23 de maio de 2014

ADMINISTRAÇÃO ECLESIÁSTICA - CAPÍTULO II



 
Pr. José Vidigal Queirós
 
 
 
 
 
 



 

Introdução
A administração de uma comunidade cristã local requer uma compreensão do significado de administrar. Em consenso geral, admite-se que administração é o processo de planejar, organizar, liderar e controlar o trabalho dos membros de uma organização, e de usar todos os recursos disponíveis desta organização para alcançar os objetivos definidos.
Administração envolve planejamento, organização, direção e controle, sendo na igreja para a ação de dirigir o bom andamento dos propósitos estabelecidos. O pastor, como gestor eclesiástico, tem que acompanhar os objetivos propostos pela igreja etransformá-los em ação através de planejamento, organização, direção e controle detodos os esforços realizados em todas as áreas e em todos os níveis, a fim de garantir o alcance dos objetivos da missão para a qual a igreja foi designada por Deus.

1.       Compreendendo o significado de organização eclesiástica
Organizar é a forma de coordenar todos os recursos da igreja, quer sejam humanos, financeiros ou materiais, alocando-os da melhor forma segundo o planejamento estabelecido. Organizar, literalmente, significa dispor de forma ordenada. Portanto, podemos dizer que uma igreja é/está devidamente organizada quando há uma estrutura que estabeleça ordem, níveis de autoridade e uma coordenação metódica das atividades planejadas.
A igreja, no seu aspecto formal, constitui-se tanto num organismo (concepção teológica) como também numa organização(concepção técnico-administrativa). Como organização, tem uma finalidade e precisa de uma estrutura que viabilize o exercício de sua missão. Organização eclesiástica tem sua fundamentação bíblica na concepção metafórica de “Corpo de Cristo” (1Co 12.28).Ela tem como finalidade sugerir o estabelecimento de uma estrutura que torne possível a execução de um determinado plano estratégico de trabalho.
ORGANIZAÇÃO, diz Carvalho, “é a atividade por excelência do processo administrativo de qualquer empreendimento, inclusive da igreja. Podemos, então, caracterizar a organização eclesiástica como sendo um conjunto de relações na comunidade, relações essas baseadas, primeiramente, no vínculo de ordem espiritual, moral e ético” (1Co 12.12-31).[1]

1.1.    A organização da igreja face ao conceito de trabalho
Conforme o Dicionário Aurélio, etimologicamente, TRABALHO deriva do latim vulgar tripaliare (derivado de tripalium = instrumento de tortura). O Dicionário Houaiss acrescenta o termo tripális que significa “sustentado por três estacas ou mourões”.
Para os gregos antigos, “o trabalho era uma atividade produtiva material, indigna da condição humana”.Platão (428-347 a.C.), filósofo grego, ensinava que “os escravos não possuíam alma – nem essência humana – razão porque pertenciam a uma categoria fronteiriça entre os animais e os cidadãos livres”.O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), ensinava que “o ócio é a condição fundamental da filosofia”.[2]
As Escrituras, em Gênesis 2.15, registram que as duas primeiras profissões designadas por Deus ao homem foram a de “agricultor” e a de “mordomo”.  A Bíblia depõe que o trabalho dignifica o homem – “Ora, uma só coisa é o que planta e o que rega; e cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho. Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus” (1Co 3.8-9).Jesus disse: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”(Jo 5.17). Corroborando com Jesus, o apóstolo Paulo advertiu:“... se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10).

1.2.    A distribuição do trabalho na igreja
A organização eclesiástica é necessária porque o trabalho numa igreja é demasiado para o dirigente controlar sozinho. Antes de tudo, o líder precisa levantar questões que lhe tragam respostas a respeito de suas atividades básicas e complementares, com quem vai colaborar, quais são os canais de distribuição de tarefas disponíveis, quais os relacionamentos entre os membros da comunidade e entre os vários grupos de trabalho.
“A organização eclesiástica”, declara Carvalho,“pode ser encarada como uma distribuição racional de tarefas, relacionadas entre si, e que tem por pressuposto a constituição de equipes de trabalho harmônicas e fundamentadas no espírito de servir com amor...”. [3] A igreja é um “corpo” e todos são participantes de uma unidade íntima que os compromete no trabalho de Deus. Por essa razão, a igreja diferencia-se das demais sociedades jurídicas, políticas, econômicas e sociais.

1.3.    Regras de funcionamento da organização eclesiástica
As seguintes normas regem a organização eclesiástica:
a)       A organização eclesiástica deve adaptar-se aos objetivos centrais da igreja.
b)       A organização da comunidade cristã não pode ser encarada como uma regra definitiva. Importa que seja revista e adaptada periodicamente às novas condições da vida eclesial.
c)       A organização deve existir em cada igreja numa escala equilibrada. Deve-se evitar tanto o excesso de organização como sua falta traduzida em desordem administrativa e isolamento.
d)       A organização eclesiástica deve conter uma certa dose de improvisação e de imaginação, de liberdade e de iniciativa.
e)       A organização da comunidade não substitui o cérebro da liderança na igreja, mas deve facilitar suas intervenções.
f)        A organização eclesiástica não deve ser um fim em si mesma; ela foi ordenada por Deus para colaborar com os homens, não para fazer-lhes concorrência.

2.       Princípios que regem a administração eclesiástica
2.1.    O princípio da descentralização administrativa
A gestão compartilhada da comunidade cristã necessita evitar o acúmulo de tarefas que a impeçam de agir com dinamismo e versatilidade. Como um sistema vivo e em constante evolução, a igreja precisa estar capacitada para responder aos desafios do ambiente para o qual deve estar voltada.
A descentralização ocorre por meio de um eficiente sistema de delegação. O enfoque descentralizador, segundo Carvalho, “se resume, essencialmente, na divisão de grandes unidades de trabalho em unidades menores, administráveis, de modo que seja possível atribuir a cada um a tarefa adequada”.[4]
A constituição de unidades autossuficientes, administradas de forma mais racional, respondendo de imediato às reações do ambiente, transforma o dirigente cristão participativo em verdadeiro “presidente” de uma pequena unidade eclesiástica.A descentralização administrativa deve ocorrer em comunidades maiores, onde há múltiplas tarefas e compromissos interna e externamente.A descentralização administrativa numa igreja de porte grande (por exemplo, acima de mil membros, para os padrões de igrejas evangélicas brasileiras) pode ser assim representada:Unidades Menores + Estrutura Ágil + Respostas aos Desafios = METAS ATINGIDAS.

2.2.    Princípio da mudança organizacional
Por ser tanto um organismo como também uma organização, a igreja passa por mudanças, uma vez que o seu contexto histórico e cultural evolui e sofre mutações, em virtude das rápidas transformações que ocorrem em todas áreas do conhecimento e das relações humanas. Diante disso, uma questão é suscitada: Por que é difícil mudar?
Respondendo a esta questão, Carvalho declara:“Via de regra, a organização resiste às mudanças estruturais que possam mexer com o seu status quo, modificando posições, acabando com privilégios e eliminando tradições ultrapassadas [...]. O passado de uma organização pode ser um entrave para a sua agilização, hoje”. [5]
As razões pelas quais as organizações resistem a mudanças são várias:
a)       As organizações são “sobredeterminadas”. Isso significa que há múltiplos mecanismos para assegurar a estabilidade. A seleção de pessoal, o treinamento e o sistema de recompensas destinam-se a conduzir à estabilidade.
b)       As organizações cometem o erro de presumir um determinismo local, ou de acreditar que a mudança em um único ponto não causará impactos na amplitude da organização.
c)       Existe inércia individual e grupal. A força do hábito é muito difícil de superar.
d)       A mudança organizacional pode ameaçar mudar grupos ocupacionais dentro das organizações. Algumas especialidades podem prever que não mais serão necessárias quando certas mudanças forem implantadas.
e)       A mudança organizacional pode ameaçar o sistema de poder estabelecido.
f)        A mudança organizacional pode ameaçar aqueles que se beneficiaram da alocação anual de recompensas e recursos.

A mudança organizacional só começa “quando os funcionários da organização [...] sentem a necessidade de mudar. De pouco adianta um programa de aprendizagem organizacional bem estruturado e melhor apresentado se, ao mesmo tempo, não existir uma consciência de liderança individual voltada para aceitar as alterações substanciais necessárias para uma nova mentalidade de pensar e de agir”. [6]
Mudanças estruturais na organização eclesiástica devem incorporar os seguintes procedimentos:
a)    Elevada complexidade nos processos de treinamento e atualização dos membros da igreja.
b) Elevada descentralização administrativa em matéria de tomada de decisões, principalmente em comunidades de grande porte.
c)   Pouca formalização nos procedimentos administrativos eclesiásticos.
d)  Diminuição das diferenças salariais e recompensas.
e)   Alta ênfasena qualidade de serviços prestados.
f)    Alto índice de motivação para o trabalho na igreja.
g)  Elevado nível de interação entre a organização eclesiástica e o ambiente.
h)   Elevado nível para aprendizado contínuo.

2.3.    Princípio da coordenação
“O objetivo central da coordenação consiste em harmonizar as atividades de todas as unidades da igreja, tendo em vista a obtenção de resultados na consecução dos objetivos da comunidade cristã...” (CARVALHO, 2004, p. 46.). Assim sendo, a coordenação constitui-se na disposição de esforços de forma contínua e ordenada, de modo que seja obtida a unificação da ação gerencial na comunidade. Ela está alicerçada em dois princípios fundamentais da atividade gerencial moderna:
a)       Especialização intensiva e multiforme das atividades eclesiásticas;
b)       Necessidade de aglutinação de esforços dessas mesmas atividades.

2.4.    Princípio da direção participativa
Direção participativa é direção compartilhada; constitui-se num processo exercido sobre determinada área de trabalho eclesiástico, com o objetivo de obter de seus membros a cooperação espontânea necessária para atingir as metas propostas pelo plano. Neste modelo, o dirigente atua como um orientador (educador) e controlador das atividades de seus colaboradores. Ele é mais um instrutor do que realizador de tarefas. Suas principais atribuições, neste caso, serão:
a)       Correta e inteligente utilização de recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;
b)       Direção efetiva de equipes de trabalho na igreja – integradas e motivadas;
c)       Consecução dos objetivos da unidade previamente determinados.

3.       Autoridade e responsabilidade na igreja
Em Mt 8.9, encontramos uma declaração de um centurião romano à pessoa de Jesus que pode ser usada como base para o conceito de autoridade:“Pois também eu sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens e digo a este: vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem; e ao meu servo: faze isto, e ele o faz”.[7]O centurião era comandante de uma centúria (cem soldados). Ele era dotado de autoridade hierárquica, sendo obedecido formalmente por seus soldados. Era o responsável pela disciplina da centúria perante o general comandante da legião (6.000 soldados) à qual estava lotado. Ele possuia o poder de comandar e sua responsabilidade constituia-se no dever de fazer uso da autoridade que lhe fora outorgada para garantir a obediência dos seus soldados.
O conceito de autoridade origina-se na instituição hierárquica do exército romano. Isto é o que se chama de princípio da autoridade formal. Desta forma, autoridade é definida como o poder legal ou legítimo, ou o direito de comandar.A ausência da autoridade formal pode gerar nas instituições a indisciplina e o caos.

3.1.    Autoridade e Responsabilidade: Qual a diferença?
Na linguagem administrativa, autoridade e responsabilidade estão aliadas. No caso do centurião (Mt 8.9), ele estava investido de autoridade para comandar, mas tal autoridade lhe fora delegada por um general perante o qual estava obrigado a prestar contas de sua incumbência: manter a disciplina e definir estratégia de combate de sua centúria. Desta forma, responsabilidade consiste na prestação de contas do subordinado ao seu superior hierárquico. A autoridade do centurião só haveira de ser plena à medida que fosse responsável por seus subordinados perante o general da legião à qual pertencia.

3.2.    A aceitação da autoridade
A autoridade só é reconhecida quando o subordinado acata as ordens e instruções de seu gerente.Citando Chester I. Bernard, Carvalho declara que “a autoridade é o caráter de uma comunicação (ordem), numa organização formal, em virtude da qual ela é aceita por um membro da organização para dirigir a sua ação...”.[8] Pensando assim, ele reconhece que a autoridade apresenta dois aspectos: um subjetivo, pessoal, que é a aceitação de uma comunicação como tendo autoridade; e outro objetivo, que o caráter dessa comunicação, em virtude do qual ela é aceita.A autoridade estabelece uma relação interpessoal através da qual “um subordinado aceita uma decisão tomada por outro indivíduo, o superior, permitindo que essa decisão afete diretamente o seu comportamento”. (TANNENBAUM, apud CARVALHO, 2004, p. 67).

3.3.    A autoridade na igreja
A autoridade é o recurso que o líder eclesiástico precisa para cumprir suas responsabilidades. De um modo geral, o pastor da igreja detém dois tipos de autoridade: a que lhe é conferida pelo Espírito Santo (autoridade espiritual, cf Rm 12.7-8; Ef 4.11-12; 1Tm 3.1-7), e a autoridade administrativa, incluindo-se aí a liderança participativa no âmbito da igreja (1Tm 3.4-5; 5.1-16).
Em virtude da ênfase que os seminários, na formação de pastores, dão à autoridade espiritual (vocação, dom de Deus), pouco tempo os pastores dedicam à administração eclesiástica, delegando-a aos membros profissionalmente especializados. Mas, ainda que tais membros sejam peritos nesta tarefa, compete ao pastor a incumbência do planejamento, organização, controle e coordenação das funções administrativas eclesiásticas. Ele é o responsável por delegar parte de suas responsabilidades (financeiras, administrativas, educacionais, etc.) para outros membros qualificados. Entretanto, a responsabilidade total pelo funcionamento da igreja é do pastor.
Como delegar autoridade e responsabilidade? Seguindo o exemplo de Moisés, quando foi orientado pelo seu sogro Jetro, o caminho mais adequado não é outro, senão, uma seleção de auxiliares com base em critérios rigorosos previamente determinados. A falta de delegação de autoridade e responsabilidade pode trazer, em consequência disso, fracassos indesejados. Para ilustrar, vejamos:
Numa certa igreja, muito longe daqui, havia quatro pessoas: Todomundo, Alguém, Qualquer Um e Ninguém. Um importante trabalho precisava ser feito e Todomundo tinha certeza de que Alguém o faria. Qualquer Um poderia tê-lo feito, mas Ninguém o fez. Alguém zangou-se por que era um trabalho de Todomundo. Todomundo pensou que Qualquer Um poderia fazê-lo, mas Ninguém imaginou que Todomundo deixaria de fazê-lo. Ao final das contas, Todomundo culpou Alguém quando Ninguém fez o que Qualquer Um poderia ter feito.[9]





[1] CARVALHO, Antônio Vieira de. Planejando e administrando as atividades da igreja. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 37.
[2] CARVALHO, op. Cit. p. 38.
[3] CARVALHO, Antônio Vieira de. Ibidem, p. 39.
[4] CARVALHO, Antônio Vieira de. Ibidem, p. 41.
[5] CARVALHO, Antônio Vieira de. Ibidem, p. 42.
[6] CARVALHO, Antônio Vieira de. Op. cit. p. 44.
[7] Sociedade Bíblica do Brasil. (1999; 2005). Bíblia de Estudo Almeida - Revista e Atualizada (Mt 8:9). Sociedade Bíblica do Brasil.
[8] CARVALHO, Antônio Vieira de. Op. Cit. p. 67.
[9] CARVALHO, Antônio Vieira de. Op. Cit. p. 75.

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