15 de novembro de 2018

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA TEOLOGIA

1. A Teologia Como Ciência


    É a Teologia uma ciência? Para respondermos tal questão, precisamos, em primeiro lugar, de um conceito de ciência. O que caracteriza qualquer ramo do conhecimento como uma ciência são os seguintes elementos: um objeto de estudo, a pesquisa, um método específico adotado no estudo e a sistematização das informações obtidas como resultado do processo de investigação. Aplicando à Teologia os elementos que caracterizam o conhecimento humano como ciência, podemos chegar à seguinte conclusão:

      a) O objeto de estudo da Teologia é Deus;
      b) A fonte de pesquisa é a revelação registrada nas Escrituras Sagradas;
    c) O método (ou métodos) de estudo é uma opção, dentre as várias alternativas que o teólogo dispõe no campo das ciências humanas;
     d) A sistematização consiste na organização lógica e temática do conteúdo da investigação bíblica, histórica, literária, geográfica, filológica, exegética, etc., que formulará o corpo doutrinário da Teologia como todo, ou de uma área da mesma.
       O papel da Teologia como ciência consiste em identificar as verdades e os fatos concernentes a Deus e sua obra, relacionando-os entre si e com outras verdades cognatas, bem como vindicá-los e mostrar sua harmonia e consistência.

2. Pressupostos Básicos da Teologia

      Todo ser humano, de forma consciente ou inconsciente, age e se relaciona no contexto em que está inserido conforme sua visão de mundo. Seus pressupostos fundamentais definem não só sua cosmovisão como também suas crenças sobre Deus. Desta forma, os ateus e agnósticos, firmados nos seus respectivos pressupostos da inexistência de Deus ou da impossibilidade humana de Deus ser conhecido, encaram o mundo, a humanidade e o futuro de modo de forma diversa de um teísta. Se há uma possibilidade de Deus ser conhecido, então os sistemas formados por tais concepções caem por terra. O teísta, convicto da existência de Deus, junta evidências que confirmam e apoiam sua crença. Suas convicções sobre Deus têm consistência em sua fé. Os trinitarianos (cristãos) acreditam na existência de um Deus tripessoal, que pode ser conhecido e se relaciona com os seres humanos. Convictos de que a Bíblia é o registro da revelação de Deus, os cristãos formam sua cosmovisão a partir dos ensinos das Sagradas Escrituras. Estes, portanto, são os pressupostos iniciais para o estudo da teologia.
      Se a mensagem da Bíblia não for verdadeira, então o triunitarismo é falso, Jesus Cristo não é quem afirma ser, e todos os cristãos estão iludidos, alimentados por falsas esperanças. Não é possível que tenhamos certeza de que os ensinos da Bíblia sobre Deus (sua pessoa, suas obras e seus desígnios) sejam verdade a menos que acreditemos que nossa fonte seja digna de confiança. Por esta razão, o pressuposto básico e central da teologia é de que a Bíblia é o registro fiel da revelação de Deus.

3. O Método Teológico

      A tarefa do teólogo na busca da verdade consiste em interpretar com precisão e clareza a revelação divina, utilizando-se das Escrituras Sagradas como fonte principal de informação. A abordagem bíblica requer, portanto, instrumentos de investigação literária, exegética e hermenêutica. Daí a necessidade de um método adequado. O método indutivo é universalmente utilizado, com poucas exceções. Descrevendo o método indutivo, Hodge aponta três componentes do processo de investigação que todo e qualquer cientista segue com rigor: pressupostos básicos, investigação e deduções.

3.1. Pressupostos básicos

       O cientista, na investigação do objeto em estudo, pressupõe o seguinte:
       a) A fidedignidade de seu senso perceptivo;
       b) A fidedignidade de suas operações mentais;
      c) A confiança na infalibilidade daquelas verdades que são aprendidas da experiência, mas comunicadas à constituição de nossa natureza.

3.2. Investigação sistemática

     Aqui o cientista, fundamentado em seus pressupostos básicos, passa a perceber, reunir e combinar seus fatos. Tais fatos não são manipulados, nem modificados, mas são tomados como realmente são achados. Apenas, certifica-se, com precaução, da absoluta garantia de que sejam reais, e dos quais possa fazer alguma inferência ou teoria que sobre eles elabore.

3.3. Deduções da investigação e análise

      Uma vez completa sua etapa de investigação e análise, o cientista deduz as leis pelas quais os fatos são determinados. Deve-se observar que essas leis ou princípios gerais não derivam da mente nem são atribuídos aos objetos, mas derivam e deduzem-se dos objetos e são impressas na mente.

4. O Método Indutivo Aplicado à Teologia

     Segundo Hodge, “a Bíblia é para o teólogo o que a natureza é para o cientista. Ela é seu depósito de fatos, e seu método de averiguar o que a Bíblia ensina é o mesmo que o filósofo natural adota para averiguar o que a natureza ensina. O teólogo procede tal como o cientista no estudo de seu objeto de investigação e conhecimento [...] O teólogo acredita na validade das leis de crença que Deus imprimiu na natureza humana. Essas leis, no entanto, não devem ser arbitrariamente pressupostos. Isto significa que nenhum homem tem o direito de impor suas opiniões pessoais, por mais seguras que elas pareçam ser, nem considerá-las verdades essenciais da razão e fazer delas fonte ou teste das doutrinas cristãs. Somente aquilo que seja auto-evidente pode ser universalmente crido; e o que é auto-evidente se impõe na mente de todo ser inteligente” 1.

4.1. A busca dos fatos

      Na coleta dos fatos investigados na Bíblia, o teólogo segue as regras que regem a conduta do cientista em sua investigação. As duas principais regras que direcionam e determinam a boa qualidade de um estudo científico sério são:
      a) Coleta dos fatos com diligência e prudência, para que o resultado não incorra em falsas teorias ou doutrinas derivadas de equívocos.
      b) A coleta de fatos deve ser abrangente e, se possível for, exaustiva, pois uma indução imperfeita ou parcial conduz a erros graves e imperdoáveis.

4.2. Princípios ou leis que se deduzem dos fatos

      Hodge declara que, “tanto na teologia como na ciência natural, os princípios se derivam de fatos, e não são impressos sobre eles. As propriedades da matéria, as leis do movimento, do magnetismo, da luz, etc., não são ordenados pela mente. Não são leis da imaginação. São deduções de fatos". 2
    O investigador vê, ou averigua pela observação, quais são as leis que determinam o fenômeno material; ele não inventa essas leis. Suas especulações sobre questões de ciência não têm valor, a menos que sejam sustentadas pelos fatos". 3
    No que diz respeito à Teologia e ao teólogo, os fatos da revelação são registros inalteráveis que carregam em seu bojo o teor da verdade que tanto se deseja conhecer. Portanto, o investigador das Escrituras deve lembrar que sua obrigação não é apresentar seu próprio sistema da verdade (que não tem a menor importância), mas averiguar e exibir qual é o sistema de Deus que realmente tem valor e utilidade. S   e ele não crê nos fatos que a Bíblia pressupõe serem verdadeiros, ele deve com toda honestidade confessá-lo. Quando os homens se recusam a aplicar o princípio da indução no estudo da Palavra de Deus, a Teologia torna-se uma mistura de especulações humanas inúteis.

5. A Semântica e o Fundamento da Teologia

    Etimologicamente, Teologia, do grego Theos (Deus) e Logos (palavra, discurso, estudo), significa “um discurso sobre Deus”; ou ainda, “o estudo cujo objeto é Deus”. Desta forma, a Teologia se apresenta como a ciência por meio da qual o homem busca conhecer a Deus, no que diz respeito ao que ele é, o que faz, como se comporta e qual a sua relação como homem e o universo.
      Um conceito muito comum é o que caracteriza a Teologia como a ciência da religião. Isto significa que a Teologia está diretamente ligada à experiência de relação que o homem mantém com Deus por meio da fé. Mas aqui há um grande risco de erro: o de se fundamentar a Teologia na experiência religiosa humana e não na revelação. O verdadeiro fundamento da Teologia é a Palavra de Deus, à luz da qual a religiosidade humana é interpretada e julgada; e não o contrário. Para que seja preservada a integridade da teologia é necessário que sua esfera de domínio esteja restrita aos fatos da revelação divina, até onde esses fatos dizem respeito a Deus e à nossa relação com ele.

6. A Questão da Autoridade

      O estudo da teologia cristã é norteado pelo seguinte princípio: a autoridade de Deus é a norma suprema para a verdade. Entretanto, a forma como a autoridade divina é compreendida e expressa pelos teólogos varia consideravelmente no âmbito acadêmico cristão. Três ramificações teológicas firmam concepções divergentes sobre a autoridade: a liberal, a neo-ortodoxa e a conservadora.

6.1. Concepção de autoridade no liberalismo teológico

     A característica principal dos teólogos liberais é o subjetivismo. Mesmo assim, o enfoque dessa subjetividade diverge entre eles. A ideia de que a Bíblia inclui qualquer ato de Deus pelo qual a comunicação entre Deus e o homem ocorre é difundida pelos teólogos liberais. Estes pensadores opinam que a comunicação entre Deus e o homem é processada por meio da razão, dos sentimentos ou da consciência humana.
       A razão é o fator predominante do liberalismo teológico. A esfera da razão é o campo onde os conceitos são formados; ela é o canal de fluência da verdade tanto para quem fala como para quem ouve. Atualmente, o liberalismo estabeleceu a razão humana como o juiz da verdade e, às vezes, a fonte legítima da verdade. Na autonomia da razão reside a autoridade maior, embora limitada por sua finitude e falibilidade.
     Em resposta ao racionalismo, Schleirmacher (1768-1834) formulou sua teologia dos sentimentos. Com ênfase na análise das experiências religiosas, ele baseou a religião nos sentimentos ou na consciência. Isto fez que sua teologia fosse desenvolvida no campo de duas ciências: a antropologia e a psicologia. Foi por esta razão que Karl Barth considerou Schleirmacher como a expressão máxima do liberalismo religioso.
      Outra vertente de expressão do liberalismo teológico concebe a consciência como a base da autoridade. Sendo o conhecimento limitado, este não pode ser confiável. Consequentemente, os instintos morais básicos da alma humana são considerados como o fundamento da autoridade. Esta ideia foi encabeçada por Immanuel Kant (1724-1804), considerado como o pai do agnosticismo. Isto fez que a teologia fosse reduzida à antropologia por considerar a natureza humana como fonte da verdade religiosa. Esta vertente de liberalismo teológico encara a Bíblia como produto da razão humana, a fonte das ideias a respeito de Deus, do próprio ser humano e do mundo.

6.2. Concepção de autoridade segundo a neo-ortodoxia

     A corrente teológica neo-ortodoxa foi formada por teólogos mesclaram a teologia liberal com a conservadora. Eles romperam com o liberalismo teológico ao propugnar que Deus, e não o homem, deve ser origem da revelação. Apesar disso, os adeptos desta concepção continuaram propagando uma visão liberal das Sagradas Escrituras. Karl Barth (1886-1968), o expoente da neo-ortodoxia, difunde a ideia de que a base da autoridade é a Palavra (o “Verbo”, na versão bíblica da ARA). Substancialmente, a Palavra é Cristo. O testemunho da Palavra através da Bíblia ocorre de modo falível e tal proclamação reduz-se a uma palavra a respeito da Palavra.
     Deus, como ser soberano, é o autor e fonte da revelação, que em Cristo alcançou o seu clímax. Não há autoridade absoluta na Bíblia; sua autoridade é apenas instrumental, uma vez que serve apenas como instrumento falível por meio do qual o ser humano pode encontrar Cristo, a Palavra (o Verbo vivo). Mesmo havendo objetividade na soberana iniciativa divina da auto-revelação, Barth professa a subjetividade humana nas experiências individuais de encontros de fé.

6.3. Concepção de autoridade segundo a teologia conservadora

      A teologia conservadora reconhece que a base da autoridade é objetiva e externa ao homem. Mas há duas correntes distintas, que são o catolicismo romano e o protestantismo. Segundo o catolicismo, a igreja é a única detentora da autoridade final e da legítima interpretação da Bíblia. Além das Sagradas Escrituras, a igreja romana estabelece que as tradições e os pronunciamentos dos concílios ecumênicos, promulgados pelo seu Sumo Pontífice, são fontes da revelação divina, portanto, infalíveis, cabendo aos membros da igreja a obrigação de cumpri-los fielmente.
       O protestantismo conservador, por sua vez, descarta por completo não só as bases da autoridade humanística e subjetiva do liberalismo como também elimina a igreja como detentora da autoridade. Por esta razão, é correto dizer que o protestantismo conservador é a ala do cristianismo que limita o escopo da autoridade religiosa à Bíblia Sagrada, a única que contém a revelação subjetiva de Deus. Apesar disso, o protestantismo admite que a revelação de Deus na Bíblia envolve o processo racional de uma mente redimida. Isto reflete um compromisso de fé nas questões omitidas pela revelação, que transcendem o discernimento da razão, ou seja, questões cujo entendimento decorre do ministério do Espírito Santo. Somente assim haverá uma consciência clara diante de Deus comprovada através das lições ensinadas pela história.


1 HODGE, Teologia sistemática, 2001, p. 8.
2 HODGE, op. cit. p.10.
3 HODGE, op. cit. p.10.





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