ADMINISTRAÇÃO ECLESIÁSTICA
Pr. José Vidigal Queirós
CAPÍTULO I
A FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DA ADMINISTRAÇÃO
(Myron Rush, Administração: uma abordagem bíblica. Editora Betânia, 2005)
Introdução
A necessidade
de organizar e tornar eficaz o funcionamento de uma igreja exige a capacitação
de pastores na área de gestão eclesiástica. Uma vez que os pastores e líderes
eclesiásticos são formados em instituições evangélicas designadas para a
educação teológica, estes carecem de preparo para administrar ou liderar a
igreja com todos os seus departamentos, organizações missionárias e grupos
específicos de ministérios especiais. O preparo de gestores de igrejas exige,
portanto, a construção de uma visão bíblico-teológica da administração que
norteie o processo de formação de gestores eclesiásticos.
1. O modelo de Jesus
Administrar,
segundo a concepção da maioria dos professores universitários e consultores
administrativos, consiste na tarefa de “realizar o trabalho por meio de
outros”. [1]
Tal conceito é essencialmente empresarial e deriva do capitalismo, onde pessoas
são vistas como instrumentos de produção de riquezas. Esta concepção produz uma
relação de dominação que fere e viola os valores cristãos, conforme o exemplo
abaixo.
“Aproximou-se dele, então, a mãe dos filhos de Zebedeu, com seus
filhos, ajoelhando-se e fazendo-lhe um pedido. Perguntou-lhe Jesus: Que queres?
Ela lhe respondeu: Concede que estes meus dois filhos se sentem, um à tua
direita e outro à tua esquerda, no teu reino. Jesus, porém, replicou: Não
sabeis o que pedis; podeis beber o cálice que eu estou para beber?
Responderam-lhe: Podemos. Então lhes disse: O meu cálice certamente haveis de
beber; mas o sentar-se à minha direita e à minha esquerda, não me pertence
concedê-lo; mas isso é para aqueles para quem está preparado por meu Pai. E
ouvindo isso os dez, indignaram-se contra os dois irmãos. Jesus, pois,
chamou-os para junto de si e lhes disse: Sabeis que os governadores dos gentios
os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles. Não será assim
entre vós; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o
que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso
servo; assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir,
e para dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20.20-28).
O modelo de Jesus contradiz o
padrão de administração mundana. Ao contrário do sistema secular que estabelece
uma relação de domínio e subordinação entre chefes e subalternos, Jesus propõe
um modelo no qual o administrador é um líder que encarna o perfil de servo
daqueles que lhe estão submissos. Ele não anulou o princípio da hierarquia e da
autoridade, mas estabeleceu uma relação na qual os liderados são tratados com
dignidade e considerados em elevada estima por parte de quem os administra. O
modelo mundano é opressivo, destituído de cordialidade, gera insatisfação e
reduz a produtividade. Como, então, poderíamos conceituar administração,
segundo o padrão bíblico? “Administrar
significa suprir as necessidades dos subordinados, enquanto eles trabalham no
cumprimento de suas tarefas”, opina Rush.[2]
Ninguém contesta que Jesus foi o líder por
excelência. O apóstolo Paulo, em Fp 2.5-7, descreve clara e enfaticamente a
pessoa de Jesus como modelo a ser seguido por todos os cristãos e isto inclui
os pastores e líderes: “Tende em vós o
mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em
forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo
se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e,
reconhecido em figura humana...”.
Por ser uma instituição que busca cumprir os
propósitos estabelecidos por Deus, a igreja precisa imprescindivelmente adotar
os princípios da administração propostos nas Sagradas Escrituras, para que
possa compatibilizar suas ações à natureza e desígnios para os quais ela foi instituída.
2.
Elementos fundamentais que garantem o sucesso
na administração
A identificação dos elementos-chave que
garantem o sucesso de uma instituição pode ser encontrada nas Sagradas
Escrituras. Partindo do estudo de um caso registrado na Bíblia, a construção da
Torre de Babel, pode-se encontrar quatro elementos necessários ao progresso de
uma instituição bem sucedida. A passagem bíblica que narra este fato
encontra-se em Gn 11.1-9. Examinando tal passagem, Rush[3]
alistou estes quatro elementos:
a)
O
compromisso de trabalhar em torno de um mesmo objetivo (v. 3, 4);
b)
Unidade
entre as pessoas envolvidas (v. 6);
c)
Um
sistema eficaz de comunicação (vv. 1, 6);
d)
Agir
conforme a vontade de Deus (os versículos 7 a 9 mostram que eles não o estavam
fazendo).
O compromisso assumido por parte de um grupo
de pessoas envolvidas com um empreendimento, para trabalharem focados num mesmo
objetivo, estando elas unidas por esse compromisso e mantendo um sistema de
comunicação eficaz entre si, suscitará um potencial ilimitado: “Eis que o povo é um, e todos têm a mesma
linguagem. Isto é apenas o começo; agora
não haverá restrição para tudo que intentam fazer” (v. 6).
Na visão divina, pessoas podem realizar
qualquer coisa, e nada as impedirá de realiza-la, quando trabalham unidas em
torno de um objetivo comum e dispõem de um sistema de comunicação eficaz.
Somente Deus pôde barrar a construção da Torre de Babel; e, se ele não o
fizesse, nada os impediria de obter sucesso na realização do projeto que
decidiram executar. Ao desarticular o sistema de comunicação através da
confusão das línguas, Deus obteve, em consequência disso, a quebra da unidade
do grupo e do comprometimento individual com o projeto; o resultado final foi o
fracasso total.
2.1.
A atividade administrativa
Myron Rush resume a atividade administrativa
em duas categorias básicas: a administração de “coisas” e a administração de “ideias”.[4]
Coisas são concretas, visíveis e palpáveis (prédios, as instalações, os
equipamentos e os suprimentos), portanto, são mais fáceis de serem
administradas; enquanto que as ideias são abstratas, intangíveis. Coisas podem
ser controladas e organizadas num inventário e entrega-las sob a
responsabilidade de uma pessoa.
Quando se trata de ideias, tudo é diferente.
Elas são difíceis de serem avaliadas, até mesmo de serem explicitadas. Podem
até existir sem o conhecimento de quem administra. A maioria das pessoas
incumbidas da administração dispende quase todo o seu tempo gerindo coisas o
que as levam ignorar as ideias. Mas deve-se levar em conta que são as ideias
que dão origem às coisas. Nesta linha de raciocínio, Rush comenta:
Tudo que o ser humano
constrói – e construiu – surgiu primeiramente na forma de uma ideia que alguém
teve. E as coisas que existirão amanhã serão o resultado das ideias de hoje.
Portanto o líder ou administrador que deseje progredir, ou que queira que sua
instituição continue ativa no futuro, tem de dar prioridade máxima à
administração das ideais. Afinal o futuro da instituição depende de como ela
irá administrar as ideias que as pessoas estão tendo no presente. [5]
O erro cometido por grande parte dos
administradores consiste no fato de que eles consideram seus funcionários como
meros objetos usados para o trabalho e não como pessoas. Administradores que
assim procedem acreditam que somente eles são capazes de ter ideias, ignorando
o fato de que o patrimônio mais valioso de uma instituição é constituído das
pessoas que a compõem. Tais administradores concentram sua atenção em
orçamentos, prédios e equipamentos em detrimento das pessoas que cuidam de tudo
isso. Ignoram o fato de que elas também são dotadas de inteligência e são
criativas.
Uma vez que “administração consiste em
gerenciar, controlar e dirigir”, diz Eliel Gaby, “a responsabilidade do
administrador resume-se na tarefa de estabelecer objetivos organizacionais e
desenvolver estratégias necessárias para alcança-las”.[6]Isto requer do
administrador o desempenho de algumas funções primordiais:[7]
a) Prevenção – diz respeito à capacidade de visualizar os acontecimentos futuros e
traçar programas de ação (planejamento).
b) Organização – consiste na composição da estrutura funcional
da organização responsável pela viabilização das atividades planejadas.
c) Comando – ato de dirigir e orientar. Na igreja, o comando está com o pastor.
Sendo uma organização espiritual, a igreja reconhece e se submete à autoridade
do pastor, em virtude de sua vocação divina.
d) Coordenação –consiste no ato de promover harmonia entre
todos os esforços. Embora o pastor esteja no comando geral da igreja, esta é
uma tarefa que exige profissionalismo
e somente um gestor habilitado deve exercer.
e) Controle – diz respeito ao uso de mecanismos eficientes para monitoramento das
ações, durante a execução do plano.
2.2.
A criatividade humana
Conceituando criatividade, Rush opina que ela
consiste na “capacidade de fazer algo novo ou dar uma nova forma àquilo que já
existe”. [8]
Deus, por ser o Criador de todas as coisas, criou o homem à sua imagem e
semelhança e, consequentemente, ele se tornou um ser criativo. O ser humano é
racional e, portanto, dotado da capacidade inventiva. Por esta razão, “a mente
humana é o patrimônio mais valioso de uma instituição”. [9]
Com base nisto, pode-se afirmar que criatividade não é um talento ou atributo
que somente alguns privilegiados possuem.
Rush opina que “ninguém precisa fazer um
curso de capacitação para se tornar criativo” e acrescenta: “a criatividade é o
resultado natural do processo do pensamento humano. Seu desenvolvimento dentro
de uma instituição se restringe ao nível de liberdade que os patrões e
administradores conferem aos funcionários”. [10]
Uma boa aplicação deste conceito foi feita por Jesus na parábola dos talentos,
onde ele destaca a importância da produtividade. Os produtivos foram
recompensados, enquanto o improdutivo foi punido.
Nesta parábola são destacados dois princípios
bíblicos de administração e liderança. O primeiro diz respeito ao uso
individual dos talentos e da criatividade que Deus conferiu a cada ser humano.
O segundo é o princípio do reconhecimento e retribuição pelo desempenho
individual de sua criatividade. Significa dizer que o administrador cristão
deve incentivar as pessoas com quem trabalha a fazer uso de sua criatividade
para melhorar a produtividade tanto individual quanto o da instituição a que
serve. A tais pessoas o líder deve dar o devido crédito e reconhecimento. Isso
as leva sentir-se não somente valorizadas, mas principalmente necessárias.
3.
O ambiente de trabalho produtivo
Considerando que o ambiente de trabalho
exerce influência direta na produtividade, a criação de tal ambiente é tarefa
do líder ou administrador. Segundo Rush, as condições desse ambiente que o
administrador haverá de criar dependem:
a)
Da forma
como ele reage diante das necessidades da equipe;
b)
Da sua
atitude com relação ao pessoal e ao trabalho;
c)
Da
maneira como usa a autoridade;
d)
Do modo
como reage em face dos erros e fracassos da equipe;
e)
Da sua
disposição de reconhecer o mérito da equipe.
Para que o líder aproveite o potencial
criativo do pessoal sob seu comando, ele precisa aplicar a filosofia bíblica de
administração. Portanto, ele precisa “estabelecer um relacionamento de
confiança com a equipe, delegar poderes de decisão a cada membro do grupo,
transformar os fracassos e erros em experiências positivas que gerem
aprendizado, demonstrar sempre, tanto à equipe como um todo quanto aos membros,
individualmente, o devido reconhecimento pelas suas realizações”. [11]
4.
O espírito de equipe
Em palestra proferida aos pastores da
Convenção Batista Maranhense, James Paul Thorp propôs que a importância do trabalho
em equipe reside no fato de que, em um grupo organizado e coeso, as ideias
individuais se completam, há crescimento nos resultados, a equipe supera as
deficiências individuais e possibilita o sucesso. Neste sentido, o trabalho em
equipe deve estar focalizado no grupo e não em seu líder ou componentes,
individualmente.
Equipes funcionam no princípio de sinergia
(sinergia = o todo é maior do que a soma das partes individuais).A equipe
aproveita as diferenças individuais de tal forma que as limitações de uns são
superadas pelas habilidades de outros. Os resultados sempre serão melhores e
maiores que os resultados do trabalho individual. Para que o trabalho em equipe
seja eficaz, James declarou que são necessários os seguintes elementos:
a)
Aptidão
e competência funcional por parte do líder.
b)
Definição
prévia dos alvos da equipe.
c)
Definição
do papel individual dos membros da equipe.
d)
Um
processo de avaliação da conduta dos que formam a equipe.
e)
Os
níveis de relacionamento entre os componentes da equipe.
f)
Os
valores que a equipe deve adotar.
g)
Disciplina
para que haja preservação da ordem.
4.1.
Necessidades pessoais trazidas para a equipe
Segundo Rush, “cada membro da equipe chega a
ela trazendo uma série de necessidades pessoais exclusivas”.[12]
O progresso tecnológico acelerado gerou uma
crise de identidade. Os computadores e outros equipamentos eletrônicos são
capazes de realizar com mais rapidez o trabalho que muitas pessoas executavam
no passado e, desta forma, tornaram-se mais valorizados que as pessoas. O
trabalho em equipe gera interação e os componentes se sentem úteis, mas suas
necessidades pessoais precisam ser supridas pelo administradorcomo meio de
motiva-las a uma melhor produtividade.
4.2.
O fator mais importante para a formação de
equipes produtivas
A razão de pessoas formarem organizações
reside no fato de que este é o meio que lhes garante a realização de projetos e
o alcance de alvos que, individualmente, não conseguem.Portanto, a formação e
manutenção de equipes melhora a produtividade sem a necessidade de aumentar o
orçamento.
“O objetivo ou a missão do grupo é o fator
mais importante na criação e manutenção de uma equipe produtiva”. [13]
A probabilidade do risco de surgirem fatores que geram conflitos e necessidades
não supridas é bem menor quando os membros de uma equipe têm participação
direta no estabelecimento ou aperfeiçoamento do objetivo geral. O administrador
inteligente haverá de fazer todo o possível para que os componentes de sua
equipe de trabalho tenha participação direta na elaboração do objetivo.
5.
As relações de trabalho
As Escrituras nos apontam dois níveis de
relações que todo indivíduo deve ter: a relação com Deus e a relação com o
próximo. No que diz respeito ao relacionamento interpessoal, em Sl 133.1,
lemos: “Oh! Como é bom e agradável
viverem unidos os irmãos!” Corroborando com o salmista, Paulo disse: “Irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus
Cristo suplico a todos vocês que concordem uns com os outros no que falam, para
que não haja divisões entre vocês, e, sim, que todos estejam unidos num só
pensamento e num só parecer” (1Co 1.10).
O relacionamento humano, segundo as
Escrituras, é regido pelos seguintes princípios:
a)
Todo
relacionamento gira em torno de necessidades pessoais que só podem ser supridas
por outras pessoas.
b)
As
necessidades supridas solidificam as relações.
c)
Necessidades
não supridas desgastam as relações.
A preservação do espírito de cooperação
(operar com) depende da aplicação das seguintes regras:
a)
Atacar o problema, não as pessoas. Quando as pessoas deixam de atender as
nossas necessidades, nossa tendência é ataca-las em vez de tratarmos o
problema.
b)
Falar abertamente o que sentimos em vez de
tentar demonstrá-lo pelo comportamento. A tentativa de expressar com atitudes o que sentimos pode gerar
mal-entendidos, causar rancor e mágoas.
c)
Perdoar em vez de julgar.
d)
Comprometer-se a dar mais do que receber.
[1] Myron Rush. Administração:
uma abordagem bíblica. Belo Horizonte: Editora Betânia, 2005.
[3] Myron Rush. Ibidem,
p. 15.
[4] Myron Rush. Op.
Cit. p. 20.
[5] Myron Rush. Ibidem,
p. 20, 21.
[6] GABY, Eliel; GABY,
Wagner. Planejamento e gestão eclesiástica. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 25.
[7] GABY, Eliel; GABY,
Wagner. Op. Cit., p. 26.
[8] Myron Rush. Ibidem,
p. 21.
[9] Myron Rush. Ibidem,
p. 21.
[10] MYRON RUSH, Op.
Cit. p. 22.
[11] MYRON RUSH, Op.
Cit. p. 35.
[12] MYRON RUSH, op.
Cit. p. 65.
[13] MYRON RUSH, Ibidem, p. 60.
Nenhum comentário:
Postar um comentário