-o, simultaneamente, em autor e vítima de suas ambições. O progresso econômico advindo da revolução industrial, no século XIX, construiu a plataforma onde se ergueu o subúrbio que instrumentalizou a industrialização da pobreza e verminou a miséria urbana. Trata-se dos aglomerados humanos que vivem dos restos da civilização (tábuas velhas, latas e tonéis usados, chapas deterioradas, sucatas, etc.). Discriminados como sub-raça, estes habitam na cidade peridérmica por eles mesmos construída com os subprodutos e o lixo dos ricos das grandes cidades. Esta é a cidade desordenada e caótica, produtora da sub-cultura que ameaça a segurança e a salubridade da vida na pólis moderna, que se aglutina e entremeia nas metrópoles. Diante disso, reconhecendo que o espetáculo do aspecto externo das cidades é escândalo, ele levanta uma questão: “Durante quantas gerações terá sido necessário ao homem o confronto com esse escândalo para convencer-se das mudanças que deve aceitar?” [35]
A solução divina para o problema urbano “passa pela fuga da cidade”. Deus retira Abraão de sua cidade da Mesopotâmia, os israelitas das cidades do Egito. Deus entrega Jerusalém à destruição e instala sua igreja no exílio. Expatriados, os santos vivem em comunidade de estrangeiros, peregrinos pela terra. A igreja não se manifesta como parte integrante dos sistemas da cidade; se assim fosse, perderia a possibilidade de dar testemunho. Ela dá testemunho da economia da salvação à medida que é livre e não está comprometida. Deve denunciar os males da cidade, anunciar a nova Jerusalém e sua antecipação atual. [36]
A tarefa missionária da igreja não consiste na construção da cidade de Deus por vias humanas. Isto a civilização pós-diluviana tentou através do projeto Babel que Deus fez fracassar. Os homens não criam caminhos para Deus; antes é ele próprio que desce à terra e traz consigo o modelo de cidade onde prevalece a justiça e o direito eterno. A cidade terrena é objeto do plano divino para a economia atual e sua razão de existir consiste em ser o lugar de convivência humana que favorece a socialização do indivíduo. Ela não serve a nada nem a ninguém, não tem vida própria, é apenas o lugar do homem construído pelo homem a bem do próprio homem.
Neste sentido, salvar a cidade significa libertá-la e pô-la em ordem e segurança para a garantia da convivência pacífica de seus habitantes, onde os valores culturais do evangelho sejam cultivados. Portanto, a dimensão da tarefa urbana da comunidade cristã estende-se para além do testemunho. A igreja opera na vida urbana, através de sua experiência de vida em comunidade não só para proclamar através da práxis a comunhão e a solidariedade, mas também para oportunizar a formação de estruturas sociais que ofereçam alternativas de convivência fraterna com menos possibilidades de conflitos e disputas e que demandem da autoridade o exercício de sua real função: o serviço.
Em sua reflexão sobre a missão urbana da igreja, José Comblin visualiza a cidade como elemento da pedagogia divina. Ele crê que Deus educa os homens por meio da igreja, embora não de maneira exclusiva. Ao contrário disso, o preconceito de que as realidades profanas nada têm a ver com o plano divino foi resultado de uma formação leiga. Em virtude disto, não se concebe bem a cidade sem que ela seja interpretada à luz da pedagogia divina. Da mesma forma, não é possível adquirir uma compreensão dessa pedagogia, como também da própria igreja, sem que se tenha a experiência do fenômeno urbano. [33] Comblin compreende que a “pedagogia de Deus se exerce através da história e das instituições. Nós a vemos aqui na história tomada como instituição e na história da cidade”. [34]
A vida na cidade industrializada polarizou socialmente o homem transformando-o, simultaneamente, em autor e vítima de suas ambições. O progresso econômico advindo da revolução industrial, no século XIX, construiu a plataforma onde se ergueu o subúrbio que instrumentalizou a industrialização da pobreza e verminou a miséria urbana. Trata-se dos aglomerados humanos que vivem dos restos da civilização (tábuas velhas, latas e tonéis usados, chapas deterioradas, sucatas, etc.). Discriminados como sub-raça, estes habitam na cidade peridérmica por eles mesmos construída com os subprodutos e o lixo dos ricos das grandes cidades. Esta é a cidade desordenada e caótica, produtora da sub-cultura que ameaça a segurança e a salubridade da vida na pólis moderna, que se aglutina e entremeia nas metrópoles. Diante disso, reconhecendo que o espetáculo do aspecto externo das cidades é escândalo, ele levanta uma questão: “Durante quantas gerações terá sido necessário ao homem o confronto com esse escândalo para convencer-se das mudanças que deve aceitar?” [35]
A solução divina para o problema urbano “passa pela fuga da cidade”. Deus retira Abraão de sua cidade da Mesopotâmia, os israelitas das cidades do Egito. Deus entrega Jerusalém à destruição e instala sua igreja no exílio. Expatriados, os santos vivem em comunidade de estrangeiros, peregrinos pela terra. A igreja não se manifesta como parte integrante dos sistemas da cidade; se assim fosse, perderia a possibilidade de dar testemunho. Ela dá testemunho da economia da salvação à medida que é livre e não está comprometida. Deve denunciar os males da cidade, anunciar a nova Jerusalém e sua antecipação atual. [36]
A tarefa missionária da igreja não consiste na construção da cidade de Deus por vias humanas. Isto a civilização pós-diluviana tentou através do projeto Babel que Deus fez fracassar. Os homens não criam caminhos para Deus; antes é ele próprio que desce à terra e traz consigo o modelo de cidade onde prevalece a justiça e o direito eterno. A cidade terrena é objeto do plano divino para a economia atual e sua razão de existir consiste em ser o lugar de convivência humana que favorece a socialização do indivíduo. Ela não serve a nada nem a ninguém, não tem vida própria, é apenas o lugar do homem construído pelo homem a bem do próprio homem.
Neste sentido, salvar a cidade significa libertá-la e pô-la em ordem e segurança para a garantia da convivência pacífica de seus habitantes, onde os valores culturais do evangelho sejam cultivados. Portanto, a dimensão da tarefa urbana da comunidade cristã estende-se para além do testemunho. A igreja opera na vida urbana, através de sua experiência de vida em comunidade não só para proclamar através da práxis a comunhão e a solidariedade, mas também para oportunizar a formação de estruturas sociais que ofereçam alternativas de convivência fraterna com menos possibilidades de conflitos e disputas e que demandem da autoridade o exercício de sua real função: o serviço.
3 O
cerne da missão eclesiástica urbana
De
certa forma, a missão da igreja na cidade focaliza o cidadão em todas as suas
relações sociais e com os poderes constituídos pela lei do Estado. A igreja é
constituída de homens e mulheres de dupla cidadania: uma celeste e outra
terrestre. A primeira nomeia cada cristão como embaixador de Cristo no reino
dos homens. Assim sendo, a missão eclesiástica assume, de certa forma, uma
conotação política. A grande questão a ser discutida agora diz respeito ao
elemento central que caracteriza a igreja como uma agência política de promoção do reino divino, agindo como embaixada
do reino dos céus no mundo dos homens.
Uma vez que planos políticos não são de competência da
igreja, então, como a igreja, no exercício de sua missão no mundo, pode
implantar em seu contexto os valores da cidadania do reino de Deus? Uma vez que
a missão eclesiástica é modelada pela missão de Jesus, a igreja age politicamente como Jesus agiu em relação
às autoridades constituídas em seu país subjugado pelo Estado Romano.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que a igreja
não cria os homens certos para as ocasiões certas. Os fatos são imprevisíveis;
mas, uma vez ocorridos, a igreja pode valer-se dos homens que a própria
sociedade dispõe. Tudo dependerá do poder de influência que a comunidade cristã
tiver exercido sobre a comunidade civil.
A influência da igreja pode e deve ser resultado do
exercício de sua atividade profética no seio das organizações e instituições
sociais que demandam pela justiça e o direito. Ela pode potencializar a
comunidade civil através de sua voz, desvelando a consciência popular dos
ignorantes, dos fracos e dos pobres. Como Jonas profetizando em Nínive, como
Daniel na corte de Nabucodonosor, ou Natã profetizando a Davi, a voz de Deus
pode se fazer ouvir hoje por meio da igreja, valendo-se de assembléias
comunitárias, das solenidades cívicas e dos meios de comunicação para proclamar
a verdade, a justiça e o direito. Como disse Linthicum, “A igreja é chamada
para ser uma voz possante em favor daqueles na cidade que são afligidos e uma
defensora de suas causas. A igreja também é chamada a colocar o seu corpo no
lugar onde sua boca está”. [37]
A proclamação profética constitui-se no
discurso político de Deus através da igreja. Mas discurso sem ação não passa de
demagogia. Por isso, é prudente que se considere que, além do testemunho
profético, a igreja deva não somente fazer-se representar nas manifestações
populares em prol da justiça e do direito, mas também tornar-se um instrumento
de mobilização popular.
Agindo desta forma, a igreja se constitui também em
recurso pedagógico divino. Assim, podemos afirmar que a experiência de
comunidade entre os homens da cidade (isto diz respeito tanto ao modus vivendi da comunidade cristã como
também à sua inserção na sociedade civil) viabiliza o exercício da autoridade.
Como consequência disso, presume-se, a autoridade não terá mais que lutar
contra a anarquia e o caos, mas limitar-se à sua função de serviço.
A luta efetiva, contínua e incansável, pela transformação da cidade situa-se no âmbito dos interesses divinos. Na concretização do desígnio de Deus, o homem não passa de uma só vez da Igreja à nova Jerusalém. A cidade terrena constitui-se na instância de transição entre o que a sociedade é o que haverá de ser. O homem, principalmente o cidadão do reino, não poderia saber o que é a nova Jerusalém sem passar pela cidade material e sem assumir a responsabilidade de mudá-la.
A responsabilidade de mudança da cidade requer a consciência e o discernimento de prioridades. Tratar das prioridades significa demandar com urgência ações que, em circunstâncias e condições concretas, podem contribuir para o avanço em direção aos objetivos pretendidos. O ponto de partida seria um plano global de evangelização que contemple a ação social cristã e que deva estar alicerçado no consenso de que a cidade, marcada por diversidades e conflitos, deve ser encarada em toda a sua conjuntura.
O cidadão atual não pertence a uma única comunidade. Os civilizados [38] não vivem em regime tribal. O homem urbano está vinculado e comprometido com diversas estruturas sociais. Não só seu bairro residencial, mas também a empresa onde trabalha, a escola onde estuda, os ambientes de lazer que freqüenta, a comunidade religiosa onde adora e serve a Deus, etc., são simultaneamente seus vínculos diretos. Por conseguinte, no ambiente urbano, a missão eclesiástica não pode ser exercida de forma individual e independente pelas comunidades cristãs locais isoladas. Tal procedimento não só cultiva o espírito de individualismo da liderança eclesiástica, mas também gera a fragmentação dos esforços empregados em ações similares e a competição entre as congregações cristãs locais. As consequências serão fatais para a igreja que se dividirá para multiplicar o número de congregações isoladas e insignificantes, omissas e propagadoras de uma fé alienante que resulta na geração de alienígenas sociais. Em vez de uma febre pelo crescimento estatístico que promove os interesses denominacionais, a igreja deveria crescer e se expandir preservando a unidade que marca o caráter dos verdadeiros cristãos e fomenta a credibilidade no evangelho. [39]
Um plano global unificará os esforços e empregará maior volume de recursos em ações mais eficazes e de maior impacto social. Desta forma, a igreja poderá galgar ao padrão desejado por Cristo de vê-la brilhar no seio da sociedade humana como “luz do mundo”, cujas obras haverão de inspirar a glorificação de Deus por parte do mundo. [40]
A luta efetiva, contínua e incansável, pela transformação da cidade situa-se no âmbito dos interesses divinos. Na concretização do desígnio de Deus, o homem não passa de uma só vez da Igreja à nova Jerusalém. A cidade terrena constitui-se na instância de transição entre o que a sociedade é o que haverá de ser. O homem, principalmente o cidadão do reino, não poderia saber o que é a nova Jerusalém sem passar pela cidade material e sem assumir a responsabilidade de mudá-la.
A responsabilidade de mudança da cidade requer a consciência e o discernimento de prioridades. Tratar das prioridades significa demandar com urgência ações que, em circunstâncias e condições concretas, podem contribuir para o avanço em direção aos objetivos pretendidos. O ponto de partida seria um plano global de evangelização que contemple a ação social cristã e que deva estar alicerçado no consenso de que a cidade, marcada por diversidades e conflitos, deve ser encarada em toda a sua conjuntura.
O cidadão atual não pertence a uma única comunidade. Os civilizados [38] não vivem em regime tribal. O homem urbano está vinculado e comprometido com diversas estruturas sociais. Não só seu bairro residencial, mas também a empresa onde trabalha, a escola onde estuda, os ambientes de lazer que freqüenta, a comunidade religiosa onde adora e serve a Deus, etc., são simultaneamente seus vínculos diretos. Por conseguinte, no ambiente urbano, a missão eclesiástica não pode ser exercida de forma individual e independente pelas comunidades cristãs locais isoladas. Tal procedimento não só cultiva o espírito de individualismo da liderança eclesiástica, mas também gera a fragmentação dos esforços empregados em ações similares e a competição entre as congregações cristãs locais. As consequências serão fatais para a igreja que se dividirá para multiplicar o número de congregações isoladas e insignificantes, omissas e propagadoras de uma fé alienante que resulta na geração de alienígenas sociais. Em vez de uma febre pelo crescimento estatístico que promove os interesses denominacionais, a igreja deveria crescer e se expandir preservando a unidade que marca o caráter dos verdadeiros cristãos e fomenta a credibilidade no evangelho. [39]
Um plano global unificará os esforços e empregará maior volume de recursos em ações mais eficazes e de maior impacto social. Desta forma, a igreja poderá galgar ao padrão desejado por Cristo de vê-la brilhar no seio da sociedade humana como “luz do mundo”, cujas obras haverão de inspirar a glorificação de Deus por parte do mundo. [40]
Conclusão
A
cidade é o lugar onde estão presentes os regenerados e os não regenerados. Nela
o pecado está radicado e institucionalizado.
O mal no mundo é espiritual e, de forma organizada, hostiliza Deus e a igreja.
Esta hostilidade à igreja não pode ser vencida com discurso. O evangelho exige
ação por parte de quem o proclama, por isso, a igreja deve adotar o ministério
urbano de Jesus como paradigma de sua missão.
A
ação social cristã é a chave que abre a porta das oportunidades para a uma
evangelização eficaz. O caminho mais viável para o desempenho de sua missão
urbana é a inserção da igreja em todos os setores e segmentos organizados da
sociedade civil. Tal inserção viabiliza a inculturação do evangelho pela qual
os valores do reino são impregnados na sociedade civil. Para tanto, o planejamento
estratégico e reforma estrutural são imprescindíveis ao exercício do ministério
urbano para o qual a igreja poderá adotar a seguinte premissa: cidadãos se
tornarão verdadeiros cristãos através do ministério de cristãos que se tornam
verdadeiros cidadãos.
A
atividade cívica da igreja deve estar a cargo de grupos organizados e treinados
pela liderança eclesiástica. As associações, uniões de moradores, os conselhos
municipais, os sindicatos, os movimentos populares, as agremiações esportivas e
estudantis, as organizações não governamentais, etc. são as instituições
legitimadas pela sociedade com as quais estas equipes de ministério estarão
articuladas e nelas inseridas a fim de terem participação ativa nas ações
populares de civismo.
O serviço que a igreja presta à sua comunidade e à
sociedade civil em geral deve tornar relevante o aspecto político de sua missão
no mundo, mas isto não subentende o vínculo direto de pastores com a comunidade
política através de cargos e favores. A vocação pastoral estabelece que o único
vínculo formal que os ministros eclesiásticos têm de fato é com o rebanho de
Cristo. Nenhum cargo ou função política deve ser exercido por quem ocupa a
cátedra do episcopado. Nenhum projeto político ou
envolvimento com a política partidária é de competência da igreja nem dos
pastores. A eles compete o exercício de sua atividade profética na igreja, na
sociedade civil e perante o Estado. Agindo assim, o povo de Deus exercerá sua
cidadania terrena, segundo os valores de sua cidadania celeste.
[1] Cf. At 26.18.
[2] ROBERT C.
LINTHICUM. Cidade de Deus cidade de Satanás. Belo Horizonte: Missão Editora, 1993, p. 80.
[3] Cf. Ef 2.1-3.
[4] Cf. Ef 3.8-11.
[5] ROBERT C.
LINTHICUM. Ibidem, p. 84.
[6] Cf. At 1.8.
[7] JOSÉ COMBLIN. Teologia
da cidade, p. 234.
[8] ROBERT C. LITHICUM.
Op. Cit., p. 167.
[9] Cf. Ex 2.23.
[10] ROBERT C.
LINTHICUM. Op. Cit., p. 102.
[11] Cf. Jr 29.7.
[12] Cf. 1Tm 2.2.
[13] Cf. Lc 13.33.
[14] Cf. Lc 13.34-35.
[15] R. LINTHICUM. Op.
Cit. p. 137.
[16] R. LINTHICUM. Ibidem, p. 137.
[17] Cf. Lc 13.34.
[18] R. LINTHICUM. Ibidem, p. 137.
[19] R. LINTHICUM. Ibidem, p. 138.
[20] Cf. Lc 13.35.
[21] Cf. Mt 11.21-24.
[22] R. LINTHICUM. Ibidem, p. 140
[23] Cf. Ap 21.1.
[24] Cf. Ap 21.1-3.
[25] LINTHICUM. Op.
Cit., p. 149.
[26] TITO PAREDES apud. VALDIR STEUERNAGEL. A serviço do reino: um compêndio sobre a
missão integral da igreja. Belo Horizonte: Missão Editora, 1992, p. 230.
[27] Cf. Mt 10.23.
[28] Cf. Lc 10.10-16.
[29] SAMUEL ESCOBAR, apud, VALDIR STEUERNAGEL. A serviço
do reino: um compêndio sobre missão integral da igreja. Belo Horizonte:
Missão Editora, 1992, p. 43.
[30] Cf. Cl 3.2.
[31] Cf. Mt 16.23.
[32] JOSÉ COMBLIN. Op. Cit., p. 235.
[33] JOSÉ COMBLIN. Op.
Cit. p. 82.
[34] JOSÉ COMBLIN. Ibidem, p. 83.
[35] JOSÉ COMBLIN. Ibidem, p. 82.
[36] JOSÉ COMBLIN. Ibidem, p. 82.
[37] ROBERT C. LITHICUM.
Op. Cit., p. 206.
[38] Civilizado,
neste contexto, é termo que está sendo utilizado para designar a pessoa que foi
tirada do seu estado natural e adaptada à vida humana em sociedade para assumir
responsabilidades e direitos civis.
[39] Cf. Jo 17.21.
Nenhum comentário:
Postar um comentário